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É advogado, pós-graduado em Direito e Jurisdição e sócio-fundador do escritório Sus & Martins Advocacia

PEC da Guarda Nacional é retrocesso diante da atual Constituição de 1988

Um órgão obsoleto e, por isso mesmo, há muito tempo desestruturado no ordenamento político-jurídico do Brasil, sabidamente em virtude do avanço dos modelos democráticos no mundo

  • Thiago Sus Sobral de Almeida É advogado, pós-graduado em Direito e Jurisdição e sócio-fundador do escritório Sus & Martins Advocacia
Publicado em 08/02/2023 às 14h01

No âmbito federal, a União dispõe de uma estrutura policial ímpar, tendo à disposição as polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal e penal federal. Setorialmente, cada um dos Poderes instituídos possui ainda suas respectivas polícias internas vocacionadas à defesa e à proteção permanentes dos prédios dos três Poderes na capital federal, sendo elas: a polícia do exército, no Executivo; a polícia legislativa federal, nas duas Casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal); e a polícia judiciária (no Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), sem mencionar as forças segurança dos órgãos do Ministério Público da União.

Já nas esferas estadual e distrital, estão instituídas as polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares e polícias penais estaduais e distrital, reforçadas igualmente pelas polícias internas, sendo elas as polícias legislativas e judiciárias, além das forças de segurança dos órgãos dos respectivos Ministérios Públicos. Do mesmo modo, esse aparato é plenamente vocacionado à defesa e à proteção permanentes dos prédios dos Poderes Judiciário e Legislativo dos entes federativos de segundo grau.

Há ainda a Força Nacional de Segurança, um corpo híbrido criado a partir de uma engenharia legislativa pelo Decreto Nº 5.289de 29 de novembro de 2004, sob a forma de “programa de cooperação federativa” que possibilitou o controle e o destacamento de servidores das forças constitucionais de segurança pública estaduais e distritais para atuarem em atividades destinadas à proteção e manutenção da ordem pública e da integridade das pessoas e do patrimônio, com subordinação à União, na pessoa do ministro de Estado da Justiça.

Agora, em 2023, após todos os acontecimentos de 8 de janeiro, surge a brilhante (para não dizer estapafúrdia) ideia de ressuscitar – em sua literalidade por Proposta de Emenda à Constituição (“PEC”) – um órgão perempto, obsoleto e, por isso mesmo, há muito tempo desestruturado no ordenamento político-jurídico do Brasil, sabidamente em virtude do avanço dos modelos democráticos no mundo, a chamada “Guarda Nacional”, força militar organizada no Brasil em agosto de 1831, durante o período regencial, e desmobilizada em setembro de 1922.

Põe-se, então, verificar se a federalização das forças de segurança estaduais e municipais no Brasil, tal como proposto pelo executivo federal, representaria ou não uma já conhecida e abandonada superconcentração de poderes provinda de um vetusto surto por controle pela União (como na época regente) ao preço da supressão não consentida da autonomia dos respectivos entes federados constituídos, tornando-o uma “superpotência policial” frente aos demais Poderes, causando sensível desequilíbrio no atual modelo federativo vigente.

Qual a mensagem aos cidadãos brasileiros?

Bem, não há dúvidas que a intenção em 2004 e agora em 2023 é idêntica: subtrair força dos demais entes federados estabelecidos há 35 anos para a União novamente, um retrocesso, já se viu, ora. Porém, a atual Lei Constitucional brasileira de 1988 prevê no art. 60 a proibição de deliberação de proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação dos Poderes, contendo em seu art. 144 os seis órgãos a quem incumbiu a altiva tarefa de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público.

Bolsonaristas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto
Bolsonaristas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Congresso deverá considerar tal aspecto, pois, nada obstante a alteração alvitrada pareça singela e até de bom tom, convenhamos, frente aos últimos acontecimentos extremados (utilizando-se da força do discurso que aparenta legitimidade para dominação, consoante já alertado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), servirá de inequívoco precedente para uma reestruturação, a toda evidência, monárquica, imperial, quase ditatorial, das forças de segurança.

O discurso fundante da PEC da Guarda Nacional reproduz o já conhecido “poder simbólico”, quer dizer, o poder de constituir ou de conceber o dado pela simples enunciação; o poder de atribuir sentido às coisas, de modo que elas passem a ser entendidas pelos cidadãos – súditos – assim como foram declaradas pelo Estado, e não como realmente são, entendem?

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