Autor(a) Convidado(a)
É escritor, diretor no IHGES e subsecretário de Cultura de Vila Velha

Ofício das paneleiras, duas décadas de reconhecimento

A produção das panelas de barro completa 20 anos de reconhecimento como "Patrimônio Imaterial", o que é motivo de orgulho para todos os capixabas

  • Manoel Goes Neto É escritor, diretor no IHGES e subsecretário de Cultura de Vila Velha
Publicado em 21/12/2022 às 12h36

O ofício das paneleiras de Goiabeiras é uma tradição que já faz parte da cultura e da gastronomia do Espírito Santo. A produção das panelas de barro completa 20 anos de reconhecimento como "Patrimônio Imaterial", o que é motivo de orgulho para todos os capixabas. Esse oficio foi inscrito pelo Iphan no Livro de Registro dos Saberes em 20 de dezembro de 2002, sendo reconhecida como uma atividade econômica culturalmente enraizada no bairro de Goiabeiras Velha, em Vitória.

Elemento essencial do “prato típico capixaba", as panelas de barro são indispensáveis durante a realização das famosas moquecas capixabas de peixe. O saber envolvido na fabricação artesanal é uma atividade predominantemente feminina, tradicionalmente repassada pelas artesãs paneleiras de mãe para filha por gerações sucessivas, no âmbito familiar e comunitário.

O processo de produção das panelas de Goiabeiras conserva todas as características essenciais que as identificam e continuam sendo modeladas manualmente, com argila sempre da mesma procedência e com o auxílio de ferramentas rudimentares.

Se as tradicionais panelas de barro já eram conhecidas em vários pontos do país, o mesmo não se podia dizer do oficio das paneleiras que as fabricavam. Para melhor conhecer e dar a conhecer o saber e o fazer dessas cidadãs capixabas, foi aplicada pela primeira vez a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais. O conhecimento assim sistematizado e produzido constituiu a instrução técnica do processo de registro desse ofício, concluído em dezembro de 2002.

Desde então, o trabalho e as questões relativas à continuidade do ofício das Paneleiras de Goiabeiras vêm sendo acompanhados pelo Iphan, através da elaboração e implantação do Plano de Salvaguarda, que prevê o apoio e o fomento a ações que favoreçam a valorização das paneleiras e a manutenção das condições objetivas para a prática de sua atividade.

Paneleiras de Goiabeiras
Paneleiras de Goiabeiras. Crédito: Ricardo Medeiros

Apropriado dos indígenas por colonos e descendentes de escravos africanos, a técnica cerâmica utilizada para a produção das panelas é reconhecida por estudos arqueológicos como legado cultural dos nossos povos originários capixabas.

As panelas de barro são o recipiente indissociável de moquecas capixabas e outros frutos do mar, como também da torta capixaba, sagrada iguaria tradicionalmente consumida na Semana Santa. Ícones da identidade cultural capixaba, a torta, as moquecas e as panelas de barro ganharam o mundo e configuram, na literatura gastronômica.

Faz-se necessário lembrar do saudoso amigo, escritor, jornalista e mestre Cacau Monjardim, falecido em outubro deste ano, que repito ter sido um grande capixaba, e que sempre dizia, “Moqueca é capixaba, o resto é peixada". E completava, “panela de barro só a de Goiabeiras, o resto é tralha de cozinhar”. A gastronomia capixaba é a mais brasileira das cozinhas, por reunir e mesclar elementos das culturas indígena, portuguesa e africana.

O permanente aumento do consumo das moquecas e da torta capixaba no período da Semana Santa, tradição muito valorizada pelos capixabas, continua sendo importante referência na formação e fortalecimento da identidade cultural local, sendo uma das principais razões da continuidade histórica da fabricação artesanal das panelas de barro, apesar das notáveis transformações urbanas ocorridas.

A cidade de Vitória cresceu e alcançou Goiabeiras, que se transformou em um bairro urbanizado da capital dos capixabas. Mas ali continuam sendo feitas, como sempre, as panelas pretas. Enquanto a cidade crescia, as paneleiras foram se profissionalizando e fazendo do seu ofício a mais visível atividade cultural e econômica do lugar, capixabismo puro.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Moqueca Capixaba Paneleiras de Goiabeiras

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.