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É advogado criminal, mestre em Direito e doutorando em Ciências Criminais pela Universidade de Coimbra, Portugal

O preço da intromissão: o ativismo judicial e o caos no Rio de Janeiro

Quando o Judiciário assume o papel do Executivo, a fronteira entre justiça e governo se confunde — e quem perde é o cidadão

  • Lecio Machado É advogado criminal, mestre em Direito e doutorando em Ciências Criminais pela Universidade de Coimbra, Portugal
Publicado em 29/10/2025 às 08h49

megaoperação policial que paralisou o Rio de Janeiro em 28 de outubro de 2025 – a infame Operação Contenção nos Complexos do Alemão e da Penha – não pode ser analisada apenas pela ótica da violência e da letalidade. Para quem lida diariamente com a complexa relação entre Estado, crime e Justiça, o evento serve como um brutal lembrete do perigo inerente ao ativismo judicial, especialmente quando ele adentra o campo da segurança pública.

Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADPF 635 ("ADPF das Favelas"), assumiu, de forma inédita, o papel de supervisor da política de segurança do Rio de Janeiro. Em tese, a intervenção visava a nobre causa de reduzir a letalidade policial, mas, na prática, ela criou uma perigosa armadilha institucional para o Poder Executivo.

unidade especial da Polícia Militar prende suspeitos de tráfico de drogas em operação na favela da Penha, no Rio de Janeiro
Unidade especial da Polícia Militar em ação durante megaoperação na favela da Penha, no Rio de Janeiro. Crédito: Reuters/Folhapress

O engessamento da estratégia policial

A segurança pública é, por excelência, um ato de gestão do Poder Executivo, que detém a expertise operacional, o conhecimento de inteligência e a responsabilidade primária perante o eleitorado. Quando o Judiciário impõe restrições rígidas – como a obrigatoriedade de comunicação prévia de operações ao Ministério Público ou a exigência de câmeras em uniformes e viaturas, invadindo o mérito da estratégia – ele, inadvertidamente, engessa a capacidade de resposta do Estado.

É fundamental que o cidadão entenda o cerne da crítica: o ativismo judicial subtrai a autonomia estratégica do gestor público eleito. Políticos e gestores, como o Governador Cláudio Castro, sentem-se despojados de sua prerrogativa de decidir como e quando combater o crime, sendo obrigados a operar sob protocolos impostos por ministros que não têm a responsabilidade direta pelo caos nas ruas.

O Resultado é a violência como resposta, já que ao longo dos últimos anos, observamos o Executivo do Rio de Janeiro acusar que as restrições da ADPF 635 permitiram que o Comando Vermelho (CV) e outras facções reorganizassem-se e expandissem seu domínio territorial, como alegado publicamente pelo próprio Governo. O Judiciário, ao tentar impor uma "paz" processual, criou, na visão dos críticos, uma zona de conforto para os criminosos.

O que vimos na última terça-feira, com a Operação Contenção, é o trágico reflexo dessa tensão. Uma operação de altíssima letalidade (64 mortos) é a resposta máxima de um Executivo que se sente acuado, desautorizado e, por isso, compelido a demonstrar força de forma espetacular. O Executivo, sentindo-se manietado pelo Judiciário, escolhe uma ação de proporções bélicas para, simbolicamente, reafirmar que "quem exerce o poder é o Estado".

A operação, com seu aparato de guerra e seu saldo de mortes, reacende o ciclo vicioso: a violência do Estado gera nova intervenção do STF, que impõe novas restrições, levando o Executivo a planejar a próxima ação ainda mais confrontadora para provar sua capacidade de agir.

O perigo da governança judicial

O verdadeiro perigo do ativismo judicial não está na intenção de proteger direitos, mas no esvaziamento da política e da responsabilidade. Quando o Judiciário governa no lugar dos eleitos, transfere-se o debate sobre segurança da arena democrática (onde o Executivo e Legislativo prestam contas) para a cúpula do Judiciário (que não é eleita).

É urgente que o STF compreenda os limites da sua intervenção. O Judiciário deve atuar como fiscal da Constituição, garantindo que as políticas de segurança não sejam inconstitucionais. Mas a elaboração da estratégia operacional e o mérito da gestão devem permanecer com o Executivo.

Se a política de segurança falhar, o eleitor deve ter a clareza para punir o Governador na próxima eleição. Quando a culpa é difusa – repartida entre o Governador (que executa), o STF (que restringe) e o Ministério Público (que fiscaliza) – o resultado é o caos institucional e a tragédia que o Rio de Janeiro viveu, novamente, em 28 de outubro. A Justiça deve ser a guardiã da Lei, não a gestora do confronto.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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