A megaoperação policial que paralisou o Rio de Janeiro em 28 de outubro de 2025 – a infame Operação Contenção nos Complexos do Alemão e da Penha – não pode ser analisada apenas pela ótica da violência e da letalidade. Para quem lida diariamente com a complexa relação entre Estado, crime e Justiça, o evento serve como um brutal lembrete do perigo inerente ao ativismo judicial, especialmente quando ele adentra o campo da segurança pública.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADPF 635 ("ADPF das Favelas"), assumiu, de forma inédita, o papel de supervisor da política de segurança do Rio de Janeiro. Em tese, a intervenção visava a nobre causa de reduzir a letalidade policial, mas, na prática, ela criou uma perigosa armadilha institucional para o Poder Executivo.
O engessamento da estratégia policial
A segurança pública é, por excelência, um ato de gestão do Poder Executivo, que detém a expertise operacional, o conhecimento de inteligência e a responsabilidade primária perante o eleitorado. Quando o Judiciário impõe restrições rígidas – como a obrigatoriedade de comunicação prévia de operações ao Ministério Público ou a exigência de câmeras em uniformes e viaturas, invadindo o mérito da estratégia – ele, inadvertidamente, engessa a capacidade de resposta do Estado.
É fundamental que o cidadão entenda o cerne da crítica: o ativismo judicial subtrai a autonomia estratégica do gestor público eleito. Políticos e gestores, como o Governador Cláudio Castro, sentem-se despojados de sua prerrogativa de decidir como e quando combater o crime, sendo obrigados a operar sob protocolos impostos por ministros que não têm a responsabilidade direta pelo caos nas ruas.
O Resultado é a violência como resposta, já que ao longo dos últimos anos, observamos o Executivo do Rio de Janeiro acusar que as restrições da ADPF 635 permitiram que o Comando Vermelho (CV) e outras facções reorganizassem-se e expandissem seu domínio territorial, como alegado publicamente pelo próprio Governo. O Judiciário, ao tentar impor uma "paz" processual, criou, na visão dos críticos, uma zona de conforto para os criminosos.
O que vimos na última terça-feira, com a Operação Contenção, é o trágico reflexo dessa tensão. Uma operação de altíssima letalidade (64 mortos) é a resposta máxima de um Executivo que se sente acuado, desautorizado e, por isso, compelido a demonstrar força de forma espetacular. O Executivo, sentindo-se manietado pelo Judiciário, escolhe uma ação de proporções bélicas para, simbolicamente, reafirmar que "quem exerce o poder é o Estado".
A operação, com seu aparato de guerra e seu saldo de mortes, reacende o ciclo vicioso: a violência do Estado gera nova intervenção do STF, que impõe novas restrições, levando o Executivo a planejar a próxima ação ainda mais confrontadora para provar sua capacidade de agir.
O perigo da governança judicial
O verdadeiro perigo do ativismo judicial não está na intenção de proteger direitos, mas no esvaziamento da política e da responsabilidade. Quando o Judiciário governa no lugar dos eleitos, transfere-se o debate sobre segurança da arena democrática (onde o Executivo e Legislativo prestam contas) para a cúpula do Judiciário (que não é eleita).
É urgente que o STF compreenda os limites da sua intervenção. O Judiciário deve atuar como fiscal da Constituição, garantindo que as políticas de segurança não sejam inconstitucionais. Mas a elaboração da estratégia operacional e o mérito da gestão devem permanecer com o Executivo.
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Se a política de segurança falhar, o eleitor deve ter a clareza para punir o Governador na próxima eleição. Quando a culpa é difusa – repartida entre o Governador (que executa), o STF (que restringe) e o Ministério Público (que fiscaliza) – o resultado é o caos institucional e a tragédia que o Rio de Janeiro viveu, novamente, em 28 de outubro. A Justiça deve ser a guardiã da Lei, não a gestora do confronto.
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