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É advogado, mestre em Direito Processual pela Ufes e doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV

O Direito é aquilo que os juízes dizem que é?

Não se pode esperar que um juiz seja bom em suas atividades profissionais quando teve um bom café da manhã, ou seja ruim quando tenha assistido à derrota do seu time de futebol na noite anterior

  • Vitor Gonçalves Machado É advogado, mestre em Direito Processual pela Ufes e doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV
Publicado em 27/02/2023 às 14h14

Existem duas teorias opostas no âmbito jurídico que debatem sobre se o direito é aquilo que os juízes e tribunais dizem que é, reforçando aquilo que brevemente comentamos no artigo de A Gazeta no dia 4 de junho de 2021.

A primeira teoria é denominada “doutrina Julia Roberts”. Surgiu inspirada em uma cena do filme "O Dossiê Pelicano", de 1993, no qual os atores Denzel Washington e Julia Roberts fizeram parte. Em uma das cenas, enquanto o professor debatia o caso Bowers vs. Hardwick, a estudante interpretada por Roberts discordava do entendimento da Suprema Corte norte-americana de que uma lei do Estado da Geórgia era constitucional. Para ela, a lei deveria ser julgada inconstitucional. O professor disse: “A Suprema Corte discorda de você, senhorita. Eles (os ministros) acham que o Estado não violou o direito à privacidade. E agora, por que isso?” A resposta foi rápida da personagem de Roberts: “Porque eles estão errados”.

Em contrapartida a essa tese há a “doutrina Bispo Hoadly”, a qual sustenta que o verdadeiro legislador é aquele que possui a autoridade para interpretar a lei, e não aquele que primeiro a escreveu. Essa tese surgiu a partir de uma declaração do bispo Hoadly, em 1717, e reforça um entendimento de que o Poder Judiciário não pode errar e ele é quem possui a palavra final. É somente o Judiciário, por meio de seus integrantes, que decide o que é o direito, e, assim, é apenas ele o órgão capacitado para interpretar como bem entender o direito e os casos submetidos à sua apreciação.

O pensamento dessa última teoria resume bem a corrente do realismo jurídico, um movimento intelectual no qual seus defensores sustentam que as decisões dos juízes seriam previsíveis, dependendo de ser realizada uma pesquisa empírica para descobrir que fatores entrariam no processo de tomada de decisão judicial. Nesse sentido, o realismo jurídico tenta formular padrões para descrever o comportamento judicial tendo como base uma efetiva análise do que fazem os Tribunais em casos concretos, como esclarecem os professores Noel Struchiner e Marcelo Brando.

Ocorre que não há como conceber que o direito é aquilo que os juízes querem que ele seja, externando o que pensam de forma explícita ou implicitamente. Não se pode esperar que um juiz seja bom em suas atividades profissionais quando teve um bom café da manhã, ou seja ruim quando tenha assistido à derrota do seu time de futebol na noite anterior, relevando, com isso, padrões extrajurídicos.

Todavia, o interessante dessa corrente é que ela escancara uma realidade que poucos ousam em enxergar ou concordar: de que são seres humanos que lidam com as mais diversas ações judiciais, umas mais complexas que outras, umas com um volume de trabalho muito maior do que outras. Assim, podem vacilar em suas interpretações em determinada decisão judicial em razão de vários motivos que não exclusivamente jurídicos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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