5 de novembro de 2015. Apenas onze minutos foram necessários para soterrar mais de 300 anos de história do vilarejo Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana. Rompimento de três barragens causaram um tsunami de 62 milhões de metros cúbicos de lama acabando com mais sete distritos de Mariana.
O destino final da lama foi o mar do Espirito Santo, atingindo o município de Linhares, onde o Rio Doce tem a sua foz. A tragédia de Mariana completará 10 anos em 2025 e está marcada por histórias de resiliência que deixaram um legado à sociedade brasileira.
Como professor e empresário em Regência, distrito de Linhares, presenciei os efeitos dessa tragédia bem de perto. Desde o início o que mais me chamou atenção foi o distanciamento das autoridades, governos e instituições com relação à saúde mental da população.
Inclusive, os três primeiros anos foram bem difíceis, clima de tempestade sem fim. Vi muitos olhos deixarem de brilhar e pessoas desistindo da própria vida. Eu mesmo, de dono de pousada bem estruturada, a Toca do Ceará, tive que ir vender pastel com caldo de cana no centro da cidade de Aracruz.
Com o passar do tempo, muita gente foi chegando de forma interesseira nesses territórios, com intuito de ser beneficiado pelos programas reparatórios instituídos pela Fundação Renova. Mas muito pouco se fez de verdade, sabe? Havia muitas intrigas, medição de forças e, no fim, a população mais necessitada tinha sonhos destruídos, fé abalada, histórias dilaceradas e marcos culturais deteriorados.
Para completar, ainda tivemos a pandemia de Covid-19 e esse clima de pessimismo foi ganhando força pela Vila de Regência. Horas difíceis para todos nós, mas há sempre personagens inspiradores, que vão invertendo tragédia em reinvenção e buscando, dentro da sua fé em Deus, força para guiar o seu caminho. Com o seu olhar otimista, regam sonhos murchados e elevam a autoestima das pessoas que os cercam.
Na vila onde moro, posso citar Alessandro Pescador, entusiasta completo da cultura e do esporte, Cícera Issany, diretora da escola Vila Regência, e Adailton Alcper, artista e idealizador da Companhia de Artes.
Diante desse movimento de transformação social na vila, me vejo dando aula de português para crianças do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental com a seguinte constatação: muitos desses meninos deveriam ter herdado a profissão de pescador dos seus pais, por exemplo, mas devido à proibição da pesca, a maioria não teve qualquer contato com a prática.
Enfim, não tive dúvidas quanto à urgência do meu novo projeto em parceria com a Coppo Consultoria e Projetos. Junto com o designer Patrick Amâncio, começo nesta sexta-feira, 18 de julho, uma expedição pelos municípios afetados pela tragédia de Mariana, e pretendo buscar os melhores relatos e marcos de resiliência que inspiram até hoje. O livro “O Vagão de Bento” será a tradução da ressignificação de vida que espero que aconteça por aqui.
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