Em matéria contratual, a máxima popular de que "quem cala consente" pode sair cara. Isso porque, no universo jurídico dos contratos, consolidou-se uma regra que, embora não esteja expressamente prevista em lei, como a prescrição, ganhou contornos quase que sedimentados na jurisprudência brasileira: a "supressio".
Não é raro observar que, em determinadas relações contratuais, uma das partes deixa de exigir o cumprimento pontual de determinada obrigação – um pagamento, uma cláusula acessória, uma condição específica. Passado um tempo considerável, por algum motivo, essa mesma parte decide então exigir o cumprimento integral da obrigação outrora ignorada.
A pergunta é: a parte credora ainda tem esse direito? Nos tribunais, a resposta cada vez mais recorrente é não.
Embora não se trate de prescrição nos moldes estritos do artigo 189 e seguintes do Código Civil, existe uma limitação temporal ao exercício de certos direitos contratuais. E essa limitação não tem prazo certo, nem encontra previsão legal específica; mas decorre dos efeitos da boa-fé objetiva — princípio fundamental das relações contratuais, consagrado no artigo 422 do Código Civil, mas cujo reflexo específico nesse tema se encontra no parágrafo único do artigo 113 e no artigo 122, que veda condições que contrariem a boa-fé.
A doutrina nomeou esse fenômeno de "supressio": um instituto jurídico derivado do Direito Internacional ("venire contra factum proprium"), incorporado à tradição civilista brasileira como expressão da boa-fé objetiva.
A "supressio" ocorre então quando o não exercício de um direito durante um período prolongado gera, no outro contratante, uma expectativa legítima de que esse direito não mais será exercido. Assim, permitir a posterior exigência desse direito seria uma violação do dever de lealdade contratual, promovendo surpresa indevida e injusta.
Não se trata, pois, de uma prescrição, pois esta se dá por previsão legal e possui prazo fixado em lei. A "supressio", ao contrário, deriva-se da conduta reiterada da parte que não exercita um direito, promovendo a confiança do outro lado na sua renúncia tácita.
A jurisprudência pátria vem aplicando com frequência a "supressio", sobretudo em contratos de longa duração, como os bancários, os empresariais e os contratos de prestação continuada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já afirmou que “o decurso de longo tempo com inércia do credor em exigir determinada obrigação pode ensejar a ocorrência da 'supressio', impedindo o posterior exercício do direito antes tolerado”.
Assim, nas relações contratuais, não vale a regra do “deixa estar...”, para se um dia voltar a exigir o que foi tolerado. A boa-fé objetiva impede esse tipo de comportamento, pois preza pela confiança, estabilidade e previsibilidade das relações negociais.
Portanto, a parte que se omite por tempo considerável na exigência de um direito contratual deve estar atenta: o direito pode se esvair, não por prescrição legal, mas por supressão fática. E assim, “se um dia” decidir exercê-lo, pode já ser tarde demais.
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