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É sócio do escritório Motta Leal & Advogados Associados, advogado especialista em Direito Empresarial

Nas relações contratuais, não vale a regra do “deixa estar...”

Não é raro observar que uma das partes deixa de exigir o cumprimento pontual de determinada obrigação e, passado um tempo considerável, por algum motivo, essa mesma parte decide então exigir o cumprimento integral da obrigação outrora ignorada

  • Luiz Alberto Musso Leal Neto É sócio do escritório Motta Leal & Advogados Associados, advogado especialista em Direito Empresarial
Publicado em 20/06/2025 às 10h30

Em matéria contratual, a máxima popular de que "quem cala consente" pode sair cara. Isso porque, no universo jurídico dos contratos, consolidou-se uma regra que, embora não esteja expressamente prevista em lei, como a prescrição, ganhou contornos quase que sedimentados na jurisprudência brasileira: a "supressio".

Não é raro observar que, em determinadas relações contratuais, uma das partes deixa de exigir o cumprimento pontual de determinada obrigação – um pagamento, uma cláusula acessória, uma condição específica. Passado um tempo considerável, por algum motivo, essa mesma parte decide então exigir o cumprimento integral da obrigação outrora ignorada.

A pergunta é: a parte credora ainda tem esse direito? Nos tribunais, a resposta cada vez mais recorrente é não.

Embora não se trate de prescrição nos moldes estritos do artigo 189 e seguintes do Código Civil, existe uma limitação temporal ao exercício de certos direitos contratuais. E essa limitação não tem prazo certo, nem encontra previsão legal específica; mas decorre dos efeitos da boa-fé objetiva — princípio fundamental das relações contratuais, consagrado no artigo 422 do Código Civil, mas cujo reflexo específico nesse tema se encontra no parágrafo único do artigo 113 e no artigo 122, que veda condições que contrariem a boa-fé.

A doutrina nomeou esse fenômeno de "supressio": um instituto jurídico derivado do Direito Internacional ("venire contra factum proprium"), incorporado à tradição civilista brasileira como expressão da boa-fé objetiva.

A "supressio" ocorre então quando o não exercício de um direito durante um período prolongado gera, no outro contratante, uma expectativa legítima de que esse direito não mais será exercido. Assim, permitir a posterior exigência desse direito seria uma violação do dever de lealdade contratual, promovendo surpresa indevida e injusta.

Não se trata, pois, de uma prescrição, pois esta se dá por previsão legal e possui prazo fixado em lei. A "supressio", ao contrário, deriva-se da conduta reiterada da parte que não exercita um direito, promovendo a confiança do outro lado na sua renúncia tácita.

A jurisprudência pátria vem aplicando com frequência a "supressio", sobretudo em contratos de longa duração, como os bancários, os empresariais e os contratos de prestação continuada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já afirmou que “o decurso de longo tempo com inércia do credor em exigir determinada obrigação pode ensejar a ocorrência da 'supressio', impedindo o posterior exercício do direito antes tolerado”.

Contrato de trabalho
Contrato firmado. Crédito: Shutterstock

Assim, nas relações contratuais, não vale a regra do “deixa estar...”, para se um dia voltar a exigir o que foi tolerado. A boa-fé objetiva impede esse tipo de comportamento, pois preza pela confiança, estabilidade e previsibilidade das relações negociais.

Portanto, a parte que se omite por tempo considerável na exigência de um direito contratual deve estar atenta: o direito pode se esvair, não por prescrição legal, mas por supressão fática. E assim, “se um dia” decidir exercê-lo, pode já ser tarde demais.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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