O Judiciário brasileiro, embora concebido como guardião da legalidade e da Constituição, tornou-se, aos olhos da sociedade, um palco de disputas simbólicas que extrapolam o Direito. A população, muitas vezes alheia à técnica e aos fundamentos normativos, constrói sua percepção a partir de narrativas simplificadas, de manchetes e de julgamentos morais que se distanciam da complexidade que caracteriza a função jurisdicional.
Assim, forma-se um senso comum marcado por impressões imediatistas: a Justiça é boa quando pune o inimigo e injusta quando protege quem não desperta simpatia social.
O Judiciário, nesse contexto, ora é visto como bastião contra a corrupção, ora é percebido como cúmplice dela. Essa ambiguidade revela que a sociedade não julga os tribunais por sua coerência institucional, mas por conveniências momentâneas. A mesma decisão que é exaltada como ato de coragem pode ser, no dia seguinte, classificada como abuso de poder, dependendo apenas de quem dela se beneficia.
Há ainda um aspecto pouco explorado: a personalização da Justiça. A mídia e a opinião pública transformam ministros e juízes em personagens, atribuindo-lhes rótulos ideológicos ou traços de caráter que passam a pautar a leitura social das decisões. O tribunal, nesse cenário, deixa de ser instituição e se torna um conjunto de figuras humanas sujeitas a paixões, vaidades e suspeitas.
O senso comum, que raramente discute a estrutura judiciária ou seus gargalos institucionais, prefere construir heróis e vilões de toga, simplificando um sistema que, por sua própria natureza, não se deixa reduzir a maniqueísmos.
Outro elemento de observação é o fosso entre o tempo do Judiciário e o da sociedade. Enquanto a Justiça se movimenta com ritos, prazos e formalidades, a sociedade exige celeridade e resultado imediato. Essa diferença temporal alimenta a percepção de morosidade e ineficiência, reforçando a descrença popular.
No entanto, pouco se percebe que a lentidão não decorre apenas da burocracia judicial, mas também de uma cultura processual e recursal que a própria sociedade, por meio de seus representantes políticos, ajudou a consolidar.
Não se pode ignorar que o Judiciário se tornou protagonista político em um país marcado por crises institucionais recorrentes. Quando o Legislativo se mostra inerte e o Executivo se desgasta, os olhos se voltam para os tribunais como se estes fossem a última instância moral da República.
Todo esse protagonismo cobra um preço: ao atuar em matérias de intensa repercussão social, o Judiciário é inevitavelmente tragado pela polarização política e pela disputa de narrativas. E, nesse turbilhão, sua imagem pública oscila entre a de guardião da democracia e a de usurpador de funções que não lhe competem.
Nessa percepção, o Judiciário não é visto com os olhos da técnica, mas como símbolo. Um símbolo carregado de expectativas, frustrações e contradições, que revela mais sobre a sociedade que o julga do que sobre o próprio órgão. O senso comum, em sua simplicidade e paixão, exige da Justiça aquilo que nem sempre ela pode oferecer: imparcialidade absoluta, rapidez milagrosa e decisões que sempre coincidam com o desejo coletivo.
Quando isso não acontece, a resposta é a desconfiança. E talvez seja justamente nesse espelho distorcido que se encontra a maior crítica: o Judiciário não é percebido como instituição, mas como reflexo das nossas próprias contradições sociais e políticas.
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