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É advogado e professor universitário

Heróis ou vilões de toga? O Judiciário no espelho da sociedade

Quando o Legislativo se mostra inerte e o Executivo se desgasta, os olhos se voltam para os tribunais como se estes fossem a última instância moral da República

  • Leonardo Roza Tonetto É advogado e professor universitário
Publicado em 15/09/2025 às 14h37

O Judiciário brasileiro, embora concebido como guardião da legalidade e da Constituição, tornou-se, aos olhos da sociedade, um palco de disputas simbólicas que extrapolam o Direito. A população, muitas vezes alheia à técnica e aos fundamentos normativos, constrói sua percepção a partir de narrativas simplificadas, de manchetes e de julgamentos morais que se distanciam da complexidade que caracteriza a função jurisdicional.

Assim, forma-se um senso comum marcado por impressões imediatistas: a Justiça é boa quando pune o inimigo e injusta quando protege quem não desperta simpatia social.

O Judiciário, nesse contexto, ora é visto como bastião contra a corrupção, ora é percebido como cúmplice dela. Essa ambiguidade revela que a sociedade não julga os tribunais por sua coerência institucional, mas por conveniências momentâneas. A mesma decisão que é exaltada como ato de coragem pode ser, no dia seguinte, classificada como abuso de poder, dependendo apenas de quem dela se beneficia.

Há ainda um aspecto pouco explorado: a personalização da Justiça. A mídia e a opinião pública transformam ministros e juízes em personagens, atribuindo-lhes rótulos ideológicos ou traços de caráter que passam a pautar a leitura social das decisões. O tribunal, nesse cenário, deixa de ser instituição e se torna um conjunto de figuras humanas sujeitas a paixões, vaidades e suspeitas.

O senso comum, que raramente discute a estrutura judiciária ou seus gargalos institucionais, prefere construir heróis e vilões de toga, simplificando um sistema que, por sua própria natureza, não se deixa reduzir a maniqueísmos.

Outro elemento de observação é o fosso entre o tempo do Judiciário e o da sociedade. Enquanto a Justiça se movimenta com ritos, prazos e formalidades, a sociedade exige celeridade e resultado imediato. Essa diferença temporal alimenta a percepção de morosidade e ineficiência, reforçando a descrença popular.

No entanto, pouco se percebe que a lentidão não decorre apenas da burocracia judicial, mas também de uma cultura processual e recursal que a própria sociedade, por meio de seus representantes políticos, ajudou a consolidar.

Não se pode ignorar que o Judiciário se tornou protagonista político em um país marcado por crises institucionais recorrentes. Quando o Legislativo se mostra inerte e o Executivo se desgasta, os olhos se voltam para os tribunais como se estes fossem a última instância moral da República.

Quarto dia de julgamento de Jair Bolsonaro no STF em ação contra trama golpista
Quarto dia de julgamento de Jair Bolsonaro no STF em ação contra trama golpista. Crédito: Gustavo Moreno/STF

Todo esse protagonismo cobra um preço: ao atuar em matérias de intensa repercussão social, o Judiciário é inevitavelmente tragado pela polarização política e pela disputa de narrativas. E, nesse turbilhão, sua imagem pública oscila entre a de guardião da democracia e a de usurpador de funções que não lhe competem.

Nessa percepção, o Judiciário não é visto com os olhos da técnica, mas como símbolo. Um símbolo carregado de expectativas, frustrações e contradições, que revela mais sobre a sociedade que o julga do que sobre o próprio órgão. O senso comum, em sua simplicidade e paixão, exige da Justiça aquilo que nem sempre ela pode oferecer: imparcialidade absoluta, rapidez milagrosa e decisões que sempre coincidam com o desejo coletivo.

Quando isso não acontece, a resposta é a desconfiança. E talvez seja justamente nesse espelho distorcido que se encontra a maior crítica: o Judiciário não é percebido como instituição, mas como reflexo das nossas próprias contradições sociais e políticas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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