O dia 23 de setembro foi definido pelos países participantes da Conferência Mundial de Coligação contra o Tráfico de Mulheres, em 1999, como o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças. Essa data foi escolhida com base em uma lei de 1913, promulgada na Argentina, denominada Lei Palácios, que visava à punição de promotores e facilitadores de prostituição e corrupção de menores nesse país.
O tráfico de seres humanos para os mais diversos tipos de exploração não é um fato novo. É um fenômeno que ocorre desde a Idade Média, perpassando todos os períodos históricos de todas as sociedades e ainda existindo em todos os lugares do mundo. O tráfico e a exploração sexual humana são considerados pelos estudos existentes como crime “de baixo custo e altamente rentável”, que movimenta em torno de 32 bilhões de dólares por ano, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Essa instituição define tráfico de pessoas como sendo “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”.
A exploração sexual corresponde a cerca de 76% do total dos lucros obtidos com esse crime e é considerado como “o terceiro negócio mais lucrativo do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e de armas”, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As vítimas preferenciais são mulheres e meninas/adolescentes, em sua maioria negras e pardas, que se encontram em situação vulnerável e sem perspectivas concretas de futuro.
O crime não se restringe a esse grupo, mas age prioritariamente sobre ele e tem como objetivos fundamentais a exploração comercial do sexo em todas as suas vertentes, remoção de órgãos e adoção ilegal e, no caso de homens, para trabalhos análogos à escravidão.
De acordo com dados da OIT, 2,4 milhões de pessoas estão nessas condições e a maioria (em torno de 80%) é formada por mulheres e meninas/adolescentes, uma vez que possuem maiores índices de vulnerabilidade. A Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças atingem preferencialmente pessoas em condições precárias de vida, em condições de pobreza e/ou submetidas a violência doméstica, abuso sexual, homofobia, abandono, negligência, entre outros fatores.
O desejo de sair de uma condição de dominação e a ausência de garantias de direitos facilitam a crença em falsas promessas e formam a condição propícia para os aliciadores. Assim, o tráfico se concretiza com mais eficácia onde os sonhos e as esperanças são negados aos indivíduos, o que interfere diretamente em sua autoestima, dignidade e confiança no futuro.
Os aliciadores para esse crime, em geral, são pessoas nas quais a vítima confia ou passa a confiar pelo poder de sedução que possuem. Segundo dados de pesquisas, são homens ou mulheres de bom nível de escolaridade que se apresentam bem vestidos e são articulados, envolvendo as pessoas assediadas por meio de falas convincentes, aproveitando suas carências. Prometem possibilidades de trabalho, estudo e realização de sonhos que encantam as vítimas, e estas passam a acreditar na chance de melhorar de vida. Em geral, os criminosos se apresentam como empresários ou representantes de empresários, prometendo compensações financeiras e garantias de sucesso que a pessoa não teria na realidade em que vive.
É um problema social altamente complexo e caracteriza-se como violação dos direitos humanos. No Brasil, não há muita divulgação das ocorrências desse crime, mas ele acontece em uma intensidade bem maior do que podemos imaginar. Trata-se de prática ilícita silenciosa e invisibilizada, pouco divulgada na mídia, dando a aparência de ser um problema menor. No entanto, é uma atividade que se expandiu no século XXI, tendo se acentuado na pandemia de Covid-19, uma vez que esta corrói as poucas certezas e possibilidades vislumbradas pelos seres humanos, principalmente os mais carentes.
O enfrentamento desse crime no Brasil demanda pensar a profunda desigualdade que existe no país, principalmente em termos socioeconômicos, raciais e de gênero, bem como é necessária atuação coordenada das autoridades em todas as instâncias. A sociedade deve estar atenta e denunciar para que vidas e corpos não se tornem meras mercadorias.
A autora é socióloga, membro da diretoria da Associação Nacional de História - seção ES e doutoranda em História Social das Relações Políticas pela Ufes
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.