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É pastor, doutor em Ciências da Religião, professor e escritor

Evangélicos capixabas e o 7 de Setembro: defesa da democracia?

Obviamente, manifestar-se é direito constitucional. Mas não é de bom alvitre representantes da fé protestante usarem sua pastoralidade como ardil instrumento de manipulação

  • Kenner Terra É pastor, doutor em Ciências da Religião, professor e escritor
Publicado em 06/09/2021 às 14h00
Religião
Bíblia: onde há cerceamento das liberdades religiosas no Brasil? . Crédito: Reprodução/Internet

João 8.44 é conhecidíssimo dos leitores da Bíblia: “Vocês têm por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos do pai de vocês [...] porque é mentiroso, e pai da mentira”. No Quarto Evangelho, Jesus desnuda a hipócrita piedade de seus interlocutores judeus. Fingidos, os religiosos do primeiro século usavam de discursos aparentemente sensíveis à boa relação com a divindade para ocultarem seus verdadeiros interesses, típico de quem não tem o mínimo compromisso com a justiça e a verdade. Cristo, por isso, considera-os filhos do pai da mentira.

Por ser de fácil acesso, esse texto bíblico deveria, pelo menos em teoria, iluminar a consciência dos representantes da fé cristã, o que os pouparia de serem contados entre aqueles que se utilizam do expediente da falsificação. Parece-me, todavia, que alguns não leram essa parte da Escritura com o devido cuidado.

Prova disso é o vídeo de alguns líderes evangélicos da Grande Vitória em apoio às movimentações de 7 setembro. Há pelo menos dois equívocos (para não usarmos outra expressão) no conteúdo dessa convocação. Primeiro, este pequeno grupo não tem legitimidade para falar em nome dos líderes das igrejas do Estado, e muito menos dos evangélicos capixabas. Essa estratégia retoricamente falaciosa desrespeita os demais colegas que não autorizaram tal representatividade.

Outro grande engodo desse chamamento público – e devemos admitir que não é exclusividade da organização capixaba – é a enganosa afirmação de que irão às ruas para defenderem o Estado Democrático de Direito, as liberdades (religiosa e de expressão) e o fortalecimento do combate à corrupção.

Não há nada mais dissimulado do que proteger a democracia apoiando movimentações contrárias às próprias instituições democráticas. Qual a liberdade de expressão está sendo violada no Brasil? Será que estão se referindo à prisão de Roberto Jefferson (novo guerreiro bolsonarista e conhecido criminoso brasileiro) por usar sua liderança partidária e influência tentando motivar golpe, violência e destruição da democracia?

De que maneira estariam defendendo a Constituição se aceitam acriticamente o desejo autocrático do presidente que insiste no impeachment de um membro da Suprema Corte? Aliás, o pedido foi, sob a égide do Senado, instituição com atribuições legais, indeferido. Um republicano de verdade aceitaria o resultado.

Onde há cerceamento das liberdades religiosas no Brasil? Como podem falar em combate à corrupção se vão à Praça do Papa com o objetivo de blindar um presidente suspeito de diversas irregularidades cuja família é investigada por vários crimes? Obviamente, manifestar-se é direito constitucional. Mas não é de bom alvitre representantes da fé protestante usarem sua pastoralidade como ardil instrumento de manipulação.

Senhores, considerem o evangelho! Preservem a verdade entre vós. É muito simples, admitam, essa convocação significa apoio irrestrito e acrítico ao Presidente da República e suas manobras populistas e de autodefesa, as quais só conseguem convencer pessoas desligadas da realidade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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