Trump falou nesta quinta-feira (11), logo após o fim do julgamento:
“É muito surpreendente que isso tenha acontecido. É muito semelhante ao que tentaram fazer comigo”.
A fala ecoa de forma curiosa no Brasil, onde a democracia também foi testada nos últimos anos. Na Ciência Política, há uma teoria que explica essa pulsão de intervir em governos alheios: a Doutrina do Destino Manifesto. Surgida no século XIX, ela defendia a ideia de que os Estados Unidos eram guardiões da democracia e tinham a missão de levá-la a lugares onde não existia, além de protegê-la contra autocracias.
Traduzindo: uma crença na própria superioridade e em um poder divino que legitimaria a “evangelização” democrática pelo mundo.
Não vou entrar no mérito jurídico do julgamento de Bolsonaro, não sou jurista e falharia em tal proposta. Mas quero falar da democracia, sobretudo a nossa.
A democracia no Brasil é recente. Assim como uma criança precisa de cuidados, ela também precisa ser protegida. Poderíamos recuar à redemocratização, pós-ditadura, mas fiquemos apenas na última década.
Desde 2014, o país entrou em ebulição: a Lava Jato, um impeachment, uma pandemia devastadora, a eleição de um presidente de direita, um Congresso que flerta com o semipresidencialismo, um ex-presidente preso que retorna e vence as eleições, militares julgados por atos antidemocráticos… Em pouco mais de 10 anos, o Brasil viveu o equivalente há um século político. Nem Juscelino ousou tamanha audácia, no seu lema “50 anos em 5”.
O historiador e autor de “Sobre a Tirania: Vinte Lições do Século XX” Timothy Snyder lembra que democracia não se resume ao voto. É claro que o sufrágio universal é essencial, mas outro pilar central são as instituições. E cabe à sociedade compreendê-las e defendê-las. Não de forma cega, afinal, a liberdade de criticar e discordar também é parte da democracia. Mas críticas carregam consequências.
Bolsonaro é exemplo disso. Foi eleito legitimamente em 2018, governou, concorreu à reeleição em 2022 e perdeu. O caminho mais sensato seria se recolher, reorganizar suas forças e tentar novamente em 2026. Preferiu, no entanto, insuflar tumultos, desprezar as regras do jogo e flertar com o desmantelamento da própria estrutura que o elegeu. Ironia: a democracia que lhe garantiu poder é a mesma que hoje o pune.
Aqui está a lição de Snyder: quando instituições funcionam, elas protegem até mesmo de quem tenta destruí-las.
Diante disso, talvez a Doutrina do Destino Manifesto caiba de forma invertida. Se os EUA acreditam ter a missão de levar democracia ao mundo, talvez esteja na hora de a América Latina devolver a gentileza e ensinar à “outra América”, a do Norte, que democracia se faz com instituições fortes e respeito às regras.
Será a vez de a América Latina levar democracia para a outra América, a do Norte?
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