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É cientista política, jornalista e especialista em Comunicação e Marketing Digital

EUA, vocês aceitam um bocado de democracia?

Será a vez de a América Latina levar democracia para a outra América, a do Norte?

  • Nadine Silva Alves É cientista política, jornalista e especialista em Comunicação e Marketing Digital
Publicado em 13/09/2025 às 10h00

Trump falou nesta quinta-feira  (11), logo após o fim do julgamento:

“É muito surpreendente que isso tenha acontecido. É muito semelhante ao que tentaram fazer comigo”.

A fala ecoa de forma curiosa no Brasil, onde a democracia também foi testada nos últimos anos. Na Ciência Política, há uma teoria que explica essa pulsão de intervir em governos alheios: a Doutrina do Destino Manifesto. Surgida no século XIX, ela defendia a ideia de que os Estados Unidos eram guardiões da democracia e tinham a missão de levá-la a lugares onde não existia, além de protegê-la contra autocracias.

Traduzindo: uma crença na própria superioridade e em um poder divino que legitimaria a “evangelização” democrática pelo mundo.

Não vou entrar no mérito jurídico do julgamento de Bolsonaro, não sou jurista e falharia em tal proposta. Mas quero falar da democracia, sobretudo a nossa.

A democracia no Brasil é recente. Assim como uma criança precisa de cuidados, ela também precisa ser protegida. Poderíamos recuar à redemocratização, pós-ditadura, mas fiquemos apenas na última década.

Desde 2014, o país entrou em ebulição: a Lava Jato, um impeachment, uma pandemia devastadora, a eleição de um presidente de direita, um Congresso que flerta com o semipresidencialismo, um ex-presidente preso que retorna e vence as eleições, militares julgados por atos antidemocráticos… Em pouco mais de 10 anos, o Brasil viveu o equivalente há um século político. Nem Juscelino ousou tamanha audácia, no seu lema “50 anos em 5”.

O historiador e autor de “Sobre a Tirania: Vinte Lições do Século XX” Timothy Snyder lembra que democracia não se resume ao voto. É claro que o sufrágio universal é essencial, mas outro pilar central são as instituições. E cabe à sociedade compreendê-las e defendê-las. Não de forma cega, afinal, a liberdade de criticar e discordar também é parte da democracia. Mas críticas carregam consequências.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, em agenda na Casa Branca em julho de 2025
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, em agenda na Casa Branca em julho de 2025. Crédito: Leah Millis/ Reuters

Bolsonaro é exemplo disso. Foi eleito legitimamente em 2018, governou, concorreu à reeleição em 2022 e perdeu. O caminho mais sensato seria se recolher, reorganizar suas forças e tentar novamente em 2026. Preferiu, no entanto, insuflar tumultos, desprezar as regras do jogo e flertar com o desmantelamento da própria estrutura que o elegeu. Ironia: a democracia que lhe garantiu poder é a mesma que hoje o pune.

Aqui está a lição de Snyder: quando instituições funcionam, elas protegem até mesmo de quem tenta destruí-las.

Diante disso, talvez a Doutrina do Destino Manifesto caiba de forma invertida. Se os EUA acreditam ter a missão de levar democracia ao mundo, talvez esteja na hora de a América Latina devolver a gentileza e ensinar à “outra América”, a do Norte, que democracia se faz com instituições fortes e respeito às regras.

Será a vez de a América Latina levar democracia para a outra América, a do Norte?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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