Autor(a) Convidado(a)
É advogado, especialista em Direito Empresarial, Imobiliário e Tributário. Sócio do escritório Motta Leal & Advogados Associados

Entenda por que a renúncia antecipada à herança não é possível no Brasil

Por outro lado, o ordenamento jurídico permite a “deserdação”, ou seja, a exclusão de um herdeiro da sucessão por ato do testador, em casos específicos previstos em lei

  • Luiz Alberto Musso Leal Neto É advogado, especialista em Direito Empresarial, Imobiliário e Tributário. Sócio do escritório Motta Leal & Advogados Associados
Publicado em 24/03/2024 às 10h00

O Direito das Sucessões, parte essencial do Direito Civil, rege a transmissão de bens, direitos e obrigações após a morte de uma pessoa.

Em relação à renúncia antecipada da herança, ou seja, quando o titular dos bens ainda se encontra vivo, o Código Civil Brasileiro adota a regra proveniente do Direito Romano, do “pacto corvina”, ou seja, assim como os corvos que sobrevoam a carniça, uma pessoa que pactue esse tipo de contrato estaria almejando o falecimento de outra apenas para se apossar dos bens desta. Por esse motivo, o Art. 426 estabelece que "não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva".

Logo, só é possível renunciar à herança após o falecimento do titular dos bens. Para vedar a renúncia antes do falecimento, a doutrina elenca majoritariamente três principais argumentos: a proibição de espécie moral, diante da possibilidade de se especular sobre a morte do autor da herança; o caráter irrevogável da renúncia; e a contratação de objeto inexistente.

O argumento moral, ao nosso sentir, encontra-se defasado da atual realidade social. Ao vedar a contratação de herança de pessoa viva, a legislação civil procura atender ao princípio constitucional da proteção da família, bem como o da dignidade da pessoa humana, evitando, em tese, que o beneficiário de eventual contratação da herança antecipada atente contra a vida do autor da herança.

Contudo, como dito, ao renunciar à herança, o renunciante abre mão de qualquer benefício que poderia ter com o falecimento do autor da herança. Ao contrário do pacto corvina, a renúncia à herança não deve despertar qualquer desejo de morte do autor da herança quando, do contrário, por ser irrevogável e irretratável, deve estar em acordo com um projeto de vida e de planejamento familiar.

No que se refere ao objeto inexistente, a renúncia não envolve a contratação de nenhuma parte do patrimônio da herança, uma vez que se renunciaria, na verdade, à condição de herdeiro.

Logo, ao passo em que a Constituição Federal assegura direitos fundamentais como a liberdade e a propriedade, deveria o Código Civil estar em sintonia também neste aspecto, assegurando a liberdade de renunciar à condição de herdeiro de determinada pessoa, sem restrições que não se justifiquem por um interesse público relevante, diante, sobretudo, da nossa atual realidade social.

Contrastando com a impossibilidade legal de renúncia antecipada à condição de herdeiro, a mesma legislação permite, por exemplo, como vem sendo decidido pelos Tribunais Superiores, que um cônjuge ou companheiro renuncie à condição de herdeiro do outro, quando optarem pelo regime de separação de bens. Essa discrepância sinaliza uma incongruência na legislação, na qual a autonomia individual é respeitada em um cenário, mas limitada em outro similar.

Por outro lado, o ordenamento jurídico permite a “deserdação”, ou seja, a exclusão de um herdeiro da sucessão por ato do testador, em casos específicos previstos em lei. Essa possibilidade reforça o argumento de que o Direito Civil reconhece a autonomia privada em relação ao patrimônio, mas de maneira seletiva, pois que o titular dos bens pode tratar sobre a condição de uma pessoa enquanto herdeiro; mas não admite que o herdeiro renuncie à sua própria condição.

Por que a transmissão de herança ainda é tão pouco discutida?
Transmissão de herança. Crédito: Freepik

Em diversos países europeus a renúncia antecipada à herança é autorizada pela legislação, como é o caso da Alemanha (BGB, § 1941) e da Suíça (Código Civil Suíço, art. 468).

Portanto, a renúncia antecipada à condição de herdeiro é um direito que deve passar a ser plenamente assegurado pela legislação, em consonância com os princípios de liberdade e autonomia individual. As limitações impostas pelo Código Civil parecem, sob essa ótica, desatualizadas e desalinhadas com a lógica que permeia outros aspectos do Direito Civil, gerando uma inconsistência que merece revisão.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Direito Justiça Herança Constituição Federal

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.