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Enem no pico da pandemia é a prova de que vivemos uma distopia

Estudantes sentem-se pressionados pelo vestibular, com problemas de saúde mental e com medo de contaminação. Resta-lhes escolher entre o Enem ou a saúde dos seus familiares

  • Andressa Pellanda
Publicado em 15/01/2021 às 14h34
Candidata chega para as provas do Enem, em escola do Rio de Janeiro
Candidata chega para as provas do Enem, em escola do Rio de Janeiro. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Alas inteiras de pessoas falaceram asfixiadas por falta de oxigênio em Manaus. Alta de 23% de casos de Covid-19 em janeiro de 2021, bem maior que a media mundial, com 11%. 5,8 milhões de estudantes inscritos para o Enem. Ação Civil da Defensoria Pública da União apoiada na ação por entidades estudantis, de defesa de direitos humanos e da educação como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação com pedidos repetidos de adiamento da prova negados pela justiça. Se essa imagem não remete ao pior de filmes e séries distópicas, você precisa assistir mais esse gênero ou ler mais sobre nossa realidade. Vivemos no Brasil em 2021 uma realidade que beira a distopia.

Esse Enem acontece em um momento muito complexo. Vivemos um processo amplo de exclusão escolar e de aprofundamento das desigualdades educacionais. Elas já existiam, vinham sendo aprofundadas pela falta estrutural de financiamento da educação agravada pelas políticas de austeridade econômicas e sofreram um recrudescimento com a pandemia.

O motivo: a construção de políticas emergenciais descoladas da realidade dos estudantes, sem dar condições de acesso, permanência e qualidade para todos com equidade. O Enem será um reflexo dessa exclusão e marginalização dos grupos em maior situação de vulnerabilidade.

Para além da desigualdade educacional, a realização do Enem neste final de janeiro coincide com a segunda onda da pandemia e com o impacto das aglomerações e contaminações das "festas de final de ano". Ou seja, no momento de pico, em que diversas cidades não têm mais leitos de UTI, cilindros de oxigênio, caixões, covas - como é o caso de Manaus, por exemplo -, opta-se por ignorar todo o cenário de saúde pública e realizar uma prova para cerca de 5,8 milhões de estudantes.

São 5 horas e meia de prova dentro das salas. Muitos são jovens e assintomáticos, sequer medir temperatura é eficaz. Do local de prova para fora, transporte público lotado, aglomerações, hospedagens recebendo estudantes de outras cidades... Cenário descabido em momento que pede fechamento total e quarentena.

Ainda, estudantes sentem-se pressionados pelo vestibular, com problemas de saúde mental e com medo de contaminação. Resta-lhes escolher entre fazer o Enem ou a saúde dos seus. Não há protocolo de segurança que dê conta da calamidade que vivemos.

Defendemos o adiamento - para não agravar a pandemia - e a instauração de uma comissão intersetorial para pensar em caminhos de fato viáveis, garantidores de acesso e inclusivos. Os direitos humanos são indivisíveis e não podem competir entre si. As decisões profundamente equivocadas deixam escolha entre direito à educação e à saúde. Isso não pode continuar. Precisamos da ação e das vozes de toda nossa população. E o momento é agora.

A autora é  coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. É doutoranda em Relações Internacionais (IRI/USP),  pós-graduada em Ciência Política (FESP/SP) e bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo (ECA/USP)

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