A recente revogação de uma instrução normativa de um órgão de fiscalização tributária, que previa o monitoramento de movimentações via Pix acima de R$ 5 mil, gerou interpretações duvidosas e até pânico. Um vídeo divulgado por um deputado federal com afirmações imprecisas misturou conceitos como Pix, imposto de renda e sigilo bancário, confundindo a população, o que gerou um compartilhamento em massa.
Na opinião do subscritor, esse tipo de abordagem poderia configurar um atentado contra a economia popular, conforme o artigo 2º da Lei nº 1.521/1951, ao gerar desconfiança nas instituições e desinformar sobre sua função, além de produzir reflexos econômicos prejudiciais no dia a dia do brasileiro, daquele que rala para colocar comida na mesa e pagar suas contas.
É importante destacar que a fiscalização proposta não violava o sigilo bancário. Não, de jeito nenhum! Pois já é protegido pela Lei Complementar nº 105/2001, que exige ordem judicial para acessar dados detalhados de contas e a vida financeira do cidadão. Isso, sim, é privacidade. A norma previa apenas o monitoramento de movimentações financeiras incompatíveis com a realidade do contribuinte, acredito eu.
Na prática, tal monitoramento já está consolidado por outros meios, sem revelar dados sensíveis sobre a origem ou o destino do dinheiro, por exemplo. Pensar que isso compromete direitos seria como dizer que blitz da Polícia Militar fere o direito de ir e vir e que, portanto, não poderiam existir. Seria um absurdo, não acha? Assim como a polícia tem o papel de manter a ordem pública, os órgãos de fiscalização tributária devem manter tal “ordem pública” por meio do efetivo monitoramento de movimentações financeiras para combater crimes como sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Ou você advoga que não deveriam?
A fiscalização tributária é indispensável e integra medidas previstas em leis como a nº 9.613/1998, que determina a comunicação de operações suspeitas ao Coaf, e a Lei Complementar nº 105/2001. Assim como a Polícia Civil investiga delitos e os Tribunais de Contas monitoram a gestão pública, os órgãos responsáveis pela arrecadação tributária precisam de mecanismos eficazes para rastrear grandes transações.
O crescimento do uso do Pix exige que ele seja incorporado às ferramentas de fiscalização para evitar que criminosos de plantão explorem sua agilidade para movimentar recursos ilícitos.
A disseminação de informações incorretas, imprecisas e de “meias verdades” sobre essa norma afeta diretamente a confiança no sistema financeiro e prejudica o combate a crimes econômicos, sem falar, como já dito, no prejuízo ao trabalhador e ao empresariado da ponta. Aquele que você vê todo dia, quando compra um pão ou toma uma cerveja na praia.
Dados da OCDE mostram que apenas 11% dos brasileiros conseguem identificar notícias falsas, o que explica a força de discursos que deturpam os fatos e desviam a atenção da importância da fiscalização. Como aponta Michel Foucault em "A Ordem do Discurso", o poder do discurso não está apenas no que é dito, mas no efeito que produz.
Nesse sentido, cabe recordar a frase atribuída a Otto von Bismarck: “Se as pessoas soubessem como as salsichas são feitas, não dormiriam em paz.” A analogia é perfeita para destacar como informações desvirtuadas, quando consumidas, podem enfraquecer instituições e comprometer a ordem econômica, sem falar na paz de espírito do contribuinte.
Os órgãos de fiscalização tributária não têm como alvo o trabalhador e suas pequenas economias. Aquele que rala para pagar suas contas e é honesto em suas práticas financeiras no dia a dia da luta, mas sim grandes movimentações que indicam crimes financeiros, como previsto na Lei nº 12.850/2013, que regula o combate ao crime organizado.
Assim como não seria razoável pedir que a polícia deixe de fiscalizar ou que os Tribunais de Contas ignorem fraudes, não faz sentido deslegitimar a função desses órgãos na preservação da ordem econômica.
Discutir a reforma tributária para corrigir desigualdades é essencial – ou você acha que eu adoro pagar quase 30% de IR sobre meu salário? –, mas isso não significa abrir mão da fiscalização, que garante que todos sigam as mesmas regras. Desinformar sobre o papel das instituições só favorece quem busca explorar brechas legais e prejudica toda a sociedade. Debates sobre temas tão relevantes precisam ser baseados em fatos e análises consistentes, sem espaço para confusão ou manipulação.
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