A elevação prolongada das taxas de juros e a maior seletividade dos mercados de crédito no país têm colocado em xeque a sustentabilidade financeira de pequenas e médias empresas do agronegócio e de inúmeros produtores rurais pessoas físicas. Em meio à pressão por liquidez, muitos recorrem a modalidades de crédito menos vantajosas, com garantias mais rígidas e custos superiores, que, no médio prazo, aumentam o risco de insolvência.
Os indicadores mais recentes confirmam essa tendência preocupante: segundo o monitoramento da Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial no agronegócio cresceram 32% no segundo trimestre de 2025, em relação ao mesmo período do ano passado, sinalizando que o aperto financeiro já se traduz em busca de soluções judiciais para evitar a falência de empresas e a insolvência de produtores rurais. Este cenário exige respostas coordenadas entre operadores do direito, instituições financeiras e poder público.
Do ponto de vista macroeconômico, a elevação da taxa básica de juros encarece o custo de custeio, amplia encargos sobre operações e reduz o apetite por risco dos credores. Esse movimento impacta diretamente linhas de crédito agrícola e instrumentos de mercado que vinham sendo utilizados para financiar insumos, armazenagem e comercialização. O resultado prático é um aperto de liquidez para produtores.
No plano jurídico, duas frentes de intervenção concentram maior relevância: o uso de mecanismos de recuperação, em especial a recuperação judicial empresarial, quando estritamente necessários e bem planejados; e a revisão contratual e ações revisoriais para questionar encargos e cláusulas que se mostrem abusivas ou desproporcionais diante de fatos supervenientes.
A recuperação judicial, quando bem conduzida, é um instrumento pragmático para preservar postos de trabalho, ativos produtivos e a cadeia de fornecedores. Já a revisão contratual atua como remédio contra desequilíbrios que oneram de modo indevido o devedor. Em ambos os casos, é imprescindível o diagnóstico econômico-tributário, um plano de recuperação factível e interlocução sincera com credores.
É preciso, porém, evitar soluções improvisadas. Algumas práticas recorrentes, como substituição de crédito por instrumentos de liquidez de curto prazo com juros elevados, concessão de garantias excessivas em ciclos de safra ou venda antecipada da produção a condições deterioradas, podem postergar o problema e agravar a insolvência. A atuação preventiva pode reduzir o risco de erros estratégicos no momento de renegociação.
Além das medidas judiciais e contratuais, existe papel relevante do setor público para mitigar o choque. Linhas de crédito público-subsidiadas compatíveis com o custo real de produção, maior disponibilidade de instrumentos de garantia e políticas de seguro rural aprimoradas atenuariam o impacto da alta de juros e evitariam contágios sistêmicos.
O Plano Safra 2025/2026 trouxe recursos recordes e medidas de apoio que ajudam, mas o aumento das taxas tem elevado o custo efetivo do crédito, exigindo ajustes mais calibrados para pequenos e médios empreendimentos rurais. Políticas que privilegiem prazos compatíveis com ciclos produtivos e mecanismos de renegociação simplificada para débitos rurais podem reduzir a necessidade de litígios longos e dispendiosos.
Do ponto de vista prático, é interessante que produtores e empresas do agro observem as seguintes providências: promover inventário completo de passivos e fluxos de caixa, com projeções por safra; buscar renegociação com credores como primeira alternativa, apresentando plano de viabilidade econômico-financeira; avaliar, com assessoria especializada, a viabilidade de pedido de recuperação judicial como instrumento de preservação da atividade; examinar contratos para eventual propositura de ações revisionais em casos de encargos manifestamente abusivos; e priorizar negociações que preservem a produção (armazéns, alterações de garantias não prejudiciais ao giro da safra) e evitar alienações precipitadas de ativos estratégicos.
É papel do setor jurídico não apenas litigar, mas estruturar soluções integradas que retornem previsibilidade e confiança ao mercado de crédito rural. A combinação de atuação preventiva, por meio de planejamento jurídico e financeiro, com políticas públicas direcionadas ao segmento pode fazer a diferença entre uma recuperação ordenada e a perda definitiva de empreendimentos produtivos que representam o coração de cadeias produtivas e regiões inteiras do país.
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O agronegócio brasileiro tem historicamente sido um pilar de nossa economia. Proteger sua base empresarial e produtiva exige, no presente momento, respostas jurídicas sofisticadas, diálogo com o sistema financeiro e políticas públicas que reconheçam a especificidade do ciclo agropecuário. Só assim será possível preservar produção, renda e empregos, e evitar que o custo do crédito se converta em custo social e econômico insustentável.
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