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Corrupção: com coragem, vulnerabilidade ética pode ser superada no Brasil

A busca por integridade não se mede por ganhar ou perder, ela é dinâmica. Ela é medida pela coragem de persistir na construção de uma cultura ética, em um cenário de riscos e incertezas

  • Juliana Justo B. Castello
Publicado em 03/02/2020 às 14h42
Efeito dominó interrompido, como a corrupção pode ser. Crédito: Pixabay
Efeito dominó interrompido, como a corrupção pode ser. Crédito: Pixabay

O índice de percepção da corrupção (IPC) é um dos principais parâmetros sobre a percepção da corrupção em 180 países no mundo, incluindo o Brasil. Organizado pela Transparência Internacional, o relatório revelou recentemente os resultados do ano de 2019, noticiando que o Brasil ocupa o pior patamar na série histórica.

A escala do IPC varia de 0 a 100, no qual 0 indica a percepção do país como altamente corrupto e 100 indica a percepção do país como muito íntegro. A nota brasileira – 35 pontos – equivale ao índice mais baixo desde 2012, ano justamente em que se passou a avaliar a série histórica. O prognóstico, por certo, não é bom.

O relatório reporta, ainda, as razões daquela percepção: 2019 foi o ano de resistências e de reveses ao combate à corrupção, solapando ferramentas essenciais à integridade e à anticorrupção.

O aumento de interferência política nos órgãos de controle, substituições controvertidas de detentores de cargos na Polícia Federal e na Receita Federal, nomeação de um Procurador-Geral da República fora da lista tríplice, aprovação de leis contrárias a práticas internacionais de combate à corrupção (à exemplo da lei de abuso de autoridade), o deferimento da liminar pelo Presidente do STF (que paralisou virtualmente o sistema de combate à lavagem de dinheiro ao proibir a Unidade de Inteligência Financeira e ao COAF de compartilhar relatórios de inteligência de transações financeiras suspeitas por quase meio ano) são alguns dos fatos indicados no relatório que colaboraram para a maior percepção de corrupção.

Já no seu início, o relatório registra, em caixa alta e em inglês, como resultado de 2019: “Instead of progress, resistance. Instead of reforms, setbacks.”, isso quer dizer, em tradução nossa, “em vez de progresso, resistência. Em vez de reformas, reveses”.

É uma frase que causa desconforto, eu sei! Mas, não venho discutir os resultados alcançados pela Transparência Internacional. Reconheço – com certo constrangimento – que ainda não chegamos a uma cultura de integridade. Somos e estamos em um país vulnerável eticamente. Negar ou questionar essa vulnerabilidade é, por certo, um retrocesso e revelaria a perda de um grato insight.

O gatilho para esse insight é que o relatório, ao revelar a vulnerabilidade ética brasileira, revelou, com ela, também a coragem de transformação institucional.

Por isso, proponho aqui uma reflexão e uma releitura da frase antes citada: onde está escrito “em vez de progresso, resistência. Em vez de reformas, reveses” leia-se assim “se há resistência, é porque houve luta; se há reveses, é porque houve êxitos”. Porque assim como a resistência caminha ao lado da luta e os reveses caminham ao lado dos êxitos, nossa vulnerabilidade ética segue nossa coragem.

CANAL DE DENÚNCIAS DE CORRUPÇÃO

Veja que, ao lado da vulnerabilidade, houve também coragem: a Controladoria Geral da União fomentou a criação de um canal de denúncias de corrupção e aconselhamento ético com a plataforma FALA.BR, aprimorou-se a proteção dos denunciantes (os chamados whistleblowers), houve a contratação de mais de 1200 agentes da Policia Federal, houve a criação de unidades especializadas de anticorrupção nos Estados e, apesar de meses de incerteza, o STF autorizou o compartilhamento de informações do COAF e UIF seguindo padrões internacionais.

Por fim, de forma corajosa, o STF suspendeu, por prazo indeterminado, medidas duvidosas do pacote anticrime.

Vulnerabilidade e coragem são sinônimas. Pode-se dizer que a vulnerabilidade é a medida mais precisa da coragem. A frase não é minha. É de Brené Brown. Apesar de a autora ser best-seller há anos, seu nome voltou à mídia graças à Netflix, que apresentou sua palestra sobre o poder da vulnerabilidade e o chamado à coragem.

Por certo, essa pesquisadora não falava de vulnerabilidade ética ou organizacional. Mas a analogia vale! Vulnerabilidade é, para a autora, o enfrentamento de incertezas e riscos, sem que haja controle sobre os resultados. O mesmo raciocínio aplica-se quando buscamos sistemas de integridade e de combate à corrupção.

A busca por integridade não se mede por ganhar ou perder, mas ela é dinâmica. Ela é medida pela coragem de persistir na construção de uma cultura ética, em um cenário de riscos e incertezas (vulnerabilidade), mesmo que não possamos controlar os resultados, simplesmente porque essa é a coisa certa a ser feita!

O ano de 2019 foi ano de resistência à integridade. Foi sim. O ano de 2019 foi um ano de vulnerabilidade. Foi sim. O ano de 2019 foi também ano de luta e coragem. Foi sim. Afinal, quando se trata de buscar a integridade e combater a corrupção, ninguém disse que seria fácil, não é mesmo? Exige-se coragem.

A autora é professora da FDV, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, doutora em Processo Civil.

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