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É doutorando em Geografia pela Unicamp, mestre em Geografia, autor de oito livros e especialista em "Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade"

A tragédia com Marília Mendonça e o papel do artista popular no capitalismo

Figuras de grande apelo popular, como era a cantora, devem cumprir agendas de shows surreais, que podem chegar a exaustivas vinte apresentações mensais

  • Francisco Fernandes Ladeira É doutorando em Geografia pela Unicamp, mestre em Geografia, autor de oito livros e especialista em "Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade"
Publicado em 09/11/2021 às 02h00
Data: 20/12/2016 - Marília Mendonça, cantora sertaneja - Editoria: Cidade - Foto: - NA
Marília Mendonça morreu no dia 5 de novembro, vítima de um acidente aéreo. Crédito: Divulgação

Nos últimos dias, o trágico acidente envolvendo o avião onde estavam a cantora Marília Mendonça e mais quatro pessoas tem sido, sem sombra de dúvidas, o assunto mais comentado país afora. Mesmo quem não conhecia a artista e sua obra (como é o meu caso) não conseguiu ficar indiferente ao ocorrido.

Muito se falou que Marília Mendonça representava um novo tipo de empoderamento das mulheres - o chamado "feminejo". Já outros pontos de vista consideraram exagerada a comoção nacional pela morte da cantora, haja vista que a grande maioria da população não a conhecia pessoalmente.

No entanto, uma questão que passou despercebida de muitos e, a meu ver, é central para se entender não só a tragédia com Marília Mendonça, mas também casos similares, diz respeito ao papel desempenhado por músicos populares no capitalismo.

Como já nos ensinou o velho Marx, no sistema econômico no qual vivemos (ou somos obrigados a viver!), todas as instâncias da sociedade são passíveis de serem transformadas em mercadoria, ou seja, de gerar lucro.

Recorrendo ao pensamento dos intelectuais frankfurtianos Adorno e Horkheimer, desde o advento da chamada "indústria cultural", na longínqua década de 1940, houve a padronização e a transformação de obras culturais (como músicas) em produtos ou mercadorias, descaracterizando assim seu propósito de reflexão. Isso significa fazer arte em escala industrial (no caso de Marília Mendonça, shows).

Nos tempos atuais - designados por Bauman como "modernidade líquida" - nada é feito para durar. Músicas, aparelhos eletrônicos, modismos (e até relacionamentos) têm "prazos de validade" cada vez mais curtos; "vida útil" cada vez mais breve. Portanto, se na época de Adorno e Horkheimer já se questionavam as apresentações musicais em escala industrial, imagine hoje? Figuras de grande apelo popular, como era Marília Mendonça, devem cumprir agendas de shows surreais, que podem chegar a exaustivas vinte apresentações mensais. Não por acaso, os assessores da cantora sertaneja se orgulhavam de enfatizar que ela tinha "a agenda mais concorrida do mercado".

Com o sucesso musical efêmero, é preciso sugar o máximo lucro da produção de um músico em um tempo mínimo. Sendo impossível cumprir todos os compromissos profissionais utilizando aviões de carreira (mais seguros), cantores como Marília Mendonça precisam, inevitavelmente, recorrer a aeronaves particulares - em geral, de menor porte - e que estão envolvidas na maior parte dos incidentes ou acidentes de aviação no Brasil.

Na mesma situação de Marília Mendonça, esses foram os tristes destinos dos integrantes da banda Mamonas Assassinas e do cantor Gabriel Diniz. Há seis anos, o sertanejo Cristiano Araújo não morreu em acidente aéreo, mas de automóvel, também por causa da agenda exaustiva de shows.

Por trás da vida (aparentemente) glamourosa de nomes conhecidos do grande público, há uma velada exploração em busca de lucros cada vez maiores, espécies de "máquinas de produzir dinheiro", que não respeitam os limites humanos. Alguns artistas desenvolvem transtornos psicológicos; outros, como Marília Mendonça, infelizmente pagam com a vida.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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