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É juíza de Direito da 4ª Vara Criminal de Vitória, membra substituta do TRE/ES, especialista em Direito Constitucional pela Ufes e mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV

A importância da aplicação da perspectiva de gênero no Judiciário

Esse guia de julgamentos tem aptidão para auxiliar juízes a tomar consciência de certos estereótipos, identificá-los em casos concretos e refletir sobre potenciais prejuízos que possam causar à mulher envolvida no processo

  • Gisele Souza de Oliveira É juíza de Direito da 4ª Vara Criminal de Vitória, membra substituta do TRE/ES, especialista em Direito Constitucional pela Ufes e mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV
Publicado em 12/07/2023 às 16h44

A Constituição Brasileira é altamente comprometida com a igualdade, prevendo como objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (artigo 3º, IV), além de estabelecer o direito fundamental ao tratamento igualitário de todos perante a lei (artigo 5º, caput) e à igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres (artigo 5º, inciso I).

Não obstante, o Brasil ainda ostenta um grave e massivo quadro de desigualdade de gênero que perpassa distintos contextos. Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública por meio do Instituto Datafolha revelou que todas as formas de violência contra a mulher cresceram no período recente e que só no ano de 2022 mais de 18 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência.

Podemos mencionar, ainda, o contexto de sub-representação feminina na política, com as mulheres ocupando apenas 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados na atual legislatura, mesmo alcançando o patamar de 52% do eleitorado brasileiro e as conhecidas desigualdades salariais mesmo quando as mulheres desenvolvem as mesmas funções que os homens, bem como as dificuldades para alcançar espaços de poder nas instituições públicas e privadas, entre outros.

Essas desigualdades são fruto de hierarquias sociais estruturais que moldam comportamentos públicos e privados, como decorrência de um sistema que mantém as mulheres em uma situação de subordinação em relação aos homens, denominado patriarcado.

O direito exerce um papel extremamente relevante neste aspecto, podendo contribuir para a perpetuação desse esquema iníquo de subordinações ou, se interpretado pela ótica da igualdade substancial, tornar-se um instrumento de emancipação social e justiça para as mulheres.

Nesse contexto, desponta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), concebido com o objetivo de orientar a magistratura brasileira no julgamento de casos concretos nos diversos ramos da Justiça brasileira por meio da “lente de gênero”.

Destaca-se que o referido documento foi elaborado com forte embasamento no Direito Internacional dos Direitos Humanos, com destaque para a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher – Convenção de Belém do Pará, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, além da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Márcia Barbosa de Souza e outros vs Brasil.

O instrumento está inserido, ainda, nos compromissos que o Brasil fez com a Agenda 2030 da ONU, que é um plano global para atingirmos em 2030 um mundo melhor para todos os povos e nações, em especial com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 – “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.”

Esse guia de julgamentos tem aptidão para auxiliar a magistratura a tomar consciência de certos estereótipos, identificá-los em casos concretos, refletir sobre potenciais prejuízos que possam causar à mulher envolvida no processo e, finalmente, incorporar essas considerações em sua decisão.

Os estereótipos são pré-compreensões generalizadas sobre características de membros ou grupos na sociedade e muitos deles são frutos das desigualdades e, caso não refletidos, podem perpetuá-las.

Justiça, crime, lei
Justiça. Crédito: Pixabay

Indispensável considerar que as desigualdades de gênero não operam da mesma maneira para todas as mulheres e que outros fatores sociais como raça, classe, escolaridade, origem, etnia, deficiência, idade, identidade de gênero e sexualidade podem agravar o cenário de exclusão da mulher. Por isso, o protocolo inseriu o conceito de interseccionalidade ou de discriminação múltipla ou agravada, que deve ser observado pelas juízas e juízes brasileiros.

Assim, podemos concluir que o nosso projeto constitucional ainda é a melhor aposta que a sociedade brasileira pode fazer na direção de uma transformação social no sentido da igualdade substancial entre mulheres e homens, e o Protocolo Para Julgamento com Perspectiva de Gênero revela-se um importante instrumento para a consecução desse objetivo. Nesse sentido, inestimável foi a contribuição do Conselho Nacional de Justiça, enquanto instituição que visa aperfeiçoar o trabalho do Judiciário Brasileiro.

Para que alcance os seus objetivos será necessário que os tribunais brasileiros invistam na capacitação permanente da magistratura a fim de consolidar a aplicação desse importante instrumento para o aperfeiçoamento da Justiça.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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