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É economista, mestre em Economia Aplicada pela UFRS e doutora em Economia pela FGV-SP, gerente-executiva do Observatório da Indústria da Findes e economista-chefe da Federação

A caminho do topo, a busca é pela liberdade

Sem quaisquer medidas de reparação, contando apenas com a própria resiliência, a população preta, aqui compreendida pelos pretos e pardos, chega ao 20 de novembro de 2022 acumulando um sem fim de vitórias individuais

  • Marília Silva É economista, mestre em Economia Aplicada pela UFRS e doutora em Economia pela FGV-SP, gerente-executiva do Observatório da Indústria da Findes e economista-chefe da Federação
Publicado em 20/11/2022 às 05h00

Por 388 anos, a estrutura econômica brasileira teve como alicerce o regime de escravidão. Os trabalhadores escravizados, indígenas ou negros, constituíram por quase quatro séculos o único meio de geração e acumulação de riqueza no país. Sem quaisquer medidas de reparação, contando apenas com a própria resiliência, a população preta, aqui compreendida pelos pretos e pardos, chega ao 20 de novembro de 2022 acumulando um sem fim de vitórias individuais, mas ainda com um longo caminho coletivo a seguir.

Marta, Pelé, Daiane dos Santos, Rebeca, Emicida, Sueli Carneiro, Silvio de Almeida, Elisa Lucinda, Dona Ivone Lara, Neguinho da Beija-flor, Conceição Evaristo, Maria Verônica da Pas, Taís Araújo, Lázaro Ramos, Iza, Mano Brown, Maju, Gloria Maria, Seu Jorge, Liniker, Marias, Josés, Pedros, Antônias... São todos pretos num topo sem pretos!

Brasil, de acordo com dados do IBGE, possuía, em 2021, 89 milhões de pessoas ocupadas, das quais apenas 45%, menos da metade, eram de pessoas brancas. Já nos cargos gerenciais, entre os 3,2 milhões de trabalhadores, 69% eram brancos e 30% pretos e pardos.

Olhando para o salário da população com trabalho, formal ou informal, no ano de 2021, entre os 10% com maior remuneração, havia apenas 31% de trabalhadores pretos ou pardos, mas entre os 10% com menor remuneração, esse percentual crescia para 81%. Sozinhos esses dados já revelam a solidão dos pretos no topo. Mas eles ganham contornos mais preocupantes quando observamos que a remuneração média do trabalhador negro equivalia, em 2021, a 58% da remuneração média do trabalhador branco.

Adicionando a camada de gênero à análise, os dados revelam que a remuneração das mulheres brasileiras ocupadas no ano de 2021 equivalia a algo entre 77% e 80% da remuneração auferida pelos homens. Essa proporção se repetia tanto quando se comparavam homens brancos com mulheres brancas, como homens pretos com mulheres pretas ou apenas homens com mulheres, independentemente da cor. A remuneração média do homem preto, por sua vez, representava 57% da remuneração média do homem branco, e a remuneração da mulher negra, apenas 46% da do homem branco.

Esse mesmo exercício tendo como base a mulher branca revela que a remuneração média dos homens pretos equivalia a 74% da remuneração média das mulheres brancas, enquanto para as mulheres pretas esse percentual era de 59% em 2021.

São muitos os motivos que explicam a desigualdade de remuneração no mercado de trabalho entre brancos e pretos e a solidão dos pretos que chegaram no topo, mas a meritocracia não é um deles. Individualmente somos responsáveis por nossos progressos, mas o progresso, por sua vez, é determinado pelas oportunidades oferecidas durante a trajetória de cada um de nós.

Uma população que foi violentada, arrancada de sua terra natal e considerada uma propriedade por mais de três séculos, que cruzou a eugenia como política pública, que já foi proibida de possuir bens imóveis, que já foi proibida de frequentar a escola, que já teve que lidar com a Lei da vadiagem (talvez lide até hoje), que já foi dispensada de oportunidades de trabalho porque a Lei previa dispensa no caso de “um defeito de cor”.

Uma população que, costumeiramente, é marcada pela dor, tem no dia 20 de novembro um marco para celebrar suas potências, suas vitórias, seus heróis, representados nessa data por Zumbi dos Palmares, líder quilombola e símbolo de luta, união e resistência, mas que poderia ter como símbolo tantos outros heróis que a história não conta. Dragão do Mar, Carolina Maria de Jesus, Luís Gama, Dandara, Teresa de Bengela, Zacimba Gaba, Tia Ciata, entre tantos outros anônimos ou conhecidos, ao longo de séculos vêm pavimentando o caminho para que possamos chegar todos juntos não ao topo, porque não é preciso ter uma base, mas para que juntos alcancemos a liberdade que só a equidade, a inclusão e a igualdade podem proporcionar.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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