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É mulher negra, militante do Movimento Negro Unificado, vice-presidenta da Adufes, pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, presidenta da Comissão Permanente de Heteroidentificação da Ufes e professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Ufes/PPGpsi

'Não fugiremos à luta!': pelo direito à vida de nossa juventude negra

A XV Marcha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra vai percorrer as ruas do Centro de Vitória neste sábado (19), a partir das 14h, impregnada deste chamamento da Sueli Carneiro

  • Jacyara Paiva É mulher negra, militante do Movimento Negro Unificado, vice-presidenta da Adufes, pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, presidenta da Comissão Permanente de Heteroidentificação da Ufes e professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Ufes/PPGpsi
Publicado em 18/11/2022 às 02h00

Sob forte emoção, nossa griô Sueli Carneiro concluía sua fala no dia 7 de novembro, no Museu Capixaba do Negro Verônica da Pas (Mucane). Uma noite que jamais será esquecida pelo povo negro de Vitória. Sob um profundo silêncio respeitoso, ela falava aos mais velhos e aos mais novos, conclamava a todos a ousadia do sonho, ao caminhar no sentido real da luta por uma democracia que seja a antítese da democracia das chacinas e da fome que temos hoje em nosso país. Sueli Carneiro nos convocava para a luta da democracia da diversidade, dos trabalhadores, da vida dos nossos jovens. Uma democracia real.

A XV Marcha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra, que vai percorrer as ruas do Centro de Vitória neste sábado (19), a partir das 14h, está impregnada do chamamento da Sueli Carneiro: “Não fugiremos à luta!”. Se ainda tentam exterminar nossa juventude é dela que vem a resposta: “Nascem milhares dos nossos cada vez que um dos nossos cai”. Esta frase de Bia Ferreira desvela toda força, toda consciência que, segundo Sueli Carneiro, emerge dessa nova geração de negras e negros que reinventam estratégias para o combate ao racismo perverso que tenta eliminar o povo negro.

A juventude negra avança nessa luta civilizatória sem se esquecer da memória e da valorização dos que vieram antes, pois sabem que seus passos vêm de longe e que eles não estão sozinhos. Por isso que a Marcha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra, promovida pelo Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes), se constitui sempre em uma convocação aos mais velhos e aos mais novos. Gerações se encontram no protagonismo dessa juventude que continua combinando de não morrer e por isto mesmo não arrega, não foge à luta, para que milhares dos nossos possam continuar nascendo e fazendo dos sonhos de nossos antepassados uma realidade.

É nesse cenário de racismo explícito, de matança desenfreada, de falta de políticas públicas que garantam o direito à vida de nossa juventude que a resistência teimosa e a defesa radical de uma sociedade verdadeiramente democrática emerge de forma potente e inegociável.

Essa é a causa pela qual iremos junto com nossa juventude negra marchar pelas ruas de Vitória. Mais uma vez levaremos nossos cartazes, usaremos nossa voz, nossos apitos, bateremos nossos tambores, denunciaremos o plano de morte e anunciaremos a luta e a vida. A marcha é para quebrar o silêncio da cumplicidade daqueles a que tudo assistem sem nada fazer. A marcha é para mostrar que estamos vivos, que estamos lutando, que esta luta não é só nossa, não é apenas de nossos jovens que nascem com a pele “alvo”. A luta é civilizatória, portanto, de todas e todos e todes.

Trata-se de uma luta pelo desejo de mudança, a indignação e, principalmente, a reivindicação por políticas públicas de vida para o povo negro que promovam a igualdade e equidade de gênero e raça. Essa luta por políticas que façam cessar o genocídio da juventude negra têm feito com que um bonde de jovens encha as ruas sob a forma de inspiração para toda uma sociedade.

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Nova geração de negras e negros reinventam estratégias para o combate ao racismo perverso que tenta eliminar o povo negro. Crédito: Fernando Madeira

São marchas com novas vozes que se fazem ecoar, que pensam e por isso lutam para realizar uma sociedade diferente, sem racialidades oprimidas, condenadas pelo racismo sem direito à existência. No Brasil a chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa branca, segundo o Atlas da Violência 2021. De acordo com a pesquisa, os negros representaram 77% das vítimas de assassinato no país em 2019. São números que não podem mais ser naturalizados e, por isso, as vozes precisam ecoar nas marchas, uma vez que a violência parece não dar trégua e os números nunca apresentam quedas.

São as novas vozes que ecoam através dessa juventude que mais que resiste, e que insiste em sonhar com um país melhor, onde jovens negros possam ter seus direitos garantidos e desfrutar de princípios fundamentais de uma sociedade civilizada. Esta ocorrerá diante do direito à existência em sua plenitude, de igualdade de direitos, de oportunidades. Por isso mesmo não fogem à luta, eles marcham, enchendo-nos de esperanças de novos dias para as gerações vindouras.

Nossos ancestrais não fugiram à luta, nossos griôs não fugiram à luta, por isso não fomos eliminados. Nossa juventude nos diz, através de seu jeito de se mover nessa sociedade, que também não fugirá à luta, por isso mesmo será ela quem tirará a negritude do signo da morte falado por Sueli Carneiro. É essa juventude que, para além de anunciar, realizará a democracia que tanto esperamos para aqueles que ainda não nasceram, assumindo hoje lutas que façam emergir potentes projetos políticos de vida, de nascimentos, de esperanças de um país onde não seja mais necessário falar de racismos.

Esses jovens, com suas marchas, com suas novas vozes, estão produzindo novas éticas e estéticas onde a diversidade humana se constitui a centralidade da vida. Esses jovens que não fogem à luta estão produzindo novos marcos civilizatórios, sonhados por homens e mulheres que um dia também marcharam, que não fugiram à luta e que de alguma forma constituíram e constituem os sonhos libertários da juventude negra hoje.

Os que se espelharam nos antigos de ontem, amanhã serão os novos negros espelhos, até que seja impregnada na retina da sociedade o respeito pelos nossos. Seu desejo, Sueli Carneiro, se revela uma ordem: “Não fugiremos à luta!”.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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