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É administradora e diretora de Gente e Gestão do IDEIAS

Catar 2022: a Copa de um mundo diferente

A escolha do país como sede do evento é cercada por diversas polêmicas e uma delas está relacionada às denúncias de más condições de trabalho dos migrantes

  • Maísa Porto Nacari É administradora e diretora de Gente e Gestão do IDEIAS
Publicado em 07/11/2022 às 02h00

Copa do Mundo será diferente. Para início de conversa, ela será em novembro, fato inédito para quem há 21 edições aguarda o meio do ano para torcer por sua seleção. As condições climáticas da região do Catar pesaram na consciente decisão. O Oriente Médio tão pouco é referência em termos de paixão por futebol ou até mesmo da presença de grandes expoentes. Somente essas informações já seriam suficientes para sabermos que a Copa de 2022 vai ser diferente.

Desde 2018 a FIFA (Federação Internacional de Futebol) incorporou compromissos de direitos humanos em seus estatutos ao anunciar que “quem quer que seja a sede da Copa do Mundo da FIFA deve formalmente se comprometer a conduzir suas atividades com base em princípios sustentáveis de gerenciamento de eventos e em respeitar os padrões internacionais de direitos humanos e trabalho, de acordo com os Princípios Orientadores das Nações Unidas”.

O compromisso com a agenda de Direitos Humanos foi reconhecido por relatores das Nações Unidas que definiram como “muito positiva” o posicionamento da Federação, porém reafirmam que não devem ser tratados de forma pontual e sim acompanhados por medidas de prevenção, identificação e combate a quaisquer ataques contra ativistas de direitos humanos.

A escolha do Catar como sede do evento é cercada por diversas polêmicas e uma delas está relacionada às denúncias de más condições de trabalho dos migrantes. Para se ter uma ideia, os migrantes representam mais de 2 milhões da população de 2,8 milhões do Catar, um dos poucos países no mundo em que a população estrangeira é maior do que a nativa. Em uma fala míope, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, afirmou que os migrantes receberam “dignidade e orgulho” ao trabalhar no Catar.

Cabe aqui destacar que o país é membro do Conselho de Cooperação do Golfo e adota o sistema kafala (que significa "sistema de patrocínio") utilizado para monitorar os trabalhadores migrantes, principalmente nos setores da construção e doméstico nos estados membros do Conselho. O sistema exige que todos os trabalhadores não qualificados tenham um patrocinador no país, geralmente o seu empregador, que é responsável pelo seu visto e estatuto legal. A prática tem sido criticada por organizações de direitos humanos por oportunizar a exploração dos trabalhadores, uma vez que muitos empregadores confiscam os passaportes e os submetem a condições desfavoráveis e sujeitas a inúmeros riscos.

Segundo Minky Worden, diretora da Global Initiatives: “Dignidade e orgulho no trabalho se concretizam através de remuneração justa, condições de vida e de trabalho seguras, e respeito aos contratos. No entanto, para muitos trabalhadores migrantes no Catar, a realidade tem sido o pagamento de taxas de recrutamento exorbitantes que podem levar anos para serem quitadas, meses de salários atrasados ou não pagos por trabalhos que realizaram, locais de trabalho inseguros e acomodação inadequada que levaram ao registro de 6 mil mortes inexplicadas e à perda de entes queridos e de meios de subsistência para suas famílias.”

Como falar em trabalho digno? Como ignorar um sistema que deteriora condições humanas e de trabalho?

Al Thumama possui simbolismos que refletem a cultura do Catar
Comunidade internacional está atenta à situação no Catar. Crédito: Divulgação

Sediar uma Copa do Mundo nunca foi somente sobre futebol e entretenimento. É também sobre desenvolvimento em infraestrutura, mobilidade urbana, turismo e geração de empregos. No mundo onde mais de um terço de todos os ativos sob gestão global são em ESG (em português, ambiental, social e governança), os direitos humanos estão no cerne do “S”.

É necessário reconhecer que as instituições estão avançando quando verbalizam compromissos e possuem ações que visem minimizar e remediar os impactos. A mesma FIFA implantou em 2018 um canal em seu site que permite a jornalistas e defensores dos direitos humanos fazerem denúncias, caso haja restrições ao trabalho e violações em países onde a entidade abriga seus torneios.

Mas ainda há muito o que ser feito e a comunidade internacional está atenta à situação no Catar. Uma coalizão formada pela Anistia Internacional, Human Rights Watch e mais oito ONG's tem exercido o papel de solicitar que a FIFA doe para o torneio de 2022 US$ 440 milhões como um fundo de compensação para centenas de milhares de trabalhadores migrantes que teriam sofrido abusos durante a preparação para o campeonato. O grupo ainda pleiteia que a Federação “estabeleça um programa abrangente para garantir que todos os abusos trabalhistas para os quais a FIFA contribuiu sejam remediados”.

A cena do futebol não é mais sobre 22 jogadores e uma bola. Esse ecossistema é muito maior que a emoção de ser a melhor seleção do mundo. É diferente! É sobre termos a oportunidade de sermos melhores em tudo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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