BC PODE FORTALECER NEXOS COOPERATIVOS
Wallace Millis é economista e coordenador do MBA em Gestão Pública de Resultados da UVV
O dinheiro é a forma mais verdadeira e confiável de preservação da riqueza e da propriedade, o que o economista J. M. Keynes chamava de preferência pela liquidez. E isso vale tanto para o sagrado quanto para o profano, do lícito ao ilícito. As lavagens de capitais oriundos da corrupção, do terrorismo ou do tráfico são reservas de valor que circulam no sistema bancário. Por isso, o controle da circulação monetária é espaço privilegiado na identificação de movimentações suspeitas ou fora dos padrões normais.
As transferências do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF), do extinto Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça e, depois, para o Banco Central, são movimentações de um jogo que envolve disputas internas no governo e entre o Executivo e o Congresso Nacional. Tais movimentos refletem duas características da agenda pública brasileira recente: problemas de inteligência estratégica e o casuísmo nas morfologias institucionais.
Ressalte-se que, Unidade de Inteligência Financeira (UIF), inclusive, é a nomenclatura do órgão em sua nova casa, o que faz todo sentido na perspectiva de transformação de dados financeiros em informações e conhecimentos sobre movimentos de capitais. O produto de seu trabalho são relatórios para a tomada de decisões por parte das autoridades do Estado, seja nas ações de criminalização ou nas iniciativas para melhoraria da regulação e transparência do mercado.
Já no casuísmo institucional, o combate à corrupção tem servido de instrumento de poder nas disputas políticas no Brasil, ocupando um lugar de preocupação coletiva, que já foi de estabilização e desenvolvimento, noutros tempos mais prósperos. Com a intensa movimentação de capitais no mercado, frações crescentes da riqueza na nossa sociedade assumem um caráter financeiro, o que coloca o controle das atividades financeiras no centro das disputas entre os poderes da República.
Mas o que faz do Banco Central o lugar mais adequado para esse trabalho? De um lado, trata-se de instituição pública com imagem qualificada em termos de governança e compliance. Se a desconfiança ética que paira sobre o setor público brasileiro projetasse sombras sobre o BC, já estaríamos irremediavelmente presos numa armadilha de crise de crédito, fuga de capitais e incerteza generalizada. Por outro lado, o Banco tem sobreposição da ênfase técnica sobre as influências da política, embora não seja um insulamento neutro no jogo de poder.
Por fim, parece que o governo mirou no que viu, a autoproteção política, e acertou no que não viu, pois o BC pode até fortalecer os nexos cooperativos com as outras instituições de fiscalização como Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Receita Federal e outras. Desde que, seja corrigido o grande equívoco do decreto, a inserção no Conselho de cargos comissionados, onde se requer autonomia para carreiras de Estado.
O PRÓPRIO BC PODE SER PREJUDICADO
Gelson Machado Guarçoni é membro da Transparência Capixaba e auditor fiscal da Receita Federal do Brasil
Vimos em agosto uma mudança radical na estratégia de combate à lavagem de dinheiro, reforçada desde 1998 com a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ora transformado em Unidade de Inteligência Financeira (UIF), no Banco Central.
Importante frisar que a medida provisória 893 não apenas transfere o Coaf para a estrutura do Banco Central e muda seu nome para UIF. Lá fica dito, em seu artigo oitavo, que a estrutura, as competências e as atribuições serão definidas em um novo regimento interno. Ou seja, há dúvidas sobre como funcionará efetivamente a UIF, agora subordinada ao presidente do BC e a sua diretoria, formada por profissionais quase sempre oriundos do mercado financeiro.
Ao longo dos 21 anos de existência, o Coaf foi aprimorado e fortalecido, com a participação de servidores de muitos órgãos que atuam em investigações de crimes financeiros, um amálgama de expertise no combate à lavagem de dinheiro. Sua estrutura vinha sendo reforçada pelo ministro Moro desde a nomeação do auditor Roberto Leonel para presidi-lo, em janeiro. O órgão, após o início da operação Lava Jato, em 2014, ampliou muito o volume de informações, principalmente vindas de bancos e corretoras, mas também de contadores, lojas de produtos de luxo, joalherias, cartórios, entre outras fontes.
O Coaf como conhecíamos vinha atuando de forma isenta e profissional, produzindo a cada ano milhares de relatórios, aumentando com sucesso os comunicados dos bancos, temerosos de serem questionados por falta de compliance, devido ao alcance da Lava Jato.
Todavia há o temor que o próprio Banco Central possa ser prejudicado. A missão precípua da instituição é o controle da moeda e da estabilidade financeira. A UIF criada traz para o BC atividades alheias a sua função principal e que podem enredar a instituição em questões políticas que atrapalhem seu foco, como as que atingiram o Coaf nos últimos meses e que motivaram a intervenção concretizada com a MP 863.
Preocupação extra surge porque essa subordinação não ocorre em quase lugar algum. Outro foco de crítica é a possibilidade de nomeação de pessoas que não sejam servidores públicos concursados. O Conselho Deliberativo da UIF poderá ter conselheiros, que atuam sem remuneração (Art 5, §2), de fora dos órgãos que compunham o Coaf, e que podem deliberar para limitar e comprometer a atuação do quadro técnico-administrativo. A livre escolha desses conselheiros pelo presidente do BC adiciona um componente político para a UIF e também para o próprio banco.
Em resumo, a extinção do Coaf e a criação da UIF se mostram ações desnecessárias, face aos excelentes resultados obtidos nos últimos anos, e até arriscadas, tanto para o efetivo combate à lavagem de dinheiro quanto para a própria independência política do Banco Central, fundamental para o controle da inflação e da saúde do sistema financeiro nacional.
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