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Mobilidade urbana: qual a solução para a Praça do Cauê?

Mobilidade urbana: qual a solução para a Praça do Cauê?

Prefeitura de Vitória analisa projeto de abrir pista no meio da praça, no bairro de Santa Helena, para atacar o problema dos engarrafamentos. Mas será que resolve o problema?

Publicado em 3 de novembro de 2018 às 18:16

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(Amarildo)

As cidades passam por transformações

Manoel Rodrigues é especialista em Logística e Transportes e professor da Faesa e da Ufes

A praça do Cauê foi planejada pelo engenheiro Saturnino de Brito, segundo os arquivos municipais, por volta da década de 1920. Em 1948, a praça recebeu o nome de Benjamin Constant. Em 2007, a lei 7.053 alterou para Cristóvão Jacques. Certamente no passado essa praça foi um lugar do lazer, do descanso, da conversa corriqueira, permitiu a livre circulação e possibilitou o encontro com outro. A vida tinha outra dinâmica. Embora tenha sua importância, não se viabiliza como sitio histórico a considerar o ambiente em que está inserida com prédios em toda a sua volta, estabelecimentos comerciais e um trânsito de veículos considerado a caminho da Terceira Ponte e das instituições públicas e privadas que se estabeleceram na região. A cidade cresceu, e somente os bens históricos e culturais deverão por força de lei serem preservados.

Espaços públicos dispostos democraticamente pela cidade expressam a dimensão da vida coletiva refletindo diretamente na qualidade de vida da cidade. É preciso entender a dinâmica de uma cidade e a vida das pessoas no seu cotidiano, a fim de que esses reflitam as necessidades e os anseios dos seus usuários. Como prever, um século atrás, que a poucos metros da praça do Cauê um gigante de concreto se ergueria e estabeleceria a conexão entre a ilha e o continente - Terceira Ponte? Olhando a partir da praça nessa mesma direção, vislumbra-se à frente a bela imagem do Convento da Penha, o que pode ter levado a muitos o desejo de chegar a esse belo e importante ponto histórico simplesmente transpondo a estreita faixa de mar. E isso se fez!

As ruas, consideradas um espaço democrático de uma cidade, possuem a função de circulação de veículos, já foram lugar do comércio, da reunião e do encontro de pessoas na cidade e circulação de veículos tracionados por animais. Mas as cidades cresceram, e o tráfego de veículos e pessoas aumentou significativamente, o uso exclusivo das ruas para pedestres e pelo transporte não motorizado teve o seu uso alterado. Hoje, milhares de veículos cruzam a Terceira Ponte diariamente. A leitura de uma área urbana para a priorização de projetos de espaços públicos ou de seu uso para atender a uma determinada necessidade emergente da população sempre se fez necessária. Uma vez identificados os principais pontos de interesse, por exemplo, mobilidade urbana, o mapeamento de problemas e potencialidades de uma cidade ou área específica permitirá a visualização das relações entre os usos existentes da cidade e a qualidade do espaço urbano. Essa relação permitirá a identificação de novas possibilidades de projetos, baseados no uso cotidiano que mereça uma infraestrutura adequada, ou mesmo na requalificação de áreas de conflito. Nesse contexto, inclui-se a ideia, já em fase de estudo pela PMV, de usar um espaço no meio da praça do Cauê como via de ligação entre a Reta da Penha a praça do pedágio da Terceira Ponte, sob o argumento de que no entorno da praça a circulação de veículos é bastante intensa, exigindo dos motoristas conversões diversas em ângulos muito fechados causando um contínuo congestionamento. A fim de possibilitar mais conforto e segurança para os motoristas e reduzir o congestionamento da Reta da Penha sentido Terceira Ponte, a região da praça do Cauê precisa ser compatibilizada com esse tráfego local. A possibilidade de influenciar a qualidade de vida das pessoas, por meio da melhoria da infraestrutura urbana, inspira-nos a apoiar intervenções que contribuam para o desenvolvimento das cidades.

Oito ou oitenta no meio ambiente urbano

André Abe é urbanólogo, professor aposentado da Ufes, doutor em Estruturas Espaciais Urbanas pela USP

Vivia a Praça do Cauê no seu canto tranquilo, quando começaram a ocorrer as modificações. Aterraram a Praia do Barracão, afastando-a do mar; cortaram suas árvores, apelidaram-na Cristóvão Jacques (quem foi, mesmo?). No estudo para localização da Terceira Ponte, optaram no continente passar por sobre o Canal da Costa e, na ilha, chegar ao Aterro do Suá – soluções sem desapropriações. Os acessos? O Conselho do PDU decidiu resolver depois; assim não necessitaria obras complementares.

Viu, então, o volume de veículos ir aumentando, suas velocidades diminuindo, e a paciência dos motoristas também. Surgem as soluções: viaduto, túnel; corta a praça! Lógica do rodoviarismo pensar que o aumento de velocidade melhora a eficiência do trânsito.

Contudo, se adotarmos uma visão ampliada, constatamos que o bairro como um todo tornou-se uma área de encruzilhada metropolitana: para ela convergem e articulam entre si os múltiplos fluxos: do continente pela ponte, do Centro Histórico pela Beira-Mar e Desembargador Santos Neves, de todo o Norte pela Nossa Senhora da Penha e Américo Buaiz. Portanto, não convém raciocinar a praça isoladamente – uma intervenção ali pode transferir os problemas para outros espaços da cidade - um mergulhão, por exemplo, teria sua rampa de acesso iniciada na Reta da Penha, em seu trecho mais movimentado. Lembrando ainda que a vista para o Convento é um item sagrado para os capixabas.

As cidades contemporâneas estão passando por significativo processo de reconceituação. Dentre outros, identidade e qualidade de vida são itens obrigatórios para garantir a sua competitividade no cenário globalizado. Dar aos cidadãos condições de fruir do meio-ambiente urbano - não mais apenas habitar e trabalhar, mas também recrear, consumir, interagir socialmente – oferecendo espaços para esse desfrute e incentivando a sua apropriação para uso. A circulação veicular deve ser reduzida ao mínimo.

A oferta dessas funções em territórios menores é o que preconiza o Novo Urbanismo, e já a sugeria em 1973 (!) o Plano de Desenvolvimento Integrado da Grande Vitória da Comdusa ao configurar a fragmentação polinucleada da cidade em unidades urbanas semi-autônomas apoiadas pelos sub-centros de animação. Cidades sustentáveis, áreas de tráfego moderado, mobilidade com cidadania são outros temas recorrentes no urbanismo atual.

Diversidade de modais de transporte coletivo e variedade de propostas de transporte individual indicam que a circulação urbana tende a passar por grandes transformações em período breve e demandará a reconfiguração das cidades em diversos aspectos. A mobilidade urbana deve contemplar desde o pedestre e cadeirante até o coletivo e logístico, incluindo o automóvel, que é o que consome maior parcela de espaço público urbano.

A intervenção na Praça do Cauê sofrerá esse dilema da extemporaneidade. A proposta deverá tentar contemplar esses diversos aspectos, ser amplamente discutida, avaliada e anuída. Um plano de sacrifício pactuado. Não resolverá o problema do tráfego, porque o volume de veículos sempre estará acima da sua capacidade, nem o de trânsito, porque há na região múltiplos fluxos a atender, não atenderá a demandas futuras, como a do BRT, não será atrativa para os moradores, por ser de domínio dos automóveis. Não se trata só de remodelar a praça, porque não é problema de trânsito, mas de remodelar a cidade, porque é problema de urbanismo.

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