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Intervenção era mesmo necessária?

Intervenção era mesmo necessária?

Medida é defendida pelo governo federal como forma "extrema" e "inevitável" de superar a onda de violência generalizada que toma conta do Rio de Janeiro e que se intensificou nos últimos meses

Publicado em 17 de fevereiro de 2018 às 02:42

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(Amarildo)

Das UPPs à intervenção federal

Pablo Lira | Professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha (UVV)

Em 2007, o Estado do Rio de Janeiro apresentava uma taxa de 49,7 crimes letais violentos por 100 mil habitantes, de acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública. No ano seguinte, em resposta aos altos índices de violência, foi iniciado o mais relevante programa de segurança do Rio de Janeiro, com a instalação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Morro Santa Marta. Desde então foram instaladas cerca de 40 UPPs.

As UPPs foram concebidas visando integrar ações de repressão qualificada, policiamento de proximidade e prevenção contra a criminalidade violenta. Em tempos de ampliação das UPPs, o Rio de Janeiro registrou 28,7 crimes letais violentos por 100 mil habitantes em 2012, ou seja, a menor taxa já computada naquele Estado.

Todavia, o programa das UPPs não foi implementado conforme concebido e planejado. Enquanto as operações de ocupação e saturação, promovidas pelas forças militares e pelas polícias, cumpriram o objetivo inicial de retomada dos territórios dominados pelo crime organizado, a vertente das políticas sociais de prevenção das UPPs não ganhou musculatura e não recebeu o mesmo nível de atenção por parte do governo.

Com o esfacelamento das UPPs, a sociedade vem sofrendo os efeitos da escalada da violência no Rio de Janeiro, sobretudo, nos últimos cinco anos. Em 2017, o Rio de Janeiro evidenciou uma taxa 40 crimes letais violentos. Concomitantemente, as finanças públicas do Rio de Janeiro se deterioraram ao ponto de comprometer a capacidade de investimento em políticas públicas e impactar no atraso dos vencimentos de diversas categorias de servidores públicos, destaque para os policiais.

É nesse quadro, aqui brevemente ilustrado, que foi decretada a intervenção federal na segurança pública, que visa reestabelecer a ordem pública no Estado do Rio de Janeiro. Tal ação é prevista na Constituição e é caracterizada como uma interferência excepcional. Desde a promulgação da Constituição de 1988, essa é a primeira vez que se recorreu a tal mecanismo.

Para cumprir seu propósito deve ser muito bem coordenada, planejada e executada, pois representa uma última instância. É primordial que as ações desdobradas pela citada intervenção articulem em seu bojo as agências estaduais de segurança pública. Afinal de contas, quando cessada essa situação de excepcionalidade, são essas agências que estarão novamente de forma direta envolvidas com a manutenção da ordem, bem como com o comando e controle da segurança pública.

Nesse sentido, na perspectiva dos cidadãos que vivem o drama cotidiano de se entrincheirar nas avenidas do Rio de Janeiro e de conviver com o medo de ser a próxima vítima de um assassinato, roubo, bala perdida ou arrastão, a intervenção federal é encarada como um último recurso. Ficamos mobilizados na torcida para que essa ação não seja meramente um paliativo e que de fato contorne a situação crítica vivida pela população do Rio de Janeiro, lançando as bases para uma política de segurança pública consistente, integrada e perene.

Andando em círculos

Isabel Figueiredo | Mestre em Direito e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Um dito falsamente atribuído ora a Einstein, ora a Benjamin Franklin, define insanidade como fazer repetidamente a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Ao decretar intervenção federal no Rio de Janeiro, o governo federal segue insistindo no remédio errado: agindo como uma fábrica de factoides, mostra que ainda não sabe a que veio no que diz respeito à segurança pública.

A falta de repertório do governo se traduz na exagerada utilização das Forças Armadas, que se dá diante de um ministro da Justiça cada vez mais omisso e um ministro da Defesa cada vez mais exposto. A grande resposta a ser dada pelo governo para a crise de segurança pela qual passa o país segue sem existir. Ora um plano, ora uma consulta pública, semana passada o

prenúncio de um ministério específico para a área e agora a intervenção, mas, sobre a política nacional de segurança, nada se diz. A escalada de respostas populistas não consegue ocultar a incapacidade do governo em formular políticas públicas consistentes que visem não apenas aumentar a percepção de segurança, mas prover segurança de fato, possibilitando que o país reduza sua vergonhosa taxa de quase 30 homicídios a cada 100 mil habitantes.

O Rio de Janeiro é importante e tudo o que acontece lá repercute, inclusive internacionalmente, mas o Rio não é o país e enquanto a pirotecnia segue por lá, os demais Estados continuam com índices altíssimos de criminalidade violenta e sem contar com nenhum tipo de apoio do governo federal. Nos últimos dois anos o máximo que se viu foi o recorrente envio de tropas das Forças Armadas e da força nacional de segurança pública, mas as despesas na área deixaram de seguir diretrizes mínimas e passaram a ser feitas exclusivamente na lógica do balcão de negócios: a liberação de emendas parlamentares em troca de votos para aprovação das reformas.

Quando diz que a intervenção foi decretada porque “as circunstâncias assim exigem”, o presidente deixa claro que a medida é genérica, sem planejamento, sem limites claros e sem objetivos concretos. As principais questões seguem abertas e a entrevista coletiva das autoridades da República mostrou que não se sabe de fato o que significará a intervenção, além de uma poderosa liberdade de agir não apenas no controle da articulação institucional, mas também no redesenho da estrutura de segurança do Estado.

Se a intenção, fosse, de fato, alterar o cenário no Rio, o norte não poderia ser o reforço ao processo de militarização da segurança, que se traduz em ações essencialmente ostensivas, capazes de produzir algum resultado imediato na contenção da criminalidade mas incapazes de promover mudanças sustentáveis. Se o objetivo for ampliar a sensação de segurança, como disse o ministro Raul Jungman, certamente será alcançado, ainda que por curto período, ainda que com alto custo social. A médio prazo, porém, o crime migra e passa funcionar em outros territórios e com outras modalidades.

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Restringir a resposta à lógica ostensiva é, no médio prazo, ineficaz e financeiramente insustentável, razão pela qual o anúncio de medidas mais concretas e que produzam resultados mais duradouros se faz mais do que urgente não só para o Rio de Janeiro mas para todo o país.

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