Publicado em 6 de abril de 2019 às 21:16
Reafirmação da defesa da liberdade religiosa>
Adriano Pereira Jardim é professor do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-Ufes), mestre e doutor em Psicologia (UFRGS) e professor do Departamento de Psicologia (Ufes)>
A decisão do STF, por unanimidade, de manter a permissão da sacralização de animais em religiões de matriz africana reafirmou a defesa da liberdade religiosa, prevista no artigo 5° da Constituição Brasileira. Foi uma vitória dos adeptos das religiões afro-brasileiras, mas acima de tudo, da sociedade brasileira como um todo, pois assegura o respeito às tradições culturais e religiosas de milhares de praticantes do culto aos orixás, inquices e voduns.>
O significado dessa decisão ultrapassa os limites de uma religião específica e enfatiza que no Brasil, país multicultural e de um pluralismo religioso único, está assegurado o direito de todos a professarem sua religião e a realizarem seus rituais e cerimônias conforme determina a sua tradição cultural e ancestral. Especificamente sobre o sacrifício animal, é de conhecimento público que diversas religiões o praticam, como o islamismo, o judaísmo e o hinduísmo.>
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No candomblé há varias formas de ocorrer o contato entre os adeptos e as divindades, e uma delas é através da sacralização de animais, que são muito bem tratados e cuidados, inclusive durante o ritual de sacralização. Todas as partes dos animais são utilizadas, sendo que aquelas que não são oferecidas às divindades são consumidas pela comunidade, em celebrações e encontros que beneficiam a todos os presentes, independentemente de sua religião, etnia ou condição social.>
Os rituais do candomblé, portanto, são encontros que celebram a fraternidade e a comunhão entre as pessoas, sem distinção de cor, raça ou gênero. Ao permitir que sigam acontecendo na legalidade com toda a sua ritualística, o STF rejeita o preconceito histórico que infelizmente se faz presente em nosso país com a chegada dos primeiros africanos ao Brasil. Desde o seu início, o candomblé, a umbanda, o batuque gaúcho, o xangô pernambucano e todas as demais religiões de matriz africana congregam negros, brancos, descendentes de africanos, de europeus ou de qualquer etnia. São, portanto, de todos os brasileiros. E como tal, são parte do nosso patrimônio cultural, histórico e religioso. No passado já foram proibidas e violentamente perseguidas. E, mesmo assim, seguiram fazendo parte do cotidiano religioso nacional.>
A decisão do STF de não proibir parte importante de sua ritualística tem também essa simbologia, a de afirmar que tal passado não voltará em nosso país, mesmo que observemos na atualidade um aumento de manifestações de intolerância e de perseguição aos cultos afro-brasileiros. O que os ministros do STF disseram, por unanimidade, é que segue sendo constitucional o direito dos brasileiros de professarem a sua fé e de seguirem as tradições de seus antepassados e ancestrais, sejam eles europeus, nórdicos, asiáticos, indígenas ou africanos. Oxalá possamos manter em nossa sociedade esse direito e a responsabilidade com nossas tradições culturais.>
Religião e vida: uma dupla perfeita>
Rainer R. Bonzano Comper é membro da Associação dos Amigos dos Animais (Adada)>
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um Recurso decidindo que é constitucional o sacrifício ritual de animais em cultos de matriz africana.>
Na liberdade religiosa está abrangida a liberdade de crença e de culto: a primeira entende-se o direito à livre escolha de certa religião ou até de trocar de religião; a segunda, a inviolabilidade dos templos, lugares de culto, de reuniões e procissões religiosas. Tais dispositivos estão na Constituição Federal (CF) nos Direitos e Garantias Fundamentais.>
Na proteção animal, o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos animais da Unesco, que dispõe que todo animal tem o direito a ser respeitado. Dispõe ainda que o homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito e tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.>
A Constituição veda as práticas que submetam os animais à crueldade e dispõe também de mecanismos à participação da população na preservação e na defesa ambiental. Assim, a coletividade possui o dever de defender o meio ambiente (art. 225,caput) tendo como direito fundamental de todos os cidadãos brasileiros a proteção ambiental (art. 5º, LXXIII), por intermédio da Ação Popular.>
Lembremos, também, da Lei de Crimes ambientais nº 9605/98 que penaliza práticas de atos de abuso e maus-tratos. Há também a Resolução nº 1236/2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária que traz as definições de maus-tratos e de crueldade, sendo qualquer ato que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais.>
Nota-se, então, o choque entre normas de liberdade religiosa e do direito ao meio ambiente. Entra em cena, então, o Princípio da Ponderação onde são considerados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Nesse caso específico, talvez tenha faltado ao STF a sua atualização com tema do bem-estar animal.>
Percebe-se nas declarações de alguns ministros que o objetivo dessa votação era de diminuir o preconceito de parte da sociedade para com as religiões de origem africana. Correto, nenhuma religião deve ser menosprezada. Contudo, quantas práticas religiosas já não são mais praticadas na atualidade?>
Diante desse embate entre religiosos e defensores dos animais e da crescente relevância do tema da proteção animal existem aqueles que defendem um ponto em comum, no qual o rito de sacrifício dos animais seja regulamentado, evitando práticas cruéis e desnecessárias sem entrar diretamente no mérito religioso. É uma opção, contudo, sem execução viável.>
Dessa forma, com os atuais inúmeros casos de maus-tratos aos animais, novas legislações em vigor e grande clamor social por justiça, a classe da proteção animal espera decisões mais equilibradas do STF.>
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