A endocrinologista Camila Pitanga Salim é uma estudiosa da obesidade, doença crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, que pode levar a uma série de problemas de saúde. De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2025, da Federação Mundial da Obesidade (WOF), lançado em março deste ano, aproximadamente um a cada três brasileiros (31%) vive com obesidade. Esse mesmo relatório aponta que 68% da população brasileira tem excesso de peso, sendo 31% com obesidade e 37% com sobrepeso.
Desde de 2019, a pesquisadora e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), estuda e conduz os estudos clínicos da tirzepatida (Mounjaro), como uma das investigadoras no Brasil, acompanhando a demonstração dos efeitos da molécula, a segurança e eficácia. "Esses estudos têm a finalidade avaliar a eficácia e a segurança da molécula. Participei tanto dos estudos da tirzepatida no tratamento de diabetes quanto na avaliação para o tratamento da obesidade", contou.
Na última semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o medicamento Mounjaro para o tratamento da obesidade. A caneta está sendo vendida no país desde maio, mas só estava permitida para o tratamento da diabete tipo 2. A tirzepatida age no controle da taxa de açúcar no sangue e do peso de pacientes.
Em entrevista para A GAZETA, que aconteceu dias antes desta aprovação, a endocrinologista capixaba fala sobre os perigos e os benefícios do medicamento, na importância do acesso aos remédios para boa parte da população e também nas escolhas dos bons hábitos de vida . Confira!
Estamos vendo pessoas, aparentemente saudáveis, usando as chamadas canetas emagrecedoras. Quais são os perigos?
Não só o Mounjaro, mas o Wegovy e o Ozempic só devem ser usados sob prescrição e orientação médica. Não basta só a prescrição. O paciente precisa ser acompanhado ao longo do tratamento. Por mais que sejam medicações ótimas, eficazes e seguras, elas podem apresentar efeitos colaterais. São medicamentos que devem ser direcionados para patologias específicas, como diabetes, diabetes tipo 2 e obesidade. O paciente que usa, sem precisar, pode não ver tantos benefícios. E tem os riscos.
E a pessoa fica sob o risco do medicamento?
Dos efeitos colaterais, que geralmente são de leve a moderado, principalmente relacionado ao trato gastrointestinal. A pessoa pode ter náuseas, vômitos, diarreia, uma leve dor de cabeça, e pode sentir um pouco de fraqueza, até porque diminui o apetite e ela acaba comendo menos. Esses são os sintomas vistos normalmente, e por isso é importante o acompanhamento, porque o médico pode manejar os efeitos colaterais de acordo com a intensidade e a frequência. Em alguns casos eles podem ser de forma mais grave, com sintomas mais intensos, como diarreia mais grave, constipação, e em casos mais raros, pode provocar uma pancreatite.
Qual é a importância de novos medicamentos, como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, no tratamento da obesidade?
Eles são super importantes, porque quando falamos de obesidade, a gente lembra que passamos anos sem um tratamento medicamentoso verdadeiramente eficaz e seguro. Com uma perda de peso eficiente, eficaz, que realmente muda o risco cardiovascular e melhora as comorbidades. Estamos falando de uma doença altamente prevalente no Brasil, onde mais da metade da população se encontra acima do peso. E mais de 20% da população já se encontra num nível de obesidade, doença que leva a muitas outras comorbidades, como o aumento do risco cardiovascular, de diabetes, pressão alta, colesterol, doença hepática no fígado, apneia do sono, entre outras. A gente precisava ter esses medicamentos mais eficazes para tratar a obesidade.
É um tratamento caro?
Bastante caro. No Brasil, são poucos medicamentos aprovados em bula para tratar a obesidade. Existem outros estudos de outras moléculas em andamento, então acredito que no futuro vai ser muito positivo para o tratamento da obesidade, porque hoje temos poucas opções. Atualmente nem todo paciente tem condições de manter esse tratamento, mas temos outras opções. Existe essa previsão de que com a chegada de novas moléculas, com a concorrência e com a quebra da patente, tenha a diminuição do custo. Não adianta a gente falar de evolução no tratamento da obesidade, como Wegovy e Mounjaro, se a gente não falar de acessibilidade. Porque estamos falando de uma doença que acomete mais da metade da população.
Quando realmente é indicado o uso desses medicamentos?
A indicação para o uso do medicamento ainda é a obesidade, pessoas com o Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 30, em bula ele ainda vem com IMC acima de 27 com comorbidades.
É possível manter os resultados após parar o uso do Mounjaro?
A obesidade é uma doença crônica e muita gente fala que o medicamento vai dar efeito rebote. A gente gosta de explicar para o paciente que não é efeito rebote, é que ele sai do efeito do remédio. É como um paciente que tem pressão alta, enquanto ele tá tomando o remédio, a pressão dele está controlada. Se ele para de tomar o remédio para hipertensão, a pressão dele vai subir. Com os pacientes de diabetes é a mesma coisa... A gente que estuda obesidade, como doença, sabe que o nosso organismo cria uma memória do peso máximo que já tivemos. E ele faz de tudo para voltar aquele peso.
E o que acontece?
Toda vez que a gente perde peso, o nosso organismo em contrapartida libera os hormônios, as vias que aumentam a fome, que diminui essa ansiedade, e o nosso metabolismo abaixa. As pessoas que perdem peso muito rápido, o metabolismo fica mais lento, como se fosse um mecanismo de defesa para voltar ao peso que ele tinha.
Camila Pitanga Salim
Endocrinologista
Por muito tempo o paciente era culpado quando parava de tomar o remédio, como se não tivesse força de vontade de manter a dieta e fazer atividade física. Hoje temos bases fisiológicas para explicar que é uma doença crônica
Quais são as outras opções de tratamento?
Tem a cirurgia bariátrica que é uma opção para pacientes que tenham indicação, que não tenham contraindicação, principalmente aqueles que não conseguem manter o custo do tratamento contínuo.
Quando que a cirurgia é indicada?
Recentemente tivemos a ampliação da indicação de cirurgia bariátrica. Ela era indicada para pacientes que tinham obesidade grau 3 ou IMC acima de 40, ou obesidade grau 2 com o IMC entre 35 e 40 com comorbidades, como diabetes, hipertensão, entre outras. Foi aprovada a ampliação de indicação também para obesidade grau 1, principalmente nos pacientes que tenham comorbidades mais graves, como diabetes de difícil controle ou doença hepática, por exemplo. Tiveram outras mudanças que ajudam no acesso, porque a cirurgia bariátrica ainda é uma excelente opção na redução e na manutenção do peso.
A decisão de parar de tomar o remédio deve ser feita com o médico...
O paciente deve estar em acompanhamento médico. E segundo, quando atinge o peso, ele e o médico vão decidir se o paciente realmente vai parar a medicação ou não. Alguns pacientes conseguem, principalmente aqueles que realmente fazem a mudança de estilo de vida. Que muda a alimentação, passa a praticar atividade física regularmente, que muda os hábitos. Mas alguns pacientes vão precisar manter a medicação por muito tempo. O médico vai orientar como parar, se vai fazer a redução de dose gradual, ou vai manter uma dose baixa de manutenção. Não existe uma receita de bolo para manutenção da perda de peso.
Além da alimentação, quais os aspectos de estilo de vida o paciente precisa mudar?
A alimentação é super importante. A atividade física é muito importante nesse processo de manutenção da perda de peso, porque ela melhora a qualidade de vida, e faz o controle de doença cardiovascular, longevidade... Mas, às vezes, quando ela é isolada, não é tão eficiente na perda de peso, mas na manutenção da perda pode ser um grande aliado. Além de outras medidas como o controle do sono, cuidar da saúde mental, e não aderir o tabagismo e o alcoolismo.
As pessoas ainda procuram soluções milagrosas para emagrecer?
Com certeza. Infelizmente, apesar de termos medicações estudadas e cientificamente comprovadas, eficazes, seguras, a gente ainda vê o consumo de dietas da moda, medicamentos não liberados, e a própria busca por medicamentos de forma ilegal. Até começar a comercialização (do Mounjaro) no Brasil, vimos pessoas usando medicamento manipulado sem nenhuma precedência.
Por que que muita gente ainda sofre o chamado efeito sanfona e por que que é tão difícil emagrecer?
Às vezes o paciente falha mesmo. Mas é importante lembrar que ele não consegue sustentar uma dieta radical para o resto da vida. A pessoa consegue manter por duas semanas, dois meses, mas não consegue manter para o resto da vida uma dieta muito restritiva. É a mesma coisa que acontece com os medicamentos. Então, a pessoa começa, faz o tratamento, não consegue continuar por causa do custo ou por inúmeras razões, ela para e fica nesse efeito sanfona.
Na sua opinião, qual é o tipo de alimentação ideal?
Acredito que a alimentação tem sempre que respeitar primeiro o estilo de vida do paciente, como os horários que ele come, as preferências e a rotina. E avaliar as questões específicas de saúde, respeitando as intolerâncias, alergias... Sou simpatizante da dieta mediterrânea (padrão alimentar equilibrado, focado na abundância de alimentos vegetais e na moderação de alimentos de origem animal), porque acho que ela contempla a composição, acho bastante interessante. O mais importante que precisamos entender é que não existe uma única dieta igual para todo mundo.
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