> >
Covid-19: perda de olfato e paladar ainda desafia a ciência

Covid-19: perda de olfato e paladar ainda desafia a ciência

Médico diz que treinamento olfativo, espécie de fisioterapia de cheiros, pode ajudar a trazer os sentidos sensoriais de volta

Publicado em 23 de julho de 2021 às 14:08

Ícone - Tempo de Leitura min de leitura
A medicina não chegou ainda a uma conclusão definitiva sobre as causas da perda do olfato e paladar.
A medicina não chegou ainda a uma conclusão definitiva sobre as causas da perda do olfato e paladar quando a pessoa foi infectada com Covid-19. (Freepik)

Imagine estar diante do seu prato favorito e, na primeira garfada, não sentir o gosto de absolutamente nada. Ou não sentir mais aquele cheirinho delicioso do café de manhã cedo. Uma das muitas sequelas da Covid-19, a perda de olfato e paladar ainda é um desafio para a medicina, que não chegou a uma conclusão definitiva sobre as causas desse problema e nem sobre a melhor forma de revertê-lo.

Um estudo publicado no início deste ano pelo Journal of Internal Medicine revelou que 86% das pessoas infectadas pelo coronavírus tiveram alguma alteração olfativa. Outros estudos apontam que esse sintoma pode durar semanas, meses ou até um ano. Segundo um levantamento feito pela Universidade de São Paulo, quase metade (44%) das pessoas que tiveram essa disfunção recuperaram totalmente o olfato em dois meses.

No caso do técnico eletricista Jeremias Valandro Zanetti, de 40 anos, foram cinco meses até recuperar essa parte sensorial. "Contraí a Covid no início de maio de 2020. Durante um período de 20 dias, tive febre, dores musculares, náuseas, diarreia, vômito, infecção urinária, fadiga e muita tosse. Também perdi o paladar e o olfato, ficando sem eles por cinco meses", conta Jeremias.

Mais de um ano após a infecção, ele ainda sofre as consequências físicas e emocionais da doença. "O pós-Covid não tem sido fácil pra mim. Passei a conviver com patologias e sequelas clínicas que não tinha antes, e as que tinha foram potencializadas. Sofro de problemas de ordem ortopédica, como dores na coluna lombar e cervical, dor no ombro, joelhos e cotovelos. Apresento também um quadro ansioso depressivo, com dores difusas, fraqueza muscular, fadiga mental, déficit cognitivo e insônia. Procurei uma psiquiatra e estou tomando medicações com as quais tenho conseguido um resultado satisfatório", relata o técnico.

Após ter contraído a Covid-19, o técnico eletricista Jeremias Valandro Zanetti, de 40 anos, ficou sem olfato e paladar por cinco meses.
Após ter contraído a Covid-19, o técnico eletricista Jeremias Valandro Zanetti, de 40 anos, ficou sem olfato e paladar por cinco meses. (Arquivo Pessoal)

Diante de tantos problemas como o que Jeremias citou, ficar sem olfato e o paladar até parecem algo secundário, menos grave. Mas é algo que traz prejuízos no cotidiano do paciente.

A chamada anosmia, que é deixar de sentir cheiros, ainda não é completamente compreendida pela ciência, como explica o médico Marcos Rangel, que é clínico geral no Hospital Santa Rita, em Vitória.

"Há poucos estudos validados sobre o tratamento da alteração de olfato na Covid. Ainda é um tópico que precisamos estudar e aprender mais. Sabemos que as células epiteliais nasais mostram uma expressão relativamente alta do receptor da enzima de conversão da angiotensina 2, que é necessário para a entrada da Covid-19 nas células. Com a entrada do vírus, ocorre ruptura das células no neuroepitélio olfatório, com alterações inflamatórias que prejudicam a função do nervo, causando danos e levando à disfunção olfatória temporária ou de longa duração", afirma o médico.

VARIAÇÕES

A intensidade dessa anosmia varia entre os infectados. "Os sintomas podem variar desde perda completa tanto do olfato e/ou paladar até a redução ou acentuação dos mesmos. Algumas pessoas interpretam todos os estímulos olfativos ou gustativos como um mesmo padrão, por exemplo, todas as comidas ficam doce", diz Rangel.

Um efeito colateral que pode persistir por muito tempo. "A grande maioria dos casos melhora totalmente ou parcialmente com duas semanas. Ainda não é bem conhecido o motivo de que em algumas pessoas o tempo dos sintomas pode ser maior. Nesses casos, pode ser necessário fazer uma investigação mais profunda, buscando diagnósticos diferenciais, uma vez que algumas outras doenças, principalmente neurológicas degenerativas ou sinusopatias, podem levar à alteração de olfato."

E, assim como as causas ainda não estejam muito definidas, o tratamento ainda não é uma garantia de melhora completa.

Segundo o médico Marcos Rangel, há casos de pacientes com Covid-19 que interpretam todos os estímulos olfativos ou gustativos como um mesmo padrão, por exemplo, todas as comidas ficam doce.
Segundo o médico Marcos Rangel, há casos de pacientes com Covid-19 que interpretam todos os estímulos olfativos ou gustativos como um mesmo padrão, por exemplo, todas as comidas ficam doce. (Hospital Santa Rita/Divulgação)

De acordo com o clínico geral, há tentativas de reversão desses sintomas, como o uso de corticoide tópico nasal. "Essas medicações parecem demonstrar benefício", pontua.

Há, ainda, uma opção de tratamento simples, de baixo custo e sem efeitos adversos consideráveis: "Ele consiste no treinamento olfativo por meio da inalação repetida de um conjunto de odorantes. A pessoa deve cheirar, por exemplo, limão, rosa, cravo e eucalipto por 20 segundos cada, pelo menos duas vezes ao dia, por pelo menos três meses", sugere Marcos Rangel.

IMPACTO

A psicóloga Milena Careta avalia que a ausência de cheiros e sabores tem um impacto psicológico e social grande na vida dos pacientes. "Pode parecer um detalhe bobo, mas não é. O fato de não se sentir nas perfeitas condições de antes traz sofrimento, insegurança, afeta a autoestima, a produtividade", analisa.

Além do medo da doença em si, que persiste em muita gente, há a preocupação e uma frustração por causa das sequelas. "É muito ruim para quem gosta de cozinhar para familiares e amigos, por exemplo, não sentir mais o cheiro e o gosto da comida. Perder essa percepção de cheiro, de sabor tira o prazer de experiências simples e cotidianas, naturais do dia a dia, afeta a confiança, traz insegurança", diz Milena.

Uma outra saída pode ser buscar a terapia, segundo a psicológa. "Isso pode ajudar a pessoa a tirar o foco do que não está legal e olhar para si, tentar se conhecer melhor e descobrir outras fontes de prazer. Não é preciso esperar chegar a um quadro de depressão para recorrer à ajuda", finaliza a especialista.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

Tags:

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais