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Pais têm papel fundamental na criação de filhos mais solidários

Pais têm papel fundamental na criação de filhos mais solidários

Os acessos de raiva e intolerância assistidos em 2018 chocaram muita gente. Mas um novo ano acabou de nascer e, com ele, a possibilidade de mudar esse cenário. Especialistas garantem que os pais têm papel fundamental na criação de uma sociedade mais empática

Publicado em 3 de janeiro de 2019 às 19:28

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Sentimentos como solidariedade, empatia, amor e gratidão tomam conta dos discursos todo final de ano. Talvez motivadas pelo clima natalino, as pessoas fazem questão de salientar a importância de ajudar e de se colocar no lugar do outro. Só que nunca se viu tanta intolerância e tanto desrespeito com a opinião alheia poucos meses antes do Natal, durante o período eleitoral. Um período, no qual o debate, um dos pilares da democracia, se faz necessário, sim, mas com argumentos, ideias e, principalmente, respeito. Mas o que fazer para que esse discurso típico de final de ano não fique só no discurso? Para que tenhamos uma sociedade mais solidária?

Não existe receita. é verdade. E não é nada fácil. Mas estudiosos e especialistas são unânimes em afirmar que tudo pode ficar melhor se pais e mães se dedicarem com afinco a criar seus filhos para que eles sejam pessoas do bem que pratiquem a empatia. Mas como fazer isso? Ações desafiadoras, porém necessárias, podem moldar uma convivência mais justa e fraterna, dizem os especialistas. A psicóloga e psicanalista Bianca Martins acredita que a sociedade de consumo imediato mudou a forma como as pessoas se relacionam, e por isso as famílias devem ficar atentas a essas mudanças. “É preciso resgatar o diálogo que pode ter ficado perdido na correria diária dos tempos atuais, o que é um desafio porque a cada nova geração os pais querem fazer mais e melhor. Antigamente, as crianças eram criadas com algumas restrições. Hoje, os pais tendem a dar o que não tiveram. Dentro de casa, muitas vezes, não há limite e falta tempo para o diálogo”, alerta.

E, segundo Bianca, não adianta os pais cobrarem dos filhos aquilo que eles próprios não praticam, pois as crianças aprendem muito mais com os exemplos do que com o discurso. “A criança sequer sabe que a empatia é um sentimento vivencial, ela aprende com os pais a ser empática. Não adianta a mãe mandar a criança dar bom dia para as pessoas, se ela não faz isso. A criança aprende por imitação”, salienta.

O bem e o mal

A psicóloga explica que nós, seres humanos, ao nascermos, possuímos a mesma quantidade de bem e de mal, e que os bons sentimentos e os bons ensinamentos vão fazer com que as crianças se tornem uma boa pessoa. “Um bebê, ao sorrir e chorar, está aprendendo a compreender seus sentimentos, por exemplo. Se sou uma pessoa que acolho aquele choro com raiva, vou transmitir isso para o bebê. O bebê sorri para acalentar o outro, que cuida dele. Para humanizar, é necessário ser uma pessoa apaziguadora. A forma com que somos contaminados, negativa ou positivamente, vai moldando nosso jeito de enxergar a vida e viver no mundo”, explica a psicóloga.

 

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A forma com que somos contaminados, negativa ou positivamente, vai moldando nosso jeito

Bianca Martins, psicóloga e psicanalista
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A psicóloga e terapeuta familiar Adriana Falezze acrescenta que da mesma forma que se ensina a criança a andar, se ensina emoção. Só que não fazemos isso conscientemente. “Como vivemos em um mundo muito corrido, esquecemos de ensinar as emoções boas. A gente acaba ensinando mais as coisas negativas do que a empatia, a gentileza, a solidariedade, o amor, o carinho e o afeto”. Ter empatia é se colocar no lugar do outro e sentir as emoções dele, e as crianças precisam aprender desde cedo a identificar esses sentimentos. “Para eu sentir a emoção do outro eu preciso reconhecer o que o outro quer demonstrar. Com a criança, primeiro é preciso ensinar a identificar a emoção dela mesma. Só depois de reconhecer e processar suas próprias emoções e sentimentos ela vai conseguir ter empatia”, diz Adriana.

Para a terapeuta, os comportamentos dos filhos desde bebês devem ser acompanhados e os pais devem ficar atentos no tom de voz e expressão facial, durante os diálogos com as crianças. Os pais devem demonstrar quando estão alegres, tristes ou desapontados para que as crianças possam compreenderem essas emoções. “Outro dia vi um pai brigando com uma criança do mesmo jeito que ele fala com ela quando está fazendo uma coisa certa e errada. A criança não consegue identificar que tem uma emoção diferente ali. Para ensinar da melhor maneira, os pais precisam olhar olho no olho durante as conversas com os filhos. A criança não aprende emoção de frente para uma tela de celular ou de um computador, aprende olhando no outro. Olhando olho no olho da pessoa que está na frente dela. Ela não vai aprender emoção com os emojis do whatsapp”, conclui, Adriana.

Brunella ensina Bernardo a dividir os brinquedos e a doar algum quando ganha algo novo. (Marcelo Prest)

“Quero que ele seja prestativo”

A consultora de estilo Brunella Marcarini Sgaria, de 34 anos, é mãe do Bernardo, de três anos. Ela diz que procura passar os melhores sentimentos e ensinamentos para o filho, para que ele se torne uma pessoa solidária e empática. E que faz isso desde cedo.

“A gente sempre conversa com ele. Explica que ele precisa dividir os brinquedos com os amiguinhos, que não pode ser agressivo e sempre salienta a importância da solidariedade, de doar brinquedos quando compramos algo novo. Como ele é pequeno, acho que isso contribui para que ele entenda que existem crianças que não têm a mesma oportunidade”, disse Brunella. Bernardo vai para a escola desde que completou um ano de idade e, com os ensinamentos passados pela mãe, possui boa relação com os amiguinhos.

“Quero que ele cresça sendo prestativo, amigo, um bom filho, um bom marido..., que se conheça e conheça o próximo”.

Valéria diz que a vida corrida e a internet não podem atrapalhar o contato olho no olho. (Vitor Jubini)

“Ele respeita o diferente”

A dentista Valéria Cysne Rodrigues, de 40 anos, compreende que é na infância que se deve transmitir bons sentimentos e emoções para o filho Eduardo, de 8 anos. “Desde pequeno a gente já o educa em uma vivência compartilhada. Procuro ter acesso a livros e estimular o contato com diversas pessoas para que ele compreenda que as pessoas são diferentes e isso deve ser respeitado”.

Com os ensinamentos da mãe, Eduardo não teve dificuldade com as novas convivências. “Temos uma amiga muito próxima que a filha nasceu com uma deficiência física na mão. Ainda bem novinho ele perguntou porque ela era daquele jeito. A gente explicou e salientou que temos que gostar das pessoas do jeito que elas são”.

Para que Eduardo compreenda as relações sociais, Valéria conta que procura ter conversas honestas para que o filho assimile as situações do dia a dia. “Em um determinado ano da creche ele disse que um amiguinho o atrapalhava na brincadeira. Aí conversei com ele sobre a paciência e a compreensão. No final, esse mesmo menino se tornou um dos melhores amigos dele”. Valéria acredita que a vida corrida da família moderna pode atrapalhar o desenvolvimento das crianças, e que a internet compromete o contato olho no olho. “Temos que ficar atentos para que esse olho no olho não se perca. Com a violência, a falta de tempo e, às vezes, o comodismo, temos a tendência de ficar mais dentro de nossas casas, mas é preciso ter cuidado para que isso não atrapalhe o convívio dos nossos filhos com outras realidades”, conclui Valéria.

Camila buscou uma escola que dê continuidade aos ensinamentos que oferece aos filhos. (Marcelo Prest)

“Mais importante que falar é dar exemplos”

A administradora, Camila Schuwartz, de 38 anos, e o marido Bruno Raphael Duque Mota, de 40, têm dois filhos: o Rafael, de 8 anos, e o Felipe, que completou 1 ano. Camila acredita que as novas gerações se preocupam em ter bens materiais e ser bem sucedidas, mas que isso não deve ser o mais importante na criação dos filhos. Para ela, é lamentável ver cenas de intolerância religiosa, discriminação por raça, cor e orientação sexual. “Devemos resgatar o valor da vida, se importando e se responsabilizando com a vida do outro para pôr fim ao cenário individualista. A diferença maior entre a minha geração e a dos meus filhos é a valorização do ter. E, às vezes, perdemos a noção do que realmente é importante”, disse.

Preocupada com a continuidade dos ensinamentos passados em casa, a administradora procurou uma escola que se preocupa em ampliar a percepção de mundo de seu filho mais velho. “Meu filho mais velho identificou no filme que estávamos assistindo as torres gêmeas e me falou do acidente. O teor da guerra ele não entendeu, mas é importante ter um conjunto de pessoas fazendo esse trabalho de mostrar o que está acontecendo no mundo”, avalia.

Outro ponto levado em consideração por Camila é o exemplo que transmite aos filhos. Para ela, se o filho aprender o que é correto dentro de casa, não terá dificuldade em ter empatia com as pessoas que conhecer ao longo de suas vidas. “Não podemos colocá-lo em uma bolha. Precisamos passar os valores do amor, ensinar a dar bom dia para as pessoas, a ser gentil... Se eu não carrego isso eu comigo, não vou conseguir ensinar. Não é na rua que devemos mostrar que o que estamos ensinando. É dentro de casa”, salienta.

Ela e o marido estão atenta aos sentimentos dos filhos. Tanto que se preocuparam com o mais velho quando o mais novo nasceu. “Acho legal não termos dificuldade de buscar ajuda quando precisamos. No caso do Rafael, nossa preocupação foi dele ter dificuldade de lidar com as emoções, pelo irmão demandar mais atenção. Por isso buscamos ajuda de um psicólogo, o olhar do ouro sobre nós também ajuda muito”, relatou.

DICAS:

1. É importante sempre dizer a verdade para a criança, de acordo com a maturidade dela, e ajudá-la

a traduzir o que está sentindo. Se a criança está disputando um brinquedo e começa a chorar, ela tem que entender o que significa esse choro.

2. Os pais precisam valorizar as atitudes dos filhos.

As crianças são extremamente solidárias e proativas. São amorosas com os amigos também e guardam um repertório social.

3. É importante ensinar que eles possuem direitos e deveres.Ensinar que crianças têm responsabilidades com as pessoas que as cercam, para quebrar o individualismo.

4. Empatia e respeito aprendemos na prática e não na teoria. Os pais têm que ensinar o seu modo de vida. Vivenciar essa experiência que vai ser passada para os filhos.

5. Ter conversas com olho no olho. Criar um momento de desconexão do mundo virtual. O momento que a criança vai se desconectar e vai conversar olhando para o outro.

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6. Respeitar o sentimento da criança quando ela está triste. Isso mostra empatia pelo próprio filho. Essa é a melhor forma de dar exemplo, não só o exemplo fraterno.

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