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'Melancia estragada' confira a crônica de Maria Sanz Martins

"Melancia estragada" confira a crônica de Maria Sanz Martins

"Finalmente, tinha na geladeira uma melancia pequena para a qual olhava há dias, com vontade e preguiça ao mesmo tempo"

Publicado em 17 de setembro de 2018 às 15:25

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"Melancia estragada" é a crônica desta semana de Maria Sanz. (Unsplash)

Não sei exatamente por que os frutos apodrecem. Sei que uma vez na bandeja, gastarão toda energia para manterem suas células respirando, passando aos poucos, até se contaminarem completamente. Sei também que neste momento estou pagando pela mania de aproveitar o que exista – não sei lidar com desperdícios. Aproveito o que haja, das frutas na geladeira às companhias. Posso ser relativa.

É assim, sabe aqueles livros que falam sobre como influenciar e convencer pessoas? Pois então, tenho medo. Não que faça mau julgamento de quem deles se aproveitem, mas pessoalmente sofro com isso. Não sei se a palavra "vítima" se encaixa, mas a verdade é que certos "golpes subliminares" podem me causar efeitos gravíssimos. Fujo. Evito pessoas, campanhas, partidos, igrejas ou clubes que tentem convencer sobre ideias ou verdades absolutas.

*Sabedores me qualificarão de pós-moderna – busco minhas próprias convicções e as aplico no corpo do dia. Mas, fique dito, pratico minha busca individual-incessante a partir de um lugar fundado no amor, meu porto. Dou graças aos meus pais, avós e cada ancestral que navegou até as águas que neste momento banham minha tenda (toda vez que respiro profundamente, vejo que grande morada é essa – agradeço inclusive escrevendo).

Voltando, dizia que não posso andar com pessoas preparadas demais; vendedores, pregadores; detentores de técnicas orais, retórica, ou dom para PNL.

Além destas, qualquer voz que dissemine o medo, também representa um perigo para mim. (Quando pequena ouvi tantos casos perversos, relatos trágicos, ameaças de um futuro terrível, sombras e cochichos, que me tornei uma criança cheia de medos. Medo de dormir sozinha. Medo de perder meu pai. Medo de ser traída. Medo sobre os quais não ouso apontar – mesmo sabendo que estes, os sem nome, são os mais daninhos, não consigo).

Claro, na arte da influência e do convencimento do que quer que seja, quanto mais violenta, mais atraente a ideia se torna num primeiro momento. Porque o inusitado e o chocante geram interesse e muitas vezes se acoplam ao nosso sistema desde a primeira chance – exatamente como um vírus (eis a analogia perfeita de Nilton Bonder).

Segundo o Rabino, nessa Era em que cada um de nós constrói uma tese própria sobre sua atuação no planeta, as sugestões de caminhos para a vitória ou para derrota, ainda que sem malícia, agem no sistema de pensamento como vírus. Se passando primeiro por interesses do próprio indivíduo, através de lógicas dissimuladas (que fazem todo sentido), depois, assumindo o comando. "Para a consciência humana é mais perigoso que a mensagem subliminar", diz Bonder. Ou seja, o saber fornecido pelo outro (interessado), nos afasta mais da realidade do que nossa própria ignorância.

Do mesmo modo, a tentativa de "ser especial" nos arruína... Achar que temos uma "estrela", que sabemos mais, ou que somos melhores, significa estar tomado por uma mensagem subliminar, ou um vírus, da mesma maneira. É preciso cuidado com o que haja por trás dos elogios e troféus que buscamos continuamente... E faz muito bem pensar sobre o que estamos fazemos em troca das guloseimas psicológicas que oferecemos ao Ego.

Finalmente, tinha na geladeira uma melancia pequena para a qual olhava há dias, com vontade e preguiça ao mesmo tempo. Até que ontem, finalmente resolvi que era hora (na verdade, já tinha passado). Fiz questão de esquecer tudo que um dia ouvi sobre melancia estragada e bati um suco mesmo assim. Foi bom na hora (e por sorte só eu bebi).

Passei mal, claro.

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Nem tudo que está na bandeja deve ser eleito, digo, aproveitado.

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