Publicado em 27 de julho de 2018 às 17:19
Você pode não gostar muito de Youtube, mas seu filho gosta. Crianças bem pequenas, de 2 ou 3 anos de idade, já se conectam facilmente e passam um bom tempo lá, vendo um vídeo atrás do outro. Atraídas em principalmente por desenhos e clipes infantis, acabam expostas a conteúdos de diversos tipos.>
Em um dos vídeos, uma voz feminina com tom infantil mostra surpresinhas dentro de potes de massinha da Galinha Pintadinha. A chamada modalidade unboxing (algo como abrindo caixas) é uma febre no mundo todo.>
O problema é que esses canais infantis disfarçados de brincadeira não têm nada de inocentes. Eles fazem nada mais, nada menos, que publicidade, como uma armadilha pronta para fisgar o pequeno internauta para o mundo do consumo.>
Talvez alguns pais não saibam e achem que é conteúdo de entretenimento. Mas é publicidade, ou seja, mais com intenção de vender do que de divertir a criança, observa o professor Edgard Rebouças, coordenador do Observatório da Mídia, grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).>
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Estratégia>
Segundo ele, essa brincadeirinha de tirar o brinquedo da caixa é uma estratégia. Abrir presente é muito legal! E a criança se identifica, pricipalmente em vídeos feitos por outras crianças, que mostram brinquedos recém-lançados de personagens de sucesso. O menino vê aquilo e passa a pedir para o pai comprar aquele brinquedo, que, geralmente, é muito caro. Isso virou um negócio muito bom para empresas porque é mais barato mandar um produto para um youtuber do que pagar um anúncio na televisão, afirma.>
O assunto é bem sério e virou tema de estudos e debates entre especialistas de áreas como Comunicação, Psicologia, Educação etc.>
A publicidade infantil é proibida no Brasil, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Em 2014, uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) passou a considerar abusiva toda publicidade direcionada a crianças.>
Com um controle maior na televisão, o grande filão para as empresas virou a Internet, onde as regras não são muito claras ainda e onde esse tipo de conteúdo chega facilmente aos menores. A pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Comitê Gestor da Internet, feita em 2016, apontou que entre os vídeos mais assistidos por crianças, 31,6% eram dessa categoria, os unboxing.>
Legislação>
Esses vídeos são uma forma muito velada, camuflada, de publicidade. Estudos mostram que até os 12 anos de idade a criança não consegue entender que a publicidade tem um caráter persuasivo. Por isso, a legislação prevê que ela deve ser protegida disso, mas as empresas ignoram, comenta Livia Cattaruzzi, advogada do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana.>
A preocupação já chegou às famílias. Recebemos denúncias de pais que contam que os filhos pequenos acabaram caindo em publicidade de conhaque no Youtube, relata a advogada.>
Sem uma lei específica para publicidade e propaganda na Internet, cabe aos pais redobrarem a atenção quando a criança estiver com celular ou tablet na mão.>
Os pais precisam assistir a esses canais com os filhos e discutir com eles sobre esse tipo de conteúdo. Tem que acompanhar o que eles estão vendo na tela, pelos perigos não só em relação a sexo e violência, mas também a consumo de produtos, de alimentos. Porque consumismo é uma doença, destaca Edgard Rebouças.>
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YOUTUBE PRECISA TER REGULAMENTAÇÃO, DEFENDEM ESPECIALISTAS >
Quando um jovem engraçado enche uma banheira com chocolate ou fabrica uma jujuba gigante, por trás dessa farra ele está, na visão dos críticos, incentivando maus hábitos de consumo e de alimentação, outro perigo em um país onde a obesidade já virou epidemia entre os mais novos.>
A jujuba gigante foi apenas um dos muitos vídeos com esse tipo de apelo no canal do youtuber Luccas Neto, de 26 anos, que tem mais de 17 milhões de seguidores, a maioria crianças. Ele afirma que abandonou esse perfil e tem focado em conteúdos educativos.>
Especialistas ouvidos defendem que, assim como os autores dos vídeos têm que ser responsabilizados pelo que falam e publicam na Internet. Da mesma forma que a plataforma deve se responsabilizar pelo que veicula.>
É muito fácil falar que pai e mãe têm que acompanhar o que os filhos estão vendo. Os pais têm uma função importante, claro. Mas não dá para jogar essa responsabilidade só na família. As crianças estão no ambiente virtual. Isso é fato! O Youtube foi feito para usuários acima de 18 anos, mas ignora isso e se abstém de responsabilidades, critica a advogada Livia Cattaruzzi, do programa Criança e Consumo do Instituto Alana.>
Para Livia, assim como já existe indicação etária no cinema e na televisão, deveria haver no Youtube. A Google alega que os produtores de conteúdo devem colocar essa indicação. A plataforma não divide responsabilidade.>
Censurar não é o caminho. Não pode haver censura prévia. Até porque isso é difícil. Por minuto, são publicados, em média, 400 vídeos no Youtube. É um tema complexo, diz a advogada.>
O Youtube tem feito tentativas para dar aos pais maior controle sobre o que os filhos vêem, como o aplicativo Youtube Kids, que permite direcionar o conteúdo de acordo com a faixa etária do pequeno usuário. Mesmo assim, especialistas enxergam falhas nele: A criança fica menos vulnerável. Mas o aplicativo não proíbe totalmente a publicidade. Tem conteúdo impróprio ali, aponta Livia.>
Sem a responsabilização do Youtube, fica difícil tomar qualquer medida, como destaca a advogada Sandra Rogenfisch, que atua na área de Telecomunicações, Mídia e Tecnologia. Na visão dela, a empresa não pode lavar as mãos.>
Ele pode criar mecanismos de bloqueio, o que pode beneficiar até adultos. A tecnologia existe, dá para investir nisso. Por exemplo: pode determinar que cada um que subir um vídeo na plataforma faça uma recomendação de conteúdo, descrevendo o que vai abordar.>
Acredito que estamos passando por momento de transição, onde o certo e o errado são meio obscuros. Não quero dar ao Youtube o papel de censor, mas em conjunto com sociedade ele pode ajudar na educação, fazer parte dessa responsabilidade de conscientizar, diz Sandra.>
Para os pais>
As pesquisas>
Pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Comitê Gestor da Internet (CGI) aponta que, em 2016, cerca de oito em cada dez crianças e adolescentes (82%) com idades entre 9 e 17 anos eram usuários de internet, o que corresponde a 24,3 milhões de crianças e adolescentes no país.>
Não apropriado>
O percentual de internautas de 11 a 17 anos que tiveram contato com vídeos de conteúdos mercadológicos foi de 69%. Outros 62% foram expostos a propagandas ou publicidade em redes sociais. Mais de 40% tiveram contato com propaganda ou publicidade não apropriada para a sua idade.>
Unboxing>
Entre os vídeos mais assistidos por crianças, 31,6% eram dessa categoria, os unboxing ou abrindo caixas.>
Visualizações>
Em 2015 as visualizações de crianças de até 12 anos na plataforma totalizavam 26 bilhões, número que saltou para 117 bilhões em 2017.>
Para crianças>
Entre os 100 canais do YouTube de maior audiência no Brasil, 48 abordam conteúdo direcionado a crianças de 0 a 12 anos, segundo pesquisa da ESPM Media Lab.>
Denúncias>
De acordo com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), 20 vídeos do YouTube voltados para o público infantil estão sendo examinados após denúncias.>
Mais segurança>
Opção kids>
Administre as redes sociais de seu filho. Caso a mídia social ou streaming de vídeo tenha uma versão kids, como YouTube Kids, opte sempre por ela.>
Controle>
Apps como Kids Place ou Kids Zone alteram a configuração do tablet para temas infantis, restringindo o conteúdo à idade da criança.>
Localização>
Para crianças maiores, de 5 a 10 anos, apps como Kaspersky Safe e Controle Parental Safe Family informam localização, conversa e acesso à internet.>
Fontes: Pesquisas TIC Kids Online Brasil e ESPM Media Lab; Proteste>
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