Publicado em 2 de março de 2018 às 21:33
O filósofo Sérgio Barbosa coordena grupos de conversa de homens condenados pela Lei Maria da Penha no Estado de São Paulo. Ele explica o caminho necessário para que o homem entenda o seu papel nos dias atuais.>
O que é ser homem na sociedade?>
Um homem deve cumprir papéis sociais. São regras que rotulam e criam angústias, frustrações e medos. Não é possível sair de determinados papéis sem sofrer retaliações sociais. Não é possível demonstrar afeto sem ser rotulado como fraco. É necessário sempre demonstrar força, razão e poder. A imagem vem mudando. Já não produzem heróis ou vilões com estas marcas sociais. Já há uma possibilidade de demonstrar afeto, carinho e cuidado sem ser rotulado. Há toda uma geração de homens que compreendem a necessidade de ser diferente. De não repetir os mesmos padrões. Tratar a si mesmo com mais cuidado. Tratar e respeitar as mulheres. Dedicar mais tempo aos filhos. Desenvolver uma atitude mais afetuosa.>
Como se dá o processo de formação da masculinidade?>
>
Esse processo se dá pela socialização. Desde pequeno homens ensinam a outros homens como devem se comportar. Há uma tirania que produz homens para a dominação e para o controle. A masculinidade é produzida para refutar tudo aquilo que se aproxime ao feminino. A masculinidade desta forma passa a ser dominadora. Castra os sonhos. E os homens acabam se tornando vítimas desta castração e como consequência vem a agressão às mulheres.>
Por que, em pleno século 21, homens ainda agridem mulheres?>
Porque não entenderam que as mulheres querem equidade. Serem reconhecidas diferentes, mas não desiguais. Homens ainda tratam as mulheres como uma segunda pessoa. Homens agridem mulheres por razões que não estão nas mulheres, ou seja, o problema da violência contra a mulher é um problema do homem. Somos nós que devemos parar e refletir com outros homens porque há ainda tanta violência. E a violência é de todos os tipos. Parece pequeno elogiar uma mulher pelo seu vestido, pelo seu cabelo ou pelo perfume. É violência pois o homem coisifica a mulher. Não se elogia, em muitos casos, pela inteligência, pela capacidade. Toda vez que se coisifica a mulher, tornando-a objeto é uma violência.>
Como se criou essa masculinidade de não aceitar a igualdade entre homem e mulher?>
Essa masculinidade surgiu pós-patriarcado. Pois no patriarcado as estruturas sociais são criadas para legitimar, justificar e reproduzir o padrão entre homens e mulheres.>
Como e por que surgiu o grupo de conversa de homens condenados pela Lei Maria da Penha?>
Surgiu da necessidade de quebrar com o sentimento de impunidade. Muitos homens reincidiam no crime de agressão contra a mulher porque pagavam cestas básicas, trabalhos comunitários ou multa. Eu temo que isso esteja voltando com a tornozeleira eletrônica. Ela não educa. Ela priva o contato. Mas isso não é suficiente. A tornozeleira fica sem bateria. Tem prazo. Somente com uma educação reflexiva é possível desconstruir o machismo que foi estruturado por anos naquele homem. Montamos os grupos para diminuir a reincidência, o que estamos conseguindo, além de mostrarmos a necessidade de reeducação destes homens.>
O que os homens precisam aprender sobre o feminismo?>
Precisamos entender que nosso modo de agir e pensar prejudica homens e mulheres. Estamos usando camadas, disfarces e fantasias para sustentar algo que não é mais real. O feminismo trouxe a possibilidade de uma profunda reflexão sobre a nossa educação. Sobre o jeito que homens são educados desde a infância. Uma reflexão sobre os relacionamentos. Uma reflexão sobre as instituições que colocam nós, homens, como portadores das verdade. É necessário mais mulheres na política para que haja um questionamento mais profundo nas elaborações de leis neste país.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta