Publicado em 13 de fevereiro de 2013 às 18:42
Olhar o corpo não é problema para Mary Del Priore. Muito menos falar das mudanças que vêm ocorrendo na estética das mulheres ao longo das décadas. Aos 60 anos, a historiadora que foi professora na Universidade de São Paulo (USP) e fez doutorado na França , fala sem travas, sem tabus, sem moralismo e de um jeito que incomoda muita gente. >
Vivemos numa sociedade de imagens, que idealizam mulheres magras, jovens e sem rugas, modelo atrás do qual todas correm. Mas é um tipo de beleza que não tem a ver com a nossa cultura. A mistura de raças que há no Brasil resulta numa mulher curvilínea. A brasileira é escrava do espelho, não tem identidade. Tem identificação, dispara.>
Há mais de duas décadas, ela investiga temas relacionados às mulheres. A autora do best-seller como Corpo a Corpo com a Mulher (Ed. Senac SP) ou História da Mulher com o Brasil (Ed. Unesp) que lhe rendeu o Prêmio Jabuti , é, antes de tudo, uma especialista em história brasileira.>
Com 36 livros publicados, 20 prêmios literários, Mary tem muito o que falar. E a que observar. Prestes a lançar Conversas de Mulher (Ed. Planeta), ela afirma que as brasileiras são machistas. E diz odiar a boneca Barbie. Foi nesse momento que a brasileira começou a ficar obcecada em ser loira, magra e consumista.>
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Na semana do carnaval, ela fala a respeito de machismo, feminismo e sobre a mudança do corpo, inclusive das mulheres que se exibem à frente das baterias de escolas de samba. Festa da qual ela não gosta. É uma falsa liberdade. Depois que acaba, volta tudo ao normal: os homens vestindo terno e gravata, e todos voltam a criticar a vida alheia, como se nada tivessem feito nesses dias de folia. Prefiro cuidar das rosas no quintal de casa.>
Por que a beleza é tão importante em nossa cultura?>
Vivemos numa sociedade de imagens, que idealizam mulheres magras, jovens e sem rugas. Mas é um tipo de beleza que não tem a ver com nossa cultura. A mistura de raças que há no Brasil resulta numa mulher curvilínea. Aquilo que chamamos de morenidade da mulher brasileira desapareceu para dar espaços às figuras esguias, loiras e de seios grandes, enquanto a brasileira é mais baixa, tem seios pequenos. Isso é grave, pois temos um país com minorias negras muito grandes. Esse modelo perverso deixa a autoestima de muitas meninas e mulheres fragilizada. Estamos sacrificando nossa identidade física.>
Que corpo é esse que a mulher quer ter?>
O corpo no Brasil é relacionado à classe social. As mulheres que têm condições financeiras pagam personal trainer, fazem regime e plásticas e vão ter o corpo modelado, de acordo com os modismos que chegam a ser semelhantes ao corpo da boneca Barbie. E isso acontece desde quando elas começaram a trabalhar, que passam a ter o quadril reduzido, o cabelo loiro e serem peitudas como a boneca. As mulheres menos abastadas acabam comendo de tudo e têm um corpo de gostosa. Essa é a mulher filé, que tem nádegas amplas, coxas grossas. E esse corpo passa pela aprovação do olhar masculino. As mulheres têm o impulso de só se enxergar através do olhar masculino. Até os anos 70, havia infinitas possibilidades de ser bela. A mulher deveria ser bela na rua e também em casa. Ela tinha sempre de estar apresentável. Mas não havia uma retórica sobre o tipo físico que ela deveria ter. Atualmente, homens e mulheres estão bombados, e os corpos parecem ser montados em partes. Ambos estão ficando parecidos.>
As mulheres ainda são submissas ao espelho?>
A mulher tem dificuldade de deixar para trás o padrão de ser desejada. Ela precisa da aprovação do olhar masculino. O século 20 é o século do corpo, e o que vemos no Brasil é que a mulher é escrava do espelho. Ela está preocupada em ser gostosa e em emagrecer. Isso precisar mudar para ela deixar de ser essa escrava. É muito narcisismo. A mulher brasileira não tem identidade, ela tem identificação.>
Por que tanta neurose?>
No decorrer deste século, a brasileira se despiu. O nu, na tevê, nas revistas e nas praias incentivou o corpo a se desvelar em público. A solução foi cobri-lo de creme, colágeno e silicone. O corpo se tornou fonte inesgotável de ansiedade e frustração. Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas em salvar nossos corpos da rejeição social. É uma nova forma de submissão feminina, a do espelho. Não em relação aos pais, irmãos, maridos ou chefes, mas à mídia. Não vemos mulheres liberadas se submeterem a regimes drásticos para caber no tamanho 38? Não as vemos se desfigurar com as sucessivas cirurgias plásticas, negando-se a envelhecer com serenidade? Se as mulheres orientais ficam trancadas em haréns, as ocidentais têm outra prisão: a imagem. A mulher também está solitária, tanto que as manchetes de revistas femininas continuam ensinando formas de agradar aos homens. E, até o ano de 1980, a preocupação das revistas era com o bem-estar da família.>
As mulheres ocupam grandes cargos, têm corpos sarados e brilham no carnaval. Mas a mulher ainda é julgada ao usar um microvestido. Somos um país machista?>
Em casa, as mulheres brasileiras são machistas. Não deixam o marido lavar uma louça ou o filho lavar a roupa. Querem ser chamadas de docinho e ser esse objeto comestível. No ambiente externo, são independentes. Mas, em casa, querem ser tratadas como princesas. Como se fosse num conto de fadas.>
O que mudou entre a sua geração de mulheres e as de quem têm 20, 30 anos hoje?>
As jovens são descoladas e menos machistas. Não só transam, mas buscam a sexualidade com liberdade. Têm uma vida saudável e valorizam a vida ao ar livre. Ninguém está preso numa prisão. Podem ficar com meninos ou meninas. As camisas de força estão caindo. A próxima geração será de uma flexibilidade maior pelo corpo e com respeito por ele.>
Além das cirurgias plásticas, hoje também existe a obsessão pela magreza...>
Essa questão é mundial. A mulher magra está sempre associada à adolescência. Traz embutida a noção de que é uma característica da juventude. E isso não está sendo pensado como política de governo. Não estamos pensando em como envelhecer. A depilação excessiva que as brasileiras tanto gostam também remete ao sexo da menina na juventude. Acho que no fundo a mulher quer ser magra e bonita para ela mesma.>
Carnaval é a época que as mulheres brilham na avenida como rainhas de bateria. Gosta de assistir?>
Não gosto de carnaval, prefiro a festa de São João. Não gosto dessa falsa liberdade do carnaval, onde, depois que acaba, volta tudo ao normal, os homens vestindo terno e gravata, e todos voltam a criticar a vida alheia, como se nada tivessem feito nesses dias de folia.>
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