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Encontro de almas: 'Adotei minha filha no Malawi'

Encontro de almas: "Adotei minha filha no Malawi"

A consultora de moda Vanessa Rosário conta como foi a primeira vez em que encontrou a filha Maria Eva, na África

Publicado em 4 de maio de 2018 às 19:33

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Vanessa Rosário e Felipe Tessarolo: pais da pequena Maria Eva Tadala, que está morando no Estado há 40 dias. (Larissa Dias Barros)

A consultora de moda Vanessa Rosário nunca vai esquecer o dia 18 de dezembro de 2017. Era tarde no Malawi, país da África, o céu estava alaranjado e as crianças cantavam com sorrisos no rosto. Numa sala minúscula, no orfanato em Lilongwe, ela conheceu a filha Maria Eva Tadala. “Um reencontro. Porque tenho certeza que ela é minha filha. Só nasceu num CEP diferente”, conta.

Vanessa fica emocionada ao relatar o momento em que viu pela primeira vez a filha, hoje com 1 anos e dois meses. “Na sala eram cerca de 20 crianças e eu fiquei parada. Uma delas, que estava sentada, surtou. Batia na mesa, queria ver minhas unhas pintadas, chamar a minha atenção. Não sabia se era um menino ou menina, porque eles são parecidos e usam roupas iguais. Quando saí, a irmã que toma conta deles me disse que se chamava Maria, nome que já tinha escolhido. Naquele momento tinha conhecido minha filha.”

Maria Eva é uma das cinco crianças do Malawi – país mais pobre do mundo – adotada por casais brasileiros. Após duas viagens ao país, meses de incerteza, choros e abraços, Vanessa conta, com exclusividade, todos os detalhes desse encontro entre mãe e filha. Um encontro de almas.

A primeira vez no Malawi

Não sabia nem que o Malawi existia. A primeira vez que fomos pra lá foi em dezembro e a impressão, ao chegar, no caminho do aeroporto até o hotel, é a de uma savana, com o sol laranja e muitas árvores. Ao mesmo tempo, na capital Lilongwe, a gente se deparou com a pobreza. O país - que foi devastado pela epidemia da Aids – é marcado pela fome e não tem fila para adoção. As crianças são abandonadas nos orfanatos.

O encontro

O encontro aconteceu em 18 de dezembro de 2017, no nosso primeiro dia no país. Chegamos e fomos direto no orfanato, que é da Madre Teresa de Calcutá. Basta levar um documento. As visitas aconteceriam no outro dia. Nesse orfanato as crianças, de 2 a 6 anos, foram enfileiradas na nossa chegada e começaram a cantar – metade em inglês, metade em chewa (língua local) – sejam bem-vindos e que Deus os abençõe. Eu chorei. Saí do Brasil sabendo que seria uma menina, de cerca de um ano, e que o nome seria Maria. Antes de ir embora entrei num espaço muito pequeno, com cerca de 20 crianças, e fiquei parada. Uma delas, que não dava para saber se era menino ou menina, batia na mesa, queria ver minhas unhas pintadas, fez de tudo para chamar a minha atenção. Olhei e fiquei assustada. Na saída, perguntei para a irmã responsável pelo abrigo o nome daquela criança. Era Maria. Desci a escada e quando encontrei o meu marido falei: “Conheci a nossa filha”.

Refeição única

No outro dia fomos cedo para o orfanato brincar e pedi para pegarem o bebê. A colocaram no colo do Felipe, ela olhou para ele e suspirou. O olho dele estava cheio d’água, sabíamos que era nossa filha. Visitamos outros orfanatos, levamos brinquedos de Natal para as crianças, comida e roupas, tudo isso sem contar para ninguém daqui. Ficaríamos uma semana por lá e precisávamos fazer a investigação se a criança tinha família. Os pais dela já faleceram, as tias disseram que não tinham condições de ficar com ela. Íamos todos os dias no orfanato e, quando tivemos que vir embora, contratamos uma babá (que pagamos o valor de 40 dólares por três meses, e isso era muito!) para cuidar de Maria porque ela estava com as pernas atrofiadas. Maria não sorria, estava desnutrida e desidratada. A única refeição que ela tinha era maizena com água. É uma pobreza muito grande. Uma semana depois voltamos para o Brasil e eu chorava todos os dias.

Maternidade

Sempre quis ser mãe, mas nunca tive o sonho da barriga e de todo o ritual. Queria o filho, engravidar era apenas parte do processo para tê-lo. Tentei engravidar durante alguns anos e não consegui. Fiz diversos exames até descobrir que não poderia ter filhos. Desde então a possibilidade da adoção sempre esteve presente nas nossas vidas.

Processo de adoção

Juntamos os documentos, demos entrada na Vara da Infância, fizemos petição e o curso de formação, exigido para adotar uma criança no Brasil. No curso, descobrimos que no país temos um problema na destituição familiar. Tem muita criança em abrigos, o problema é que elas não estão disponíveis para adoção. O processo é muito lento, fomos informados que levaria entre sete e dez anos. Ficamos arrasados.

Adoção internacional

Uma amiga, que mora no Canadá, me falou de uma conhecida que tinha adotado uma criança no Vietnã. Por conta disso, fui entender como acontece o processo de adoção no exterior. Após uma pesquisa, selecionei alguns países: Índia, China, Vietnã e Malawi. Na China, por exemplo, vi que as filhas mulheres sofrem muito, já que algumas famílias chegam até a matar as meninas porque preferem filhos homens. Todos os outros países também tinham problemas específicos e o nosso objetivo era tentar mudar a situação de alguma criança. Liguei três vezes para a embaixada do Malawi e, na terceira vez, consegui falar com o embaixador. Ele foi a pessoa mais fantástica que já conversei no telefone. Foi solícito, agradeceu o interesse e disse que as crianças de lá precisavam muito. Essa simpatia me conquistou. Comecei a pesquisar mais sobre o país e vi que eles chamam o lugar de “coração quente da África”. O povo de lá é extremamente feliz, adoram música, são carinhosos. Ao mesmo tempo que o país é considerado pela ONU, pelo sexto ano consecutivo, o mais pobre do mundo. Eles sofrem da pobreza multidimensional, não têm o mínimo para sobrevivência de comida, saneamento básico, saúde e educação. Foi o embaixador que me deu o telefone do Rafael, advogado que também fez o processo de adoção de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso.

O segundo dia mais feliz

Voltamos para o Malawi, pela segunda vez, em fevereiro deste ano, quando marcaram a audiência e ficamos 18 dias no país. Ao reencontrá-la já tinha conquistado peso e engatinhava. A audiência aconteceu no dia 21 de fevereiro e, naquela noite, eu não dormi. A sentença saiu no dia seguinte e este foi o segundo dia mais feliz desta jornada. Naquele momento ela já era nossa filha e a partir de então tudo era novidade.

Adaptação

Tem cerca de 40 dias que Maria Eva está morando com a gente aqui no Estado. Tudo é muito novo para ela como, por exemplo, andar de carro. Mas ela tem facilidade pra entender tudo o que a gente fala. A maior dificuldade é em relação ao sono. Como ela dormia num berçário com outras crianças, ela acorda bastante durante a noite. Ela também só comia uma papa e, por isso, ainda não tem nenhum dente. Uma das razões foi a falta de estímulo à mastigação. Estamos dando comida em pedaços. Mas estamos muito felizes porque uma criança que não ficava em pé já está andando.

País de origem

Queremos que ela vivencie e valorize a própria origem. Jamais vamos esconder isso. Tanto que ela tem o nome africano de Tadala, que, na língua local, significa nós fomos abençoados. Queremos que ela tenha orgulho de suas origens, do seu povo e do seu país.

Preparação para o mundo

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Penso na questão do racismo todos os dias, seja relacionado a cor ou à adoção. O mais importante é criar uma filha que seja forte, consciente da sua história e origem. Falo para ela todos os dias: “Minha filha você é muito amada, foi muito desejada, seu cabelo é maravilhoso. Você é muito linda”. O mais importante é ela saber disso, saber que é amada.

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