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Dia Nacional da Visibilidade Lésbica: insegurança é realidade no ES

Dia Nacional da Visibilidade Lésbica: insegurança é realidade no ES

O mês de agosto é voltado para lembrar as lutas das mulheres lésbicas contra a violência sofrida por elas, e as pautas reivindicadas pelo movimento que ainda sofre muito preconceito

Publicado em 29 de agosto de 2019 às 14:30

1ª marcha pela visibilidade lésbica em Vitória. Organizada pelo coletivo Santa Sapataria Crédito: Thaís Carletti

Dia 29 de agosto é reconhecido como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A data foi criada em 1996, durante o 1° Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), realizado no Rio de Janeiro, para lembrar as lutas das mulheres lésbicas contra a violência sofrida por elas, e as pautas reivindicadas pelo movimento, que ainda sofre muito preconceito.

Mas todo o mês de agosto é dedicado para a visibilidade lésbica, pois também no dia 19 é celebrado o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, em referência a primeira grande manifestação de mulheres lésbicas no Brasil, ocorrida em 1983, em São Paulo. Neste dia, daquele ano, ativistas lésbicas protestaram e ocuparam o Ferro's Bar em São Paulo, em resposta a agressões lesbofóbicas ocorridas semanas antes no local.

A jornalista e integrante do coletivo Santa Sapataria, Carolina Maria Crédito: Acervo pessoal

PORQUE É IMPORTANTE FALAR SOBRE A VISIBILIDADE LÉSBICA?

Carolina Maria, jornalista e integrante do coletivo Santa Sapataria - coletivo de mulheres lésbicas atuante em Vitória -, afirma que até mesmo dentro do movimento LGBTI+ , os homens ainda conseguem ter mais ‘voz’ do que as mulheres.

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O fato de os homens terem mais voz até mesmo dentro do movimento acontece porque vivemos em uma sociedade patriarcal e machista

Carolina Maria, Jornalista
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Carolina explica ainda que o primeiro movimento LGBT nasce com uma ideia de que era somente formado por homens gays. Por conta disso, ocorreram mudanças até mesmo na nomenclatura, que antes era GLS, depois passou para GLBT, e, logo em seguida, para LGBT, trazendo o L, de lésbicas, para frente, a fim de tirá-lo da invisibilidade. “Foi uma adequação simbólica, mas muito importante para a discussão desse assunto”, afirma a jornalista.

1ª marcha pela visibilidade lésbica em Vitória. Organizada pelo coletivo Santa Sapataria Crédito: Thaís Carletti

A INVISIBILIDADE

As mulheres lésbicas ainda têm suas relações apagadas em diversos âmbitos da sociedade, principalmente por conta de que, muitas vezes, essas relações ainda são fetichizadas e ligadas aos desejos masculinos. 

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A mulher lésbica ainda é vista como um fetiche do homem, quando na verdade estamos gritando e dizendo que as nossas relações existem

Carolina Maria, jornalista
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Vale ressaltar que, no caso de mulheres negras e periféricas, essa violência e apagamento é ainda maior. “Sobre elas recai uma carga muito maior de preconceito, pois os processos são: se reconhecer como negra em uma sociedade preconceituosa, e se perceber mulher e lésbica”, afirma a jornalista. Que complementa: “É um acúmulo de vulnerabilidades, pois quanto mais à margem da sociedade você está, mais esses preconceitos se acumulam”.

Buscando mudar um pouco essa realidade no âmbito virtual, e após protestos do movimento LGBTI+, em 19 de junho deste ano, o Google modificou o seu algoritmo da palavra lésbica, a fim de que ela não fosse mais sinônimo de pornografia nas buscas. Ou seja, quando pesquisada a palavra “lésbica”, a partir de agora, outros resultados, diferentes daqueles relacionados com a pornografia, é que irão aparecer. 

OS RELACIONAMENTOS

A psicóloga e integrante do coletivo Santa Sapataria, Gabriela Boldrini Crédito: Arquivo pessoal

A psicóloga Gabriela Boldrini pontua que, muitas vezes, a primeira unidade de preconceito ocorre na família. Sendo assim, a criança ou o adolescente ficam sem suporte. “E essas pessoas as vezes acabam ficando na invisibilidade como uma forma de proteção. É como um recurso que utilizam ou são submetidas”, completa ela.

Dessa forma, muitas mulheres não assumem os seus relacionamentos. “A sociedade vê a mulher lésbica como alguém que nega todos os aspectos impostos pela feminilidade, acham que elas não querem ser mães, em entre outras coisas, e sabemos que não é assim. Por esse viés é que ocorre o apagamento das relações afetivas”, avalia Gabriela, que complementa: “Duas mulheres lésbicas podem passar a vida toda juntas como ‘amigas’ para a sociedade, por exemplo. E é por isso que se faz tão importante o discurso sobre a visibilidade”.

1ª marcha pela visibilidade lésbica em Vitória. Organizada pelo coletivo Santa Sapataria Crédito: Thaís Carletti

A LESBOFOBIA

Lesbofobia é a discriminação sofrida por mulheres lésbicas, e se caracteriza assim, pois além do preconceito sofrido em razão da orientação sexual, essas mulheres também são vítimas do machismo. “A lésbica vai lutar com as duas forças, uma contra o machismo e a outra contra a homofobia”, ressalta Carolina.

Entre as violências sofridas, além da fetichização dos relacionamentos entre mulheres, está o estupro corretivo, termo que se refere ao estupro que tenta "corrigir a sexualidade da mulher lésbica". 

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Esse estupro corretivo tem como base aqueles discursos disseminados na sociedade como, ela é lésbica porque ainda não achou o homem certo, entre duas mulheres não existe prazer na relação sexual, e entre outros, que vão reforçar isso, como se existisse um tipo de sexualidade certa e errada, e as lésbicas não fossem certas nesse modelo

Gabriela Boldrini, psicóloga e integrante do coletivo Santa Sapataria
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O LESBOCÍDIO

De acordo com o dossiê do lesbicocídio no Brasil, criado pelo Núcleo de Inclusão Social (NIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que conduziu a pesquisa, lesbocído é “a morte de lésbicas por motivo de lesbofobia ou ódio, repulsa e discriminação contra a existência lésbica”. E dados desse documento mostram que ao menos 126 mulheres lésbicas foram assassinadas no país entre 2014 a 2017. E dos casos, 71% dos crimes aconteceram em espaços públicos, sendo que 43% dos assassinos eram desconhecidos das vítimas, e 83% das mortes foram causadas por homens.

E segundo dados do Atlas da Violência, lançado este ano, entre os anos de 2015 e 2016, 51,4% das vítimas de violência contra LGBT eram mulheres lésbicas.

Apesar dos números, Carolina Maria explicita que os dados ainda são poucos, pois muitas vezes a violência contra a mulher lésbica passa despercebida pelos órgãos responsáveis e acaba sendo classificada como feminicídio. “Quanto mais específico o recorte, maior o retrato da realidade podemos ter. Mas isso sempre requer muito esforço daqueles gestores, que sejam treinados e entendam esse problema”, complementa ela.

INSEGURANÇA AINDA É REALIDADE NO ESPÍRITO SANTO

No ES, a realidade, apontada pela jornalista Carolina Maria, ainda é de insegurança, seja para andar de mãos dadas com a parceira na rua, até

frequentar bares e casas noturnas. “Inúmeras vezes já passamos por situações de pessoas em bar pedindo para nos retirarmos ou homens falando coisas como ‘dá um beijo aí pra eu ver se são namoradas mesmo’”, conta a jornalista. “A sensação é de que temos sempre que estar pedindo licença para ‘existir’, e ficar em estado de alerta”, finaliza Carolina.

COMO MUDAR ESSA REALIDADE?

A psicóloga Gabriela Boldrini diz ainda que existem meios para mudar essa realidade, porém isso deve ser parte de um movimento de mudança social como um todo, que supere o modelo de sociedade patriarcal e machista, que atribui às mulheres diferentes fatores que as colocam à margem da sociedade. “Outro ponto importante também é repensar esse modelo de heterossexualidade compulsória, ou seja, parar de impor para as meninas, desde cedo, que elas devem brincar de boneca ou ‘casinha’, pois é aquilo que vão fazer na vida adulta”, complementa Gabriela.

Ela avalia também que é preciso investir em políticas sociais de um modo geral: “É preciso priorizar as pessoas, o ser humano, antes de pensar na economia, em mercadorias”, finaliza a psicóloga.

 

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