Publicado em 28 de junho de 2019 às 21:11
João Vitor tem 9 anos, gosta de praticar bicicross e de jogar futebol com os amigos. Mas se diverte mesmo quando está criando joguinhos para celular. Duas vezes por semana, depois das aulas, ele vai para uma escola de programação e robótica para crianças.>
Sim, se engana quem pensa que esse assunto é coisa de adulto. Cursos assim são cada vez mais comuns e atraem uma garotada bem nova. João Vitor começou cedo, aos 7 anos. Já está no terceiro módulo do curso, oferecido por uma rede de franquias com 36 unidades em todo o país.>
Na sala dele, o Bento é outro veterano. Agora a gente está fazendo um jogo. É uma nave que precisa destruir os alienígenas, conta o menino, que também tem 9 anos e é fã de games.>
Da turma, a Anne é a mais nova e a única menina. Aos 7 anos, ela mostra já certo domínio sobre a linguagem de desenvolvimento de aplicativos.>
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Mesmo sendo dessa geração digital, os três têm uma habilidade acima da média em relação à tecnologia. São crianças que, por natureza, são voltadas para o raciocínio lógico, para a matemática. São bem safos nessa área e pegam tudo com facilidade, diz o professor Bernardino José Gonçalves, 24 anos, técnico em informática.>
Precoces>
O professor está acostumado a lidar com esses nerds mirins. Mas ainda assim se surpreende com a precocidade dos alunos. Na idade deles, eu até era curioso, brincava de desmontar os carrinhos de controle remoto. Mas não tinha o acesso aos recursos que as crianças de hoje têm. Comecei a ter contato mesmo com programação depois dos 16 anos, conta Bernardino.>
Ali, Anne, João Vitor e Bento aprendem um tipo de conteúdo que muitos adultos só viam na faculdade de engenharia, por exemplo. Celular e tablet são brinquedos. Por isso, o curso de programação não é nenhum bicho de sete cabeças para essa turminhas, que já vê o mouse do computador como um acessório até meio obsoleto.>
São crianças que estão acostumadas a lidar com celular, tablet. Aqui, só tiveram que aprender a usar o mouse do computador. A turma menor já viu robótica, games 2D e agora está criando aplicativos para smartphone, garante o professor.>
Essas crianças estão lá não só porque se interessam por tecnologia, mas também porque seus pais entendem que essa área vai ser ainda mais importante no futuro e querem que os filhos estejam preparados para qualquer desafio profissional.>
O Bento sempre gostou de videogame, como qualquer criança. Mas percebemos que ele se interessava desde novo em assistir a vídeos sobre o assunto. Achei o curso bem interessante. É um ambiente em que ele se sente à vontade e um conteúdo legal, que ensina lógica, matemática, coisas que lá na frente vão fazer a diferença na vida dele, comenta Anderson Carlos Fiorotti, 46 anos, corretor de imóveis e engenheiro civil.>
Juliana Gerhardt, mãe do João Vitor, também acha que o filho está no lugar certo. Ele sempre foi de mexer nessas coisas. Adora ver canais como o Discovery Channel e outros programas sobre meios de transporte. É fascinado por aviões, diz a autônoma de 39 anos.>
Facilidade>
Filha de um engenheiro de automação e uma médica, Anne cresceu no meio da tecnologia. Ela sempre teve facilidade com matemática. E adora videogames. Não é algo tão comum em meninas. Tanto que ela joga mais com o pai e com os primos, comenta a mãe, Sandra Albano Scherrer Lopes, 39 anos.>
Mesmo considerando o curso de programação um investimento, Sandra diz que a escolha foi da filha. Ela fez uma aula experimental e gostou muito. Sabemos que daqui para frente vai caminhar para isso mesmo. É algo muito natural para as crianças. E se ela escolher essa área no futuro, já vai estar um pouco à frente.>
Anne diz que não sabe o que vai ser quando crescer, se médica, engenheira ou cabeleireira. Um pouco mais velho que ela, João Vitor já visualiza uma carreira. Quero ir para a Aeronáutica, vou ser piloto de avião. Já Bento se vê trabalhando com os sistemas digitais. Quero ser professor de programação.>
CURSOS ESTIMULAM RACIOCÍNIO LÓGICO, MAS NÃO SÃO OBRIGATÓRIOS>
Os cursos de programação para crianças têm se popularizado pelo país, sendo considerados os novos cursos de inglês. De olho no futuro, os pais se animam a fazer esse tipo de investimento na vida educacionais dos filhos.>
Especialistas veem vários benefícios nesses cursos, sobretudo por estimularem o raciocínio lógico, o aprendizado da matemática e outras habilidades que o mundo tecnológico já exige.>
Mas dizem que os pais precisam levar em consideração alguns aspectos antes de matricular a criança na escolinha de informática. Esse tipo de atividade extra-curricular pode ser uma opção muito boa desde que a criança goste da área, demonstre interesse e tenha habilidade para isso, observa a psicóloga Adriana Müller, que faz parte do grupo de comentaristas da Rádio CBN Vitória.>
Adriana concorda que as crianças de hoje são de uma geração que interage de forma muito natural com a tecnologia e acredita que os cursos de programação podem ser bem divertidos até para as menores. Elas gostam de desafios lúdicos, de entender o que está por trás. Antigamente, as crianças montavam e desmontavam os brinquedos que ganhavam, tentando entender o funcionamento deles. Algumas têm isso mais exacerbado do que outras, por características pessoais mesmo. E nesses cursos vão poder aprender a lógica que existe por trás daquilo que utilizam, dos jogos que jogam, cita ela.>
Leonardo Carraretto, especialista em marketing, inovação e educação, defende que aprender programação na infância pode ser realmente útil.>
Não vejo como regra. Não é que toda criança tem que fazer. Mas acho que se ela tem curiosidade, interesse pelo assunto, não vejo problema algum.>
Capacidade>
Para os pequenos, diz Carraretto, a maior dificuldade não é nem aderir à tecnologia, e sim de refletir sobre como utilizar isso. Por isso, o quanto antes tiverem contato com esse conteúdo, mais propensos estarão a desenvolver essa capacidade crítica.>
Mas não pode ser uma experiência forçada. Muitos pais vão partir do princípio que é um investimento para o futuro, e aí vão pressionar o filho. O melhor é ir devagar. Pode matriculá-lo para um semestre, ver se ele gosta, sem tanta expectativa. Porque são crianças. O conteúdo tem que ser lúdico, sem o peso da cobrança, ou deixará de ser divertido, deixará de ser adequado para elas, ressalta Adriana.>
Além de toda a parte lógica, diz Adriana, as aulas são boas do ponto de vista da socialização, da autonomia, da criatividade. Mas cursos assim não devem ser vistos como a única opção para desenvolver essas habilidades. Se a criança não gosta de programação, pode fazer outra atividade. A música, por exemplo, também ajuda a desenvolver raciocínio lógico, o trabalho em equipe e a criatividade.>
Os pais precisam ter em mente, porém, que os cursos de programação significam mais horas diante de telas para meninos e meninas que já gastam tempo demais com celulares, tablets e videogames. Já há estudos relacionando essa exposição à tecnologia a diversos problemas de saúde físicos e mentais em crianças e adultos.>
Cabe à família administrar esse tempo em casa. Não é simplesmente desligar o computador ou o videogame do filho. Vai desligar e ele vai fazer o quê? Tem que oferecer atividades sem tela que sejam interessantes, integradoras da família, que façam sentido, como andar de bicicleta, jogar bola..., destaca a psicóloga.>
A pedagoga Claudia Prados tem outra visão sobre a inserção de crianças tão novas, de 7, 8 anos de idade nas escolas de programação. Não vejo vantagem nenhuma de fazer a criança passar horas em frente uma tela só para refinar uma habilidade. O tempo de ser criança é muito limitado. É tempo de brincar, de ralar o joelho no calçadão andando de patinete... Não se trata de isentá-la do conhecimento, mas repensar sobre o momento certo, que acho que pode ser mais tarde, na adolescência, pondera ela.>
Consequências>
Anderson Fiorotti, pai do Bento, de 9 anos, não vê malefícios nesse tipo de conteúdo para o desenvolvimento do filho, mas se diz atento as consequências que esse tipo de conhecimento pode trazer.>
Claro que se deixarmos, ele fica jogando videogame até meia-noite. Mas acho uma utopia falar que criança dessa idade só pode ficar uma hora e meia diante de telas. Colocamos limites, como a hora de dormir, de fazer o dever de casa. Conversamos sobre ciberbullying, orientamos sobre não passar senhas para ninguém. E o curso não é barra forçada. Ele adora! Não é um menino com dificuldades de se relacionar. Se soltamos uma bola, ele vai brincar como qualquer criança, comenta Anderson.>
CURSOS DE PROGRAMAÇÃO PARA CRIANÇAS: VANTAGENS E CUIDADOS >
Vantagens>
- Estimula o raciocínio lógico, a organização de pensamento>
- Ajuda na socialização, pois ensina sobre trabalho em equipe>
- Trabalha a autonomia>
- Estimula a criatividade>
- Trabalha a linguagem de programação e o inglês técnico>
Alguns cuidados>
- A criança precisa ser orientada e protegida. Por isso, converse sobre o que o filho está acessando, fale sobre limites e perigos do mundo da Internet>
- Não pressione a criança a fazer o curso, pois ela pode perder o interesse>
- Entenda que esse tipo de curso não é a única forma de ajudá-la a desenvolver o raciocínio lógico. Há diversas formas de trabalhar essas habilidades>
- Não sobrecarregue a criança com atividades extra-curriculares. Permita que ela tenha tempo livre para brincar, fica à toa>
- Vale entender que cursos assim significam horas a mais de tela. Isso tem que ser dosado em casa. Mas não desligue o computador ou proíba o videogame. Ofereça outras atividades interessantes, de preferência que sejam feitas em família, como andar de bicicleta, jogar bola etc>
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