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Covid-19: como falar de morte com as crianças

Covid-19: como falar de morte com as crianças

O Estado já atingiu mais de mil óbitos com a pandemia do coronavírus, e muitas famílias estão tendo que lidar com essa situação. Especialistas explicam que é importante ser honesto com a criança, inclusive quando o assunto é a perda de um familiar querido

Publicado em 16 de junho de 2020 às 13:00

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Como falar de morte com a criança
A psicanalista Bianca Martins explica que a maioria dos adultos possui a fantasia de que, ao esconder, estará protegendo a criança. "Isso é um erro", garante ela. (Shutterstock)

Seria ótimo poder consultar um manual para saber o que dizer na hora de manifestar seu apoio a alguém que acabou de perder um ente querido. Infelizmente, tal manual não existe, o que torna ainda mais difícil passar por essas situações sem constrangimento. Se para o adulto já é difícil lidar com a morte, imagina para a criança. Aliás, como falar de morte com o pequeno? Nesse período de pandemia, onde o Espírito Santo já atingiu mais de mil óbitos, muitas famílias estão tendo que lidar com a situação.

A psicanalista Bianca Martins diz que independentemente da idade e da situação não se deve mentir ou esconder o fato das crianças. "O adulto deve ser sempre honesto com a criança com relação à vida, dizendo o que está acontecendo e o porque, tudo de acordo com a possibilidade de entendimento da criança", diz. Ela conta que a maioria dos adultos possui a fantasia de que, ao esconder, estará protegendo a criança. "Isso é um erro. E quando isso acontece tira a capacidade de enfrentamento. Muitos pais caem na ilusão de não falarem no assunto", diz.

Djenani da Silva e Halen Martins com os filhos Maria Eduarda e João Pedro.
Djenani da Silva e Halen Martins com os filhos Maria Eduarda e João Pedro. "Conversei com eles. Não escondi as mortes que aconteceram há 3 anos". (Divulgação)

João Gabriel e Maria Eduarda, de 13 e 8 anos respectivamente, filhos da administradora Djenani da Silva, aprenderam a lidar com a morte de pessoas queridas. Eles perderam a avó e duas tias há 3 anos. "Não foi fácil, mas preferi não esconder nada. Fui direta e conversei com eles. Não tinha como esconder porque estava muito triste", conta a mãe. As crianças choraram, viveram o luto e entenderam o ciclo da vida. "Viver o luto nos tornou mais fortes para lidar com outras situações ao longo da nossa história", diz Djenani. 

Luto na época da covid-19

Claro que ninguém espera que o familiar morra, mas Bianca diz que é preciso conversar sobre o doente, principalmente se ele estiver internado. "Tem que ir preparando a criança, dizer que a pessoa está muito doente. Ela entende que o corpo humano é frágil". A conversa é fundamental porque não está acontecendo os ritos de despedida. "Essa falta impacta primeiro na vida do adulto, para depois ocorrer na criança. E é importante apresentar a criança ao rito de despedida porque é uma forma de orar pelo morto e lembrar de nossa relação com ele. É importante que se construa uma imagem sobre a morte".

A psicanalista acrescenta ainda que se deve conversar sobre o assunto desde bebê. E que demoramos cerca de um ano para viver todo o luto. "É o tempo de reorganizar todos os afetos até conseguir desprender toda afetividade da pessoa. Leva um tempo para refazer os planos, reencontrar quem é você dentro da família, se reposicionar de outro jeito e a criança não consegue fazer isso sozinha". Passar pelo luto é algo saudável e se não acontece pode trazer consequências no futuro. "Essa criança pode se tornar um  adolescente que não consegue lidar com o fim de um namoro ou, na fase adulta, não aceitar a perda de um emprego".   

Forma realista

A psicanalista Cássia Rodrigues explica que a perda significa deixar de conviver, de ter alguma ligação. "Cabe sempre às pessoas, que têm maturidade emocional, construir na cabeça da criança o que é uma perda. Não temos que fantasiar. É preciso saber trabalhar esse momento. Se a pessoa não souber construir essa perda ela fica fixada emocionalmente na etapa da perda".

O adulto precisa passar essa perda de forma realista para a criança. "As dores precisam ser choradas e vividas. As etapas do luto duram, no mínimo,  um ano. Elas precisam ser vivenciadas e tem gente que fica no estado de negação por 3 meses, que é o primeiro dos cinco estágios. Lembrando que crianças vivem processos de luto como os adultos, necessitam de acolhimento e cuidado". 

5 estágios do luto

Negação: a pessoa nega a situação. Não aceita a perda. Geralmente fica se fazendo perguntas como: “e se eu tivesse interferido?”.

Raiva: o indivíduo fica com raiva da perda ter acontecido com ele e não com outra pessoa. A pessoa se sente injustiçada.

Depressão: são sentimentos de tristeza, solidão e saudade. É uma fase que precisa de muita conversa e intervenção das pessoas que fazem parte da rotina do enlutado.

Negociação: é a fase em que a pessoa começa a negociar. O indivíduo procura alternativas para aliviar a dor. Pode ser uma promessa para Deus, pode ser discurso como “serei uma pessoa melhor” ou “vou ter uma vida mais saudável”.

Aceitação: é o estágio em que o indivíduo não tem desespero e consegue enxergar a realidade como realmente é, ficando pronto para enfrentar a perda ou a morte.

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