Publicado em 5 de setembro de 2019 às 01:16
Em dias de correria, de várias tarefas para cumprir, esquecer onde ficou a chave do carro ou o nome de um morador do prédio pode ser chato, mas é normal, acontece. E quando a velhice chega isso pode ser até mais frequente.>
Certos esquecimentos, porém, merecem atenção. Principalmente se a pessoa passou dos 60 anos e começa a não se lembrar de coisas que faz todos os dias, por exemplo como coar um café. É sinal de que algo mais sério pode estar por vir: o Alzheimer.>
Falhas>
As pequenas falhas na memória daquele parente são coisas da idade ou um sinal de que essa doença neurodegenerativa está chegando?>
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Tem algo que é normal do próprio envelhecimento. O idoso tem a capacidade de processamento da informação um pouco mais lenta. Não que cometa erros, só demora mais. Quando ele sai e tem várias tarefas para fazer, esquecer uma delas não é preocupante. Pode acontecer com qualquer um de nós. Pelo menos 35% da população tem queixa de memória, em qualquer idade, diz o neurologista Rodrigo Rizek Schultz, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz).>
Frequência>
Um fator que deve ser observado, segundo o médico, é se esse episódio foi algo isolado ou ocorre com mais frequência.>
A pessoa começa a guardar coisas em lugares estranhos, como a chave dentro geladeira. Ou seja, ela vai posicionando coisas do dia a dia em locais atípicos. E passa a não dar conta de tarefas simples, como se vestir com a roupa adequada para determinada situação ou ir ao supermercado, fazer cálculos de dinheiro, pagar conta em banco..., cita a geriatra Juliana Gama, diretora científica da Abraz no Estado.>
Pequenos sinais que podem ser confundidos com algo típico da velhice. Não é repentino, de uma hora para outra. Vão se passando meses e anos, e a família continua não valorizando esse conjunto de sinais. Quando percebe, tem dois anos, observa a médica.>
Na fase mais inicial, o Alzheimer não compromete muito a rotina do paciente, que continua desempenhando suas funções sem precisar de ajuda. É algo leve, porque ele continua tocando a vida, é independente para tudo. Mas caracteriza já uma anormalidade, destaca o neurologista.>
O problema, segundo Juliana, é que quando os familiares se dão conta de que algo está errado, a doença já pode ter se instalado com mais força.>
Se esses episódios estão acontecendo, não pode demorar para levar a pessoa a um especialista, que pode ser geriatra, neurologista ou psiquiatra. Se entrar logo com diagnóstico adequado e com o tratamento, tanto medicamentoso quanto multiprofissional, você consegue controlar uma evolução rápida da doença, aponta ela.>
A doença age matando neurônios>
O Alzheimer age matando os neurônios e causando um declínio das funções cognitivas, interferindo nas capacidades de trabalho, no comportamento, na personalidade da pessoa. É um transtorno progressivo, sem cura. E não há um exame que o detecte.>
Por isso, não é simples descobrir que há algo errado. Até para os médicos. Não dá para avaliar tomando como exemplo apenas um acontecimento. É um critério bastante subjetivo.>
Dificuldades na memória são, certamente, um sintoma comum. Mas não é qualquer memória. Outro dia, no consultório, ouvi o caso de uma senhora de 77 anos que foi a uma festinha infantil, de uma amiguinha da neta. Em determinado momento, ela perguntou para a filha que horas eles iriam apagar as velas, sendo que já tinha cantado o parabéns 15 minutos antes. Essa memória imediata deveria ter sido guardada. É diferente de esquecer se falou com uma ou outra pessoa na festa, aponta Schultz.>
Comportamento>
Pode não ser tão fácil concluir que alguém está com sintomas desse tipo de demência. Mas o que dá para perceber é que a pessoa mudou, segundo a geriatra. Muda a personalidade dela. Ela fica estranha, começa a usar um tom mais irritado, mais severo com os outros.>
Às vezes, o próprio paciente sente a mudança. Um terço reconhece que tem alguma doença, afirma o neurologista.>
Muitas vezes, complementa Juliana, nem é alguém da família que detecta o problema. Já aconteceu de o porteiro do prédio avisar a família que a pessoa pode estar com Alzheimer.>
A doença não tem classe social e pode afetar pessoas relativamente jovens. Há poucos casos abaixo dos 65 anos. Mas não são raros, esclarece Schultz.>
Diante do diagnóstico, a saída é começar a tratar os sintomas. Não existe remédio capaz de impedir a evolução da doença. As drogas atuam controlando sintomas como delírios, a agressividade, distúrbios do sono, apatia..., conta o médico.>
Diagnóstico veio após um grande susto>
Certa vez, ela deixou uma panela de pressão no fogão ligado e foi cochilar. Com filhos, netos e amigos, passou a contar sempre a mesma história, do tempo em que era assistente de enfermagem e fazia partos. Contava uma, duas, dez vezes. A família começou a achar que dona Nádia estava um pouco estranha. Até o dia em que ela desapareceu.>
Minha mãe saiu cedo para caminhar com R$ 50 no bolso e não voltou. Ficou todo mundo doido. Ela só apareceu por volta das 20 horas, só com moedinhas, machucada. Não sabia contar aonde tinha ido, o que havia ido fazer..., relata a funcionária pública Vanessa Ventura, 38 anos, filha de dona Nádia.>
Isso aconteceu 13 anos atrás. O susto só serviu para uma coisa: para alertar a família que algo havia mudado, que aquele comportamento de Nádia não era normal.>
Até então, ela dava sinais. Mas como ela mesma sempre dizia que era muito esquecida, a gente achava que era coisa da idade, distrações. Quando ela se perdeu, começamos a pesquisar mais. E decidimos procurar uma psicóloga e um médico, diz Vanessa.>
Medo>
Já são 13 anos convivendo com o Alzheimer. Todos na família. Passamos a não deixar mais minha mãe caminhar sozinha, começamos a acompanhá-la em tudo. Não a deixávamos mais sozinha em casa porque a gente tinha medo.>
E com o passar dos meses, a doença foi dando as caras de verdade. Na época do diagnóstico, meu pai já estava doente. Ele faleceu em 2010 e ela nem soube, comenta a funcionária pública, que morou com a mãe por muitos anos, até que, junto com os irmãos, decidiu que o melhor para Nádia era frequentar uma casa de repouso.>
Meu filho foi meu braço direito no início. Ele era criança. Hoje, minha mãe não reconhece quase ninguém. Só se lembra de mim e dele, que tem 18 anos, além de uma irmã dela.>
Impacto>
O Alzheimer não era novidade na família, o que não deixou a notícia da chegada da doença ser menos impactante para todos em casa.>
Minha avó teve e umas tias também. Mesmo assim, é chocante. A família sofre muito porque vê isso e não tem como ajudar muito. Não há o que fazer. É muito sacrificante para quem cuida. Mas sabemos que ela não sofre. Sofre quem é o cuidador.>
Cada vez mais distante, dona Nádia, hoje com 87 anos, continua firme, recebendo todo amor da família. É um carinho muito grande que temos por ela. É como um bebê.>
Fique atento>
Os casos - Estima-se que a cada três segundos alguém desenvolva demência no mundo, o que implica mais de 9,9 milhões de novos casos a cada ano. Estima-se ainda cerca de 50 milhões de pessoas vivendo com demência no mundo, e esse índice deverá aumentar para 152 milhões em 2050>
Sobre o Alzheimer - É a forma mais comum de demência causada pela deterioração e atrofia lenta e progressiva do cérebro. A doença não tem cura e os medicamentos apenas ajudam a preservar o que restou da função cerebral, além de possibilitar o tratamento de sintomas secundários como insônia e depressão. Em estágios avançados, os problemas de memória podem vir acompanhados de dificuldade de locomoção, comunicação e deglutição e incontinência>
O cérebro>
Especialistas defendem que o a partir dos 27 anos nosso cérebro muda. Em 2015, pesquisadores da Universidade de Rush mostraram que o Alzheimer pode ter início 18 anos antes dos primeiros sintomas. Após os 65 anos, o risco de desenvolver a doença dobra a cada cinco anos>
O diagnóstico - A certeza do diagnóstico só pode ser obtida por meio do exame microscópico do tecido cerebral do doente após seu falecimento. Na prática, o diagnóstico da doença é clínico, isto é, depende da avaliação feita por um médico, que irá definir, a partir de exames e da história do paciente, qual a principal hipótese para a causa da demência>
As fases - Existem diferentes fases no curso da doença. Assim, a pessoa com demência em fase inicial será capaz de realizar várias atividades com e sem ajuda por anos. Na fase moderada, ela irá requerer maior orientação e apoio, e na fase grave, precisará de cuidado total e amor>
Sinais>
O estágio inicial raramente é percebido. Parentes e amigos (e, às vezes, os profissionais) veem isso como velhice, apenas uma fase normal do processo do envelhecimento. Como o começo da doença é gradual, é difícil ter certeza exatamente de quando a doença começa>
É bom se atentar se a pessoa...>
- Tem problemas com a linguagem>
- Tem perda significativa de memória, sobretudo das coisas que acabam de acontecer>
- Coloca objetos em lugares errados>
- Tem dificuldades em executar tarefas domésticas, como se vestir, fazer contas, cozinhar...>
- Não sabe a hora ou o dia da semana>
- Fica perdida em locais familiares>
- Tem dificuldade na tomada de decisões ou fica inativa ou desmotivada>
- Ela tem mudança de humor, depressão ou ansiedade ou reage com raiva incomum ou agressivamente em determinadas ocasiões>
Fonte: Abraz>
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