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Músicos amadores soltam a voz e fazem sucesso na noite

Músicos amadores soltam a voz e fazem sucesso na noite

Eles não vivem da música, mas aprenderam com ela uma nova forma de viver

Publicado em 29 de novembro de 2019 às 20:20

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Danilo no violão e Betty na voz, o par perfeito: “Hoje, é nosso hobby principal”. (Fernando Madeira)

Alcançar a maturidade e chegar a uma estabilidade na carreira não precisa ser sinônimo de parar no tempo. Para algumas pessoas, essa fase tem sido motivadora para resgatar uma paixão que as acompanha desde a infância: a música. Agora que as rotinas de trabalho já estão desacelerando ou que os filhos já conseguem caminhar sozinhos, pessoas na meia-idade estão frequentando clubes de música, praticando instrumentos musicais, fazendo aulas de canto e se apresentando como profissionais.

A Revista.ag conheceu alguns desses músicos e conta o envolvimento de cada um com os palcos - gente que não vive da arte, mas que aprendeu com ela uma nova forma de viver. Ubirajara Martinelli, cirurgião plástico, começou a se interessar pela música quando estava na adolescência. Foi se inspirando num primo, que tocava violão em família, que ele aprendeu o instrumento. Mais tarde, aos 17, recebeu um convite para fazer parte de uma banda. Entretanto, escolheu se dedicar à faculdade de Medicina. “A gente fazia umas bagunças na universidade, tocando violão, cantando. Coisas da juventude. Mas quando eu passei de estudante para profissional fui deixando esse hábito de lado”.

Ubirajara e o pessoal do Soul Bossa: “A música tem me dado um brilho, me animado”. (Fernando Madeira)

Esse gosto ficou guardado, tímido, até que levou os filhos (na época com 7 e 9 anos) para uma escola de música. Um garoto foi aprender teclado, o outro foi tocar violão. Foi quando Ubirajara lembrou-se de uma curta passagem numa escola de samba e resolveu se matricular nas aulas de bateria. Virou uma paixão: “Estou sentindo que preciso desacelerar minha vida a partir de agora. A música tem me dado um brilho e me animado”.

Dos cinco anos em que estuda bateria até aqui, o cirurgião integrou duas bandas. Calicanto é uma banda de pop rock, onde toca as músicas que curtia na juventude. O grupo tem nove componentes e já se apresentou em diversos locais do Estado, como Guarapari e Pedra Azul. Já a banda Soul Bossa, composta por oito músicos, foca na Bossa Nova e no instrumental.

As duas bandas de Ubirajara misturam pessoas de meia-idade com jovens. Para ele, a experiência de dividir o palco com pessoas mais novas é enriquecedora: “Eu sempre ouço deles que é uma delícia tocar conosco. Nós sabemos que não somos os ases da música, mas ser reconhecido com experiência e conhecimento é muito bom. Ao mesmo tempo, aprendo muito com essa juventude. Entre nós, acontece uma simbiose gostosa. Eu me inspiro com eles e sinto um vigor novo”.

Coração de estudante

É comum que as pessoas cheguem à maturidade se sentindo sozinhas ou com a sensação de não serem mais úteis. Essas situações podem funcionar como gatilhos para a ansiedade e a depressão. Por isso, segundo a psicóloga Angelita Scardua, especializada em Felicidade e Desenvolvimento Humano, a busca de novas atividades contribui para a saúde física e mental: “Um dos grandes problemas enfrentados nessa faixa etária é o isolamento social. Permanecer em atividade profissional ou buscar novas experiências e qualificações pode manter e criar vínculos sociais”. Angelita também garante os hobbies ajudam a manter a mente ativa. “Não só melhoram a memória, o raciocínio e o processamento mental, como também ajudam a coordenação motora e as articulações”, comenta.

Satisfação pessoal

O joalheiro Ricardo Vieira canta acompanhado do violonista Oscar Teixeira. (Carlos Alberto Silva)

Ricardo Vieira é prova disso. Desde que começou a se apresentar como cantor, interpretando músicas da MPB, da Bossa Nova e de alguns clássicos americanos, ele tem se sentido mais satisfeito consigo mesmo.

Ricardo sempre cantou, desde jovem. Em encontros com amigos, sempre gostava de tocar violão e entreter os amigos cantando músicas de Guilherme Arantes, Djavan, João Gilberto e Tom Jobim. “Eu era sempre a alegria das festas que eu ia, mas sempre fiz isso sem estudar. O que eu sabia era resultado da pura prática”, conta.

Quando sua filha ficou mais velha, ela também passou a se interessar pela música e começou a fazer aulas de canto. Ricardo, que é designer de joias e joalheiro, resolveu acompanhá-la e passou a encarar a música de um modo mais sério na sua vida a partir desse momento. “Não ganho dinheiro com isso. Faço pelo prazer. Mas levo isso a sério e tomei o canto para mim com mais propriedade”.

Aos poucos, semana a semana, o designer se aprimora na habilidade que carrega e aprende mais. Em umas aulas, Ricardo descobre como fazer uma boa divisão melódica. Em outras, aprende a respirar nas horas certas. Ele também é acompanhado por um amigo tecladista. Juntos, escolhem as músicas, selecionam os tons e treinam repetidas vezes. “É muito trabalho, como se a gente fosse profissional. Mas dá uma satisfação tremenda ver minha evolução no canto, me perceber crescendo nessa nova habilidade me revigora demais”.

Coisa mais linda

O destino uniu Betty Feliz e Danilo Nunes Martins sem saber que os dois seriam um par perfeito na música. Danilo foi apaixonado pelo violão desde sua infância. Por coincidência, Betty sempre gostou de cantar. Nas festas de amigos, os dois formavam uma dupla e se apresentavam. “Entre amigos, era tudo diversão, bem amador. Foram idas e vindas até a gente formar uma banda. Hoje, é nosso hobby principal”, conta Betty.

Apesar de saber tocar desde a adolescência, pegando o violão emprestado com o vizinho, e ter nascido já com os ouvidos nos discos de vinil do pai, Danilo, que foi gerente de banco a vida toda, não considera que essa é uma habilidade natural ou um dom: “Não é um talento, é muito esforço. Eu tenho consciência de que estou aprendendo e preciso vencer muitas barreiras ainda”.

São essas barreiras que motivam a jornalista Betty nessa empreitada no mundo da música. “O Danilo faz aula de violão regularmente, mas eu sou mais indisciplinada e nunca fiz aulas de canto. O que me motiva a continuar são esses desafios. Entrar nisso está me dando mais coragem e estou vencendo bloqueios que só existiam na minha cabeça”, diz.

Juntos de amigos, outros profissionais que estão desacelerando as carreiras, eles formaram uma banda chamada VOZmicê. No repertório, clássicos de artistas brasileiros do naipe de Chico Buarque e Tom Jobim. “Subir no palco acompanhado dos meus colegas me fez vencer a timidez. Cada vez que a gente se apresenta, mesmo que para um público de conhecidos, eu me sinto mais desinibido”, afirma Danilo.

Duas vezes por mês, o casal também se reúne num clube de música com outros músicos amadores. É um espaço com palco, microfone, sistemas de som e instrumentos reais: tudo livre para que os membros se apresentem uns para os outros. “Todo mundo ali dentro está no mesmo nível, então a gente recebe muito incentivo e tenta motivar os outros também. É uma delícia”, relata Betty.

Danilo também considera essa experiência fundamental para perceber seus avanços. “A gente treina pra chegar lá, depois de quinze dias, melhor. Apesar de sermos amadores, a gente não faz no improviso. Tem muita dedicação envolvida e é ótimo encarar um público amistoso, que faz a gente crescer e perceber que estamos subindo degraus”.

Encarar os desafios nessa fase da vida dá uma sensação de grandeza a qualquer um. Por alguns minutos, enquanto estão no palco, cada uma dessas pessoas sente como é ser um artista reconhecido. Tratam com a seriedade de um profissional a vida que leva um amador - na origem da palavra, quem se dedica a uma arte ou um ofício por gosto, por amor. É Danilo quem diz: “se for pra fazer sem paixão, melhor nem fazer”.

"Por que canto?", chef Sylvia Lis

Sylvia: “Cantar tem sido algo de profundo significado pra mim. Uma terapia”. (Divulgação)

Sempre gostei de música. No meu aniversário de 15 anos ganhei um violão de meu primeiro namorado e fiz aulas com o professor Elias e depois com Tião Oliveira. Gostava de cantar algumas “protest songs” de Joan Baez, Bob Dylan e algumas músicas de Peter, Paul and Mary. Também cantava músicas de Chico Buarque e da Bossa Nova. Sempre tive amigos que gostavam dos mesmos sons que eu e vivia em serestas. Me distanciei por alguns anos da música e recentemente me reaproximei, por meio também de amigos apaixonados. Criamos um grupo e resolvemos “levar a sério” e treinar para nos desenvolvermos na música. Começamos a montar um repertório e ensaiar. Em dezembro do ano passado, fizemos uma estreia que nos emocionou demais: cantamos no almoço de Natal para os idosos do Avedalma e suas famílias. Também fizemos pockets shows. Cantar tem sido algo de profundo significado pra mim. Uma oportunidade de superação de meus medos, não apenas de estar sob holofotes no sentido estrito, mas no sentido emocional, de superação do julgamento alheio e do meu próprio, de vencer preconceitos com relação à maturidade, de romper paradigmas e limites e, ao mesmo tempo, reconhecer as minhas potencialidades, aceitação das minhas incapacidades, mas buscando sempre um caminho para voar mais alto. Isso o canto tem me proporcionado e, melhor de tudo, com o apoio e o incentivo de amigos com quem tenho uma sincera troca afetiva. Posso dizer que o canto é para mim uma terapia sem dor. E sou muito grata aos amigos me dão essa base para voar”.

"Soltar a voz é extremamente saudável", diz a professora de canto popular Alza Alves

Alza Alves é cantora profissional. (Arquivo A Gazeta)

“Cantar, em qualquer idade, é uma atividade prazerosa e, em muitos casos, uma ferramenta terapêutica. Muitas pessoas incorporam a música e o canto em suas vidas reservando aquele tempo “sagrado” na agenda. Encaixam aulas de canto, de instrumento, ou ensaios de coral no corre-corre do cotidiano, na vida profissional e familiar e, assim, recarregam suas baterias. Como disse o cantor e compositor Djavan, “cantar é mover o dom”.

E junto com o dom, movem-se os músculos laríngeos, os da respiração, da face, do corpo... Conexões auditivas e cerebrais são feitas, a memória e sentimentos entram na brincadeira séria e extremamente saudável que é o fazer musical. A música é um dos melhores alimentos do bem-estar.

E realmente tem sido comum pessoas descobrirem o canto depois de bem mais “maduras” ou resgatarem aquela vontade antiga engolida pela falta de tempo e deixada de lado desde a juventude. Se aposentam, os filhos crescem e batem asas. A casa está vazia, mas só de gente, pois está cheia de som! Ficou decidido que a música vai preencher os espaços externos e internos da mente, vai colorir a saudade, movimentar as lembranças, vai promover alegria e reciclar o tempo. Hora de se lembrar daquela letra da música que era dançada nas festinhas, aprender aquela outra com melodia complicada e o refrão em duas ou mais vozes para cantar com os amigos nas reuniões musicais.

A vantagem disso tudo, além de mover o dom, a vida, a circulação das boas energias e melhorar as funções neurológicas nas ações sensoriais, motoras e de linguagem, é que cantar com frequência mantém ativa a mobilidade dos músculos e cartilagens da laringe, proporcionando maior qualidade e longevidade vocal. Em resumo, é prazer e saúde de mãos dadas.

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O ditado diz “quem canta seus males espanta”, mas é importante estar atento em como cantar. O ideal é que o cantor, seja profissional, seja amador, tenha orientação vocal com um professor de canto ou um fonoaudiólogo (que tenha conhecimento de canto), que aprenda a aquecer a voz, a adequar as tonalidades das canções de acordo com sua tessitura vocal (extensão vocal, da nota mais grave à mais aguda, com emissão de qualidade), enfim, se beneficie da técnica para realizar melhor a sua arte. Desta forma não se machuca e fica garantida a segurança vocal. No mais, é se lembrar também de Caetano Veloso: ‘É somente porque eu trago a vida aqui na voz’”.

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