> >
Maturidade: gays contam como vivem essa fase da vida

Maturidade: gays contam como vivem essa fase da vida

Hoje eles estão tranquilos, mas viveram numa época em que não se falava em orientação sexual. Curtiram o carnaval e as noites da Grande Vitória, mas também enfrentaram a violência policial

Publicado em 27 de junho de 2020 às 09:10

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Edna Mara hoje vive com uma irmã, em Vitória, e faz trabalhos voluntários. “É a minha válvula de escape. Bom poder ajudar”
Edna Mara hoje vive com uma irmã, em Vitória, e faz trabalhos voluntários. “É a minha válvula de escape. Bom poder ajudar” . (Divulgação)

Edna Mara Ferreira, 62 anos, não tem medo da solidão. Nascido na Comunidade Quilombola, em São Mateus, ele conta que aproveitou muito a vida. Hoje está mais sossegado, morando com uma irmã no bairro Maruípe, em Vitória. “Adoro ficar em casa. Falo com meus amigos por telefone, ocupo minha mete. E adoro fazer trabalho voluntário, é a minha válvula de escape”, conta.

Mas nem sempre é tão tranquilo assim. Vira e mexe recebe telefonemas de amigos que estão depressivos. “Não é fácil. Tenho vários amigos que vivem na solidão. Perderam os pais, irmãos e acabaram ficando sozinhos. É muito triste”, diz. Edna aprendeu desde cedo a estar rodeado de gente. Ainda pequeno apanhou muito do pai por conta de seus trejeitos. “Com 6 anos já me identificava como gay. Naquela época não existia a palavra ‘viado’. Foi muito difícil para os meus pais aceitarem, apanhei muito”.

Com 19 anos, já na Capital, foi viver sua vida. Participou de reuniões no Teatro Carlos Gomes, saía a noite, e se tornou travesti. Tudo isso nos anos 70, época da ditadura militar. “Tudo era escondido. Caso contrário a gente apanhava da polícia”, lembra. Alguns anos depois ele ‘destransicionou’ (deixou de ser travesti), reduziu o tamanho dos seios e hoje se identifica como homem gay. “O preconceito nunca acaba”. Para ele há uma resistência em se falar sobre envelhecimento LGBT+ mesmo na própria comunidade. Quase ninguém quer tocar no assunto. “Muitos amigos não quiseram dar entrevista. Todo mundo envelhece, esse é o nosso destino. O importante é o agora”.

Rede de apoio

O envelhecimento de pessoas LGBT no país é invisível, pouco debatido ou valorizado. Faltam dados, há desconhecimento por parte de profissionais de saúde, não existem políticas públicas específicas. Essa população, ao envelhecer, está mais suscetível à solidão. “Sabemos pouco sobre o envelhecimento, inclusive do aspecto científico da população LGBT+ e como a questão do envelhecimento dessas pessoas carece de dados. A minha percepção como médico é a de que realmente a maioria carrega o duplo preconceito - pela orientação sexual e pelo envelhecimento. A sociedade tem a ideia de que velho não serve para nada e essas pessoas acabam ficando suscetíveis ao isolamento”, diz Roni Mukamal, geriatra da MedSênior.

Para ele, é fundamental ter como rede de apoio a família e os amigos. “O isolamento é um fator de risco para doenças mentais, transtorno de ansiedade e até insônia. Ter amigos, atividade sociais e apoio da família evita a depressão”, explica o médico.

Parte do show

Weyden Alexandre como transformista no desfile da escola Unidos de Jucutuquara
Weyden Alexandre como transformista no desfile da escola Unidos de Jucutuquara. (Divulgação)

O administrador de empresas e chef Weyden Alexandre Rodrigues, 55 anos, também aproveita o momento da vida de forma sossegada. Morando em Jardim América com a mãe, ele não lembra em nada os tempos em que se apresentava como transformista pelas festas da Grande Vitória. “Não tenho medo da solidão, mas de vivenciar situações que amigos meus passam, como de estarem na rua. Aprendi a estar comigo mesmo, mas também me apoio em amigos leais”, conta.

Trabalhando numa biblioteca do município, ele aproveita o tempo em casa para cuidar do acervo de seus figurinos. “A ideia é fazer uma exposição. Tenho o maior carinho com as minhas coisas”. Ele é um dos precursores do Movimento Gay no Estado. Aos 16 anos se envolveu com uma trupe de teatro e ali teve o primeiro contato com a arte e a homossexualidade de alguns componentes da companhia. “Virei figurinista, maquiador e depois ingressei em outro grupo onde me consagrei como maquiador de espetáculo”, lembra.

Acompanhou o advento dos shows das drag queens, o ‘boom’ das boates gays, ia em vernissages, lançamentos de livros, aniversários e ações de prevenção as DST’s e Aids. Sempre como transformista. “Participei de muto manifesto”, lembra. Hoje costuma sair de casa para encontrar amigos e raramento faz shows. “Chega uma hora que a idade traz um amadurecimento. Fui feliz naquela época e sou feliz hoje”.

Pai novamente aos 61

Sérgio Luiz e Bruno com os filhos Bernardo e Guilherme.  “A chegada deles foi um bálsamo na minha vida”, diz Sérgio
Sérgio Luiz e Bruno com os filhos Bernardo e Guilherme. “A chegada deles foi um bálsamo na minha vida”, diz Sérgio. (Divulgação)

O empresário Sérgio Luiz Alves, 65 anos, vive a melhor fase da sua vida. Há oito anos ele é casado com Bruno e eles são pais dos pequenos Bernardo e Guilherme. “Construí a minha vida na base dos meus relacionamentos que sempre foram longos, sempre gostei de estar acompanhado. E, aos 61, fui pai novamente, já que meu companheiro também tinha esse desejo”, conta ele, que também é pai de um homem de 35 anos, fruto de um casamento heterossexual.

Sérgio sempre foi resolvido com a sua sexualidade. “Sempre transitei bem entre os dois mundos, o heterossexual e o homossexual. Sempre deixei claro para a minha ex-esposa que se eu optasse por ter um relacionamento homo eu avisaria. E foi isso que fiz”. Ele também já é avô.

Este vídeo pode te interessar

Com duas crianças cheias de vida dentro de casa, ele vê essa fase como um momento único. “Queríamos um filho, porém vieram dois. O processo foi através de inseminação artificial numa barriga de aluguel nos Estados Unidos”. Com a vida estabelecida, ele quer aproveitar essa fase da melhor forma que puder. “Ser idoso é muito relativo, não me sinto assim. Trabalho, viajo, cuido das crianças. A chegada delas foi um bálsamo. Nunca tive medo de ninguém, nem de viver ou de amar. Por isso, tudo deu certo”, conta.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais