Já ouviu algum jornalista ser chamado de urubu? O apelido “carinhoso” muitas vezes faz referência a repórteres policiais. Significa dizer que eles são como os animais, circulando cadáveres, em busca de uma notícia que atraia a atenção. Mas quem diz isso esquece que a essência do trabalho desse profissional é outra: causar indignação, gerar mudanças e dar voz.
“Eu gosto do que eu faço. Aprendi a gostar. Mais do que gostar, aprendi a ver que é importante, que é essêncial”, contou a repórter policial Daniela Carla, para os alunos da 26º turma do Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, em um bate-papo que abordou “os desafios de cobrir segurança pública e como entrar em locais sensíveis”.
Daniela Carla é repórter há 18 anos, a maioria deles dedicados à cobertura policial. Segundo ela, cabe a um jornalista dessa área mostrar à sociedade os locais que precisam de maior policiamento. Ele também dá voz à população, contando todos os lados de uma história, tanto a registrada nos boletins de ocorrência quanto a das pessoas afetadas.
“Se uma mãe quiser dizer, se ela acha que o filho dela morreu por culpa do governo, porque não tinha escola, porque não tinha nada na comunidade dela, ela tem o direito de falar. E a gente vai dar esse direito para ela” explicou.
A profissional destacou também que, ao contar a história por trás de um crime na televisão, esse relato vira assunto no ônibus, na escola, na mesa de bar. Passa a fazer parte do dia a dia, chegando às casas de famílias de todas as classes sociais, inclusive das de autoridades que têm o poder de fazer as mudanças.
Além da incompreensão, o repórter policial enfrenta vários outros desafios: é difícil fazer e manter o relacionamento com fontes; tem que encarar muitos “nãos” e ameaças fazem parte da rotina. Por exemplo, em 2022, durante uma entrada ao vivo para o Bom Dia ES, Daniela Carla foi ameaçada por um homem armado, na escadaria do Morro do Cabral, em Vitória Após o ocorrido, a jornalista fez uma declaração no Instagram:
“Contar histórias é o trabalho primordial de um repórter! É pra isso que eu estava numa escadaria do Morro do Cabral hoje cedo. Para contar como foram as mais de seis horas de tiroteio que moradores inocentes foram obrigados a suportar! Mas assim como se acham no direito de tirar a paz de pessoas de bem, criminosos acham que podem nos impedir de contar o que eles fizeram e cobrar segurança por parte das autoridades…. Não podem! Fizemos nosso trabalho!”
Ela também explicou que é preciso ter cuidado para não deixar a profissão ter efeitos negativos no psicológico. “Um dia tem uma mulher assassinada, no outro dia tem uma criança, tem um cara que foi trabalhar, um menino da sua idade que, devido a um celular, reagiu e morreu. Se você se apegar demais àquilo ali, vem outro, e outro, e você fica mal."
No bate-papo, ocorrido no último dia 4 de outubro, ela aproveitou para dar algumas dicas baseadas na experiência. “Primeiro eu faço terapia. Segundo, eu malho muito. Terceiro, eu tento dar uma desligada, me afastar do celular”. Além disso, ela também recorre ao riso, postando “palhaçadas no Instagram”, como uma forma de relaxar.
Décadas noticiando crimes, com uma carreira reconhecida nacionalmente, Daniela Carla também já foi chamada de urubu. “Se a família quiser falar? Quem sou eu para dizer que ela não tem o direito de falar?” reforçou.
Como a repórter informou, noticiar crimes, violências e irregularidades ajuda a alçar voos para as novas e melhores realidades (e sem serem nas asas de “urubus”). Casos nacionais reverberados pelo jornalismo mudaram cenários e até a legislação penal. Em dezembro de 1992, só para citar um exemplo, o assassinato da atriz Daniella Perez causou repercussão tão grande que o Congresso aprovou uma lei incluindo o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos. Na prática, isso significou uma pena maior e suspensão de alguns direitos do condenado, como a fiança.
Outro episódio não tão ligado à cobertura policial, mas que mostra o poder da informação, refere-se ao famoso é o das “pílulas de farinha”, em 1998. O laboratório Schering do Brasil foi responsável pela chegada de 600 mil comprimidos de farinha ao mercado, embalados como anticoncepcionais. Dezenas de mulheres engravidaram de forma inesperada e indesejada. No fim, a lei “adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos, ou medicinais”, também entrou no rol dos crimes hediondos, com a pena mínima de 10 anos.
*Carla Nigro é aluna da 26ª turma do Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Esta matéria foi produzida sob a supervisão da editora do programa, Andréia Pegoretti
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