O pop que fez história por essas bandas na virada do milênio

Livro sobre música pop do Espírito Santo destaca ecletismo, mistura de ritmos e afirmação das identidades culturais como marcas dos anos 1990

Publicado em 09/01/2021 às 06h00
Reclamação: A Banda Casaca alega não ter recebido o cachê de R$ 16 mil por sua participação em festa em Regência
Banda Casaca fez sucesso nacional no início dos anos 2000. Crédito: Divulgação
  • José Roberto Santos Neves

    É jornalista e pesquisador musical

Se Vitória já foi considerada a capital secreta do rock, do heavy metal, do grunge, do reggae e de tantos estilos musicais que agradam ao público jovem, ainda há muitas melodias escondidas produzidas por essas bandas a serem descobertas pelo público de outros Estados e, por que não, pelos próprios capixabas.

Como se sabe, o Espírito Santo é um dos Estados da federação no qual o desenvolvimento econômico se deu mais tardiamente, a princípio, com a cultura do café, no final do século XIX, e de forma mais consistente com o processo de industrialização iniciado na década de 1960.

O isolamento econômico dificultou a criação de um mercado consumidor para as artes, mas nunca foi fator de impedimento para a consagração de talentos musicais capixabas em nível nacional, a exemplo de Roberto Carlos, Nara Leão, Roberto Menescal, Raul Sampaio e Sérgio Sampaio.

O cantor Roberto Carlos
O cantor Roberto Carlos. Crédito: Caio Girardi/Reprodução/Instagram @robertocarlosoficial

A conclusão é óbvia: o Espírito Santo é um celeiro de talentos. Nomes como Maurício de Oliveira, Hélio Mendes, Carlos Cruz, Maria Cibele, João Virgílio, Gilberto Garcia, Afonso Abreu, Aprígio Lyrio, Ester Mazzi, Sérgio Benevenuto, Chico Lessa, Carlos Bona, João Pimenta, Lula D’Vitória, Carlos Papel e Guto Neves, entre tantos outros que optaram por construir suas carreiras neste pedaço de chão, estão aí para provar com suas melodias e composições.

Fazendo um corte histórico para a década de 1990, com a perspectiva do tempo se percebe que aquele período foi marcado pela profissionalização do segmento musical no Estado, com a ampliação dos estúdios de gravação, o advento do CD (e, mais tarde, a distribuição de arquivos musicais pela internet), a formação de técnicos de áudio e – importante – a criação de um público numeroso que passou a consumir os sons produzidos pelas bandas capixabas, tanto nos shows quanto nos discos.

A produção autoral se intensificou, e as rádios passaram a veicular as gravações de bandas locais em sua programação diária, independentemente de espaços específicos destinados à “música capixaba” – rótulo que até hoje divide os apreciadores de música, com uma parcela considerável preferindo a percepção de que, aqui, o que se faz é MPB produzida no Espírito Santo.

A cereja do bolo veio na virada da década, por meio de festivais como o Dia D, cuja escalação era formada exclusivamente por bandas capixabas que compunham material próprio.

MÚSICA NA REDE

Os anos 1990 foram os anos do ecletismo, da mistura de ritmos e da afirmação de identidades culturais. Uma oportunidade de revisitar os sons que fizeram a trilha sonora dessa década está no songbook “O Pop que Fez Histórias por Essas Bandas – Arranjos para Orquestra de Violões”.

A iniciativa é da Secretaria de Estado da Educação, em parceria com a Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES) e a Fundação de Amparo e Apoio à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), como parte do programa Música na Rede, que proporciona a educação musical para alunos da Rede Pública Estadual de Ensino.

Com idealização do maestro Eduardo Lucas, textos e pesquisa de José Roberto Santos Neves, arranjos do professor Bruno Soares e curadoria de Daniel Morelo, o livro traz biografias e partituras de dez bandas capixabas escolhidas por meio de votação popular: Casaca, Dead Fish, Herança Negra, Java Roots, Lordose pra Leão, Macucos, Manimal, Mais Astral, Pele Morena e Rastaclone.

REGIONAL E CONTEMPORÂNEO

Com a explosão do Mangue Beat pernambucano, a bordo do maracatu atômico de Chico Science & Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A, roqueiros de diferentes regiões do país passaram a olhar com mais atenção para as raízes folclóricas de seus Estados. No Espírito Santo não foi diferente.

Coube ao Manimal proporcionar o encontro entre regionalismo e contemporaneidade por meio do “rockongo”, a fusão de rock com o congo, criada pela banda a partir de 1995, tendo como base a junção de guitarras viscerais com os tambores ancestrais que simbolizam a filiação do Brasil à África.

Seguindo linha semelhante, porém calcada na união de reggae e congo, surge no início dos anos 2000 a banda Casaca, cujas melodias arredondadas e batidas vibrantes proporcionaram ao grupo o status de fenômeno do pop produzido no Espírito Santo. Quem viveu a época vai lembrar que o Casaca conseguia arrebanhar plateias de até 20 mil pessoas em seus shows, sob os olhares atentos de executivos de gravadoras e de artistas globais que se deslocavam para Vitória curiosos para saber o que é que o capixaba tem.

Antes desse movimento parafolclórico, há de se destacar o rock nonsense do Lordose Pra Leão. Formado no curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), no início da década de 1990, o Lordose emplacou o hit “Jullyetzsch” nas FMs locais e chamou a atenção pelo estilo anárquico e pela irreverência de suas letras, características presentes em seu álbum de estreia, o hoje clássico “Os Pássaros não Calçam Rua” (1996).

Música
A banda Lordose pra Leão. Crédito: Reprodução

Na seara do hardcore, o Dead Fish foi, de fato, a banda que desbravou as fronteiras da Vitória natal para construir uma bem-sucedida carreira nacional, tornando-se referência em seu segmento. O grupo de skatistas que começou a tocar despretensiosamente na Praia do Canto, em 1991, com o nome de Stage Dive, lançou discos por grandes gravadoras, teve clipes em alta execução na MTV e conta na bagagem com mais de 20 álbuns lançados, incluindo coletâneas e DVDs.

Na praia do reggae, uma geração fértil produziu intensamente no Estado a partir da segunda metade dos anos 1990. O clima tropical, a cadência do ritmo jamaicano e uma malemolência regueira de sotaque capixaba gerou nomes como Java Roots, Macucos, Herança Negra e Rastaclone.

Cada qual no seu estilo e com personalidade própria: o Java Roots segue uma vertente do reggae MPBista e de tintas pós-tropicalistas; o Macucos, mais próximo do roots reggae, aposta no aspecto espiritual do gênero musical jamaicano e na harmonia com a natureza; o Herança Negra se inspira na defesa da cultura afro-brasileira e no flerte com a black music, o samba e o hip hop; e o Rastaclone mantém a célula rítmica do reggae em suas composições, porém cada vez mais turbinada pelo peso das guitarras e da bateria, resultando em uma potente fusão com o rock’n’roll.

Completando o caldeirão sonoro desse livro, destacamos o samba e o pagode feitos em terras capixabas pelos grupos Pele Morena e Mais Astral.

Natural de Cariacica, Pele Morena é presença constante em shows e casas noturnas da Grande Vitória, sempre levando seu samba repleto de influências as mais diversas, como o sertanejo, o reggae e o gospel. Um marco na carreira do grupo foi a gravação de um DVD ao vivo, em 2008, no Ginásio do Álvares Cabral, com a participação de Leandro Lehart, do grupo Art Popular (SP).

Por sua vez, o Mais Astral é de Vila Velha e durante anos fez a trilha sonora das domingueiras da Blow-Up, tendo gravado quatro álbuns e alcançado projeção nacional em programas de TV como o “Big Brother” e o “Domingão do Faustão”.

Como se vê, a música pop fez história por essas bandas nos anos 1990 e 2000. Nesta obra temos um recorte dessa rica produção por meio de textos, fotos e partituras.

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