Haruki Murakami nasceu em Kyoto, no Japão, e suas obras já foram traduzidas para mais de 40 idiomas
Haruki Murakami nasceu em Kyoto, no Japão, e suas obras já foram traduzidas para mais de 40 idiomas. Crédito: Reprodução/Divulgação

O grande despertar de Haruki Murakami na obra "Sono"

Novela do consagrado escritor japonês causa uma forte sensação de estranheza no leitor, quase kafkiana. Pois o que significa então não dormir nesta obra?

Publicado em 08/05/2021 às 09h00
  • Erlon José Paschoal

    É gestor cultural, dramaturgo, diretor de teatro e tradutor

Haruki Murakami é considerado hoje um dos escritores mais representativos da literatura mundial e já teve diversos livros lançados no Brasil, e o seu estilo simples, quase coloquial, provoca estranheza e remete também a novas possibilidades de compreensão da realidade. Murakami nasceu em Kyoto, no Japão, e suas obras já foram traduzidas para mais de 40 idiomas.

A sua novela “Sono” (Nemuri) lançada pela Editora Alfaguara traz ilustrações expressivas da alemã Kat Menschik, em azul, branco e prata, que se integram à aura de quase irrealidade da história narrada pelo autor. A tradução primorosa de Lica Hashimoto torna a leitura fluente e prazerosa.

A primeira frase da novela “É o décimo sétimo dia em que não consigo dormir” assusta por sua impossibilidade biológica e física. À medida que prosseguimos a leitura vemos que não se trata de insônia, mas que o corpo daquela mulher tão normal, por alguma razão desconhecida e desconcertante, abriu mão do equilíbrio necessário e imprescindível à saúde física e mental dos mamíferos, sobretudo, dos seres humanos: “Ao anoitecer, o estado de vigília se intensificava. Eu me sentia completamente imponente. Uma força intensa me prendia com firmeza em seu cerne. Era uma força tão poderosa que só me restava ficar acordada e, em resignado silêncio, aguardar o dia raiar”.

Esta mulher, esposa de um dentista e mãe de um garoto, com seu cotidiano sempre igual e previsível, é uma pessoa exemplarmente correta, que repete todos os dias os mesmos gestos, as mesmas ações, as mesmas palavras, e se vê de repente com as suas noites livres para fazer e pensar o que quiser.

O que a assustou a princípio se torna quase um presente da natureza. E ela então se entrega à leitura de romances russos, com destaque para “Anna Karenina”, a famosa obra de Leon Tolstói escrita na segunda metade do século XIX, que retrata a vida e o cotidiano da aristocracia russa, repleto de ócio, de hipocrisia, de cinismo, de tédio e de tristeza, e que ressoa provocativamente na primeira frase do romance “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são, cada uma, a sua maneira”. Impetuosa e muito ousada, a personagem principal – Anna – se lança em uma aventura amorosa extraconjugal que a leva ao ápice do prazer, e depois à morte.

A personagem de Murakami, por sua vez, percebe-se mais viva do que nunca e busca também a liberdade. Sem precisar dormir e com todas as 24 horas do dia a sua disposição, ela parece ter acordado para a vida, e sua mente agora hipersensível capta uma realidade nova e expandida.

E, ao final, ela se vê atacada por uma realidade social bruta e violenta, como se fosse uma alucinação. Nesta atmosfera densa, incompreensível, quase surreal, mas, ao mesmo tempo, excitante, a personagem parece sucumbir a algo que desconhecemos e que ameaça destruí-la.

A obra causa assim uma forte sensação de estranheza no leitor, quase kafkiana. Pois o que significa então não dormir nesta obra? É uma metáfora para ver a vida com outros olhos e vivê-la mais intensamente? Uma consciência plena da realidade e de seus mistérios? Bem, daí em diante é com o leitor.

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