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Estamos desaprendendo a conviver conosco e com os outros?

O grande risco é que estamos desaprendendo a conviver com o outro sob a penalidade de não saberemos mais o caminho de encontrar o próximo

Tempo de leitura: 4min
Publicado em 04/10/2025 às 10h00
  • Edson Kretle dos Santos

    É doutor em Filosofia pela Ufes e professor do Ifes – Campus Venda Nova do Imigrante-ES.

Prezado leitor, provavelmente, assim como eu, você já experimentou o sentimento de solidão alguma vez na vida. Estar em “companhia da solidão” é cada vez mais crescente nesses tempos. Vale ressaltar que estar só é importante, pois nos possibilita conhecer a nós mesmos.

Já o sentimento de solidão faz surgir em nós emoções negativas que diminuem a potência do viver. O modo de vida baseado no egoísmo nos convenceu de que viver sozinho é mais fácil, afinal, não temos que “negociar” nada com ninguém.

AS REDES SOCIAIS SÃO AS CULPADAS DA SOLIDÃO?

Diante dessa realidade, é justo demonizar os aparelhos eletrônicos e a internet? Essas ferramentas respondem a muitas necessidades, por exemplo, sem elas, você não estaria lendo agora este texto. Assim, não devemos procurar culpados e inocentes, mas apenas pensar o que estamos fazendo de nós mesmos.

Na década de 80, foram lançados os primeiros walkmans, que se tornaram uma febre em todo o mundo. Um dos slogans era: “Você nunca mais estará só.” Certamente, os publicitários sabiam que a solidão já era um grande medo enfrentado pelos humanos. Naquele tempo, estar conectado a uma rádio AM/FM ou a uma fita cassete era o modo mais avançado de fugirmos da solidão.

Em sintonia com isso, fomos também criando o hábito de estar cada vez menos em nossa própria casa ou, quando estamos, nossas conversas e encontros familiares ficaram cada vez mais raros, pois as vozes que se ouviam eram apenas dos aparelhos de TVs ligados em quase todos os quartos da casa.

A TV tinha uma vantagem: você não a carregava no bolso. Por isso, hoje é a vez da sedução dos modernos celulares que nos conecta com o mundo apenas com alguns toques na tela. Com isso, a companhia e a presença do outro foram substituídas pelas redes sociais, pois parece que somente assim preenchemos o tédio e o vazio. Estamos com o mundo na palma de nossas mãos, mas por que nos distanciamos de nós mesmos e das pessoas que nos cercam?

ESTAMOS DESAPRENDENDO A CONVIVER COM O OUTRO E CONOSCO

Evidentemente que as mídias sociais são importantes para encontrar e conhecer pessoas, estudar, divulgar negócios, entre outras funções positivas. Entretanto, observamos que estamos cada vez mais alienados da vida real, pois conviver exige diálogo, renúncias e paciência. Possivelmente, nenhum de nossos “amigos virtuais” exigem essas virtudes, afinal, contatos virtuais não portam defeitos reais.

Caso comecem a demandar muito de nós, apenas com um toque no celular esse “amigo” deixa de estragar o mundo perfeito que lutamos para construir com uma visão míope sobre política, religião, futebol, moral, etc. O grande risco é que estamos desaprendendo a conviver com o outro sob a penalidade de não saberemos mais o caminho de encontrar o próximo. É um grande risco a solidão se tornar um hábito. Portanto, adaptando uma sentença do pensador Nietzsche (1844-1900), temos nossa solidão roubada e em troca não nos é oferecido uma verdadeira companhia.

A filósofa Hannah Arendt (1906-1975) faz uma distinção muito importante para a compreensão desse tema. A autora aponta que o isolamento significa o momento em que todos os vínculos são destruídos e qualquer convivência é impossível, tornando a vida árida pela impossibilidade de comunicação e contato entre nós. Isolados uns dos outros, apenas encontramos tempo para trabalhar, produzir e consumir.

Diferentemente do isolamento, a solitude é um tipo “positivo” de solidão que possibilita entrar e manter o diálogo consigo mesmo. Nesse sentido, ao conhecer e encontrar a si mesmo, pode-se ir ao encontro do outro. Portanto, nos resta dois questionamentos: como é possível derrotar a solidão, na qual as pessoas já não toleram mais estar consigo mesmas? Como posso ser uma companhia para o outro se não sou uma boa companhia para mim mesmo?

Solidão
Solidão. Crédito: Shutterstock

Penso ser nosso dever ético lutar contra esse aumento da solidão, pois já foi provado pela ciência que esse sentimento pode ser um dos desencadeadores de problemas físicos e emocionais. Estamos na primavera, portanto sejamos como ela e lutemos para que o mundo e as relações não se transformem num eterno e tenebroso inverno.

Sigamos o exemplo de Francisco de Assis, pois ele nos ensina que juntos podemos inspirar esperança onde há desespero e a luz do encontro onde há trevas da solidão. Sigamos juntos e confiantes porque, mesmo com o frio que temos passado, há sempre a beleza das flores que brilham na primavera para nos encher de esperança.

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