Em "Vermelho", obra de escritora capixaba, decifrar é preciso

Aline Dias despontou como uma escritora promissora e muito talentosa, com um estilo direto, conciso e envolvente

Publicado em 06/03/2021 às 02h00
A jornalista e escritora Aline Dias na apresentação do grupo Voz e Violino ES
A jornalista e escritora Aline Dias na apresentação do grupo Voz e Violino ES. Crédito: Ademir Ribeiro
  • Erlon José Paschoal

    É gestor cultural, diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão

Caiu-me às mãos o primeiro romance de Aline Dias – “Vermelho” – publicado pela Editora Cousa em uma parceria com a Rede Cultura Jovem, programa que coordenei na Secult até meados de 2012, com uma de suas ações voltada ao incentivo à prática, à criação e à produção literária. A autora cachoeirense despontou então como uma escritora promissora e muito talentosa, com um estilo direto, conciso e envolvente. Um talento que veio a ser confirmado em suas obras posteriores.

Vermelho – a cor do sangue, da paixão, da vida, do amor, do inferno e das revoluções – conta a história de Giordano, um ghosttranslater, um cara “sujo, vulgar, mal resolvido e sacana”. Um escritor frustrado e que buscava no relacionamento físico com o sexo oposto superar um cotidiano insosso e vazio. Pouco tinha do filósofo italiano Giordano Bruno, condenado à fogueira pela Santa Inquisição; ele se identificava mais com outro ser trágico, com Édipo, tema de seu romance interminável.

A tragédia de Sófocles era sua tentativa maior de compreender a vida e seus mistérios, e desse modo ele se esforçava para decifrar o enigma de sua Esfinge, que sempre o atormentava e povoava a sua imaginação. Algo que ele só conseguiu depois de se atracar com ela, praticarem um sexo selvagem, e ouvir dela que ele não a satisfez e que iria ser para sempre a mulher com a qual “ele foi um broxa”.

Só então depois de buscar e beijar todos os pontos do corpo dela e ouvi-la gemer e “gritar, virando os olhos”, é que ele a compreendeu, é que ele a decifrou. No original grego, a Esfinge, após ser decifrada, se joga de um penhasco e morre. Neste romance, ela teve uma overdose e foi para hospital, e não se sabe se ela morreu.

Sua tradução de “Macbeth” - a famosa tragédia shakespeariana, a história do general ambicioso que, junto com sua esposa, trama inúmeros assassinatos para usurpar o trono e se tornar rei da Escócia - chega ao fim. E com a morte da pessoa que assinava a suas traduções, ele vai poder enfim assumir a sua autoria, uma sugestão sutil de que ele conseguiu chegar ao trono após uma morte, mesmo que somente desejada. Surpreendentemente, uma tragédia para chamar de sua.

Ao final sobra a transa prazerosa e o gozo intenso com Bárbara, a sua editora e a sua agenciadora, e as lembranças marcantes de suas relações sexuais com a filha dela, a adolescente Daniela, uma espécie de Lolita, em uma alusão a história do romance de Vladimir Nabokov, no qual o professor universitário Humbert se envolve sexualmente com Dolores – a Lolita – depois de se tornar seu padrasto.

E além disso, sobra mais o quê? Sobra o vazio, a ausência de sentimentos, de paixão e de amor. Será que Giordano, tal como Édipo, teria também que furar os olhos para melhor enxergar? Não sabemos. Terminar o seu próprio livro passou então a ser o seu objetivo maior.

*Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta

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