Publicado em 21 de outubro de 2025 às 18:32
No dia 16 de abril, o 1º Distrito Policial de Guarulhos recebeu uma denúncia que parecia rotineira: um bolo supostamente envenenado havia sido deixado em uma sala da Universidade de Guarulhos (UNG), acompanhado de um bilhete.>
Duas alunas estariam sendo ameaçadas, entre elas a estudante de direito Ana Paula Veloso Fernandes, de 36 anos. Semanas depois, Ana Paula se tornaria suspeita de ser uma serial killer.>
O bolo foi recolhido pela Polícia Civil e enviado para perícia. Mas as câmeras de segurança da faculdade não registraram ninguém entrando com o pacote, o que levantou a suspeita de que quem o deixou ali conhecia bem o campus.>
Foi outro detalhe, no entanto, que chamou a atenção dos investigadores: Ana Paula, até então vítima das ameaças, passou a frequentar a delegacia com insistência.>
>
"Ela alegava que havia alguém a perseguindo, que essa pessoa possivelmente teria enviado o bolo e que poderia estar envolvida na morte de uma amiga dela, ocorrida dias antes", relatou o delegado Halisson Ideiao Leite, responsável pela investigação.>
O escrivão Rafael Vello também achou a situação fora do comum. "Não é normal que uma vítima procure tantas vezes a delegacia. Ele teve esse feeling logo no início", contou o delegado.>
"O conhecimento que ela demonstrava, mesmo sendo apenas estudante, e a preocupação exagerada chamaram a atenção do escrivão.">
A partir daí, os policiais passaram a observar Ana Paula mais de perto. "Passamos a ter mais cuidado, pois sabíamos que poderíamos estar diante de alguém que havia forjado o episódio do bolo", disse o delegado.>
Até que os detalhes da investigação começaram a aparecer. O número de telefone usado para enviar mensagens ameaçadoras a Ana Paula e à colega havia sido registrado em nome de uma amiga dela um dia antes desta amiga morrer. A coincidência fez a polícia voltar a olhar para este caso.>
Maria Aparecida Rodrigues havia conhecido Ana Paula pela internet. Sua morte, em 11 de abril, foi registrada primeiramente como "natural". Mas a polícia descobriu que Ana Paula foi uma das últimas pessoas a estar com ela.>
No inquérito, há também o relato de que Maria Aparecida esteve na casa de Ana Paula, onde comeu bolo e tomou café antes de morrer.>
Os investigadores intensificaram o monitoramento da estudante, mas tomando cuidados para que ela não percebesse que era investigada.>
"Em nenhum momento, comunicamos nossas suspeitas ou indagamos dela. Tentamos deixá-la à vontade e deixá-la próxima para que a gente não perdesse essa possibilidade se, eventualmente, as suspeitas que a gente tinha se confirmassem", continua o delegado.>
Dias depois, Ana Paula voltou à delegacia. Desta vez, para registrar uma nova denúncia — contra um coordenador da faculdade. >
"Ela apresentou mais uma queixa aparentemente falsa", conta o delegado.>
"Quando foi embora, decidimos fazer uma pesquisa mais detalhada em sistemas policiais. Foi quando percebemos que ela aparecia em outros casos de morte.">
A busca revelou dois boletins de ocorrência anteriores em que o nome da estudante estava citado.>
O primeiro, de 31 de janeiro, relatava a morte de Marcelo Hari Fonseca, dono de um imóvel em Guarulhos, onde Ana Paula alugava os fundos. Ele foi encontrado morto após comer um sanduíche. >
Segundo o relatório policial, Ana Paula confessou ter matado Marcelo após uma discussão e, em seguida, queimou o sofá onde o corpo foi achado, destruindo possíveis vestígios.>
O segundo boletim, de 23 de maio, dizia respeito à morte de Hayder Mhazres, um tunisiano de 21 anos que havia conhecido Ana Paula por um aplicativo de encontros. >
Ele morreu após tomar um milkshake. A estudante também foi quem chamou o socorro e informou o endereço errado do local, o que dificultou o trabalho da polícia.>
"Neste momento, tivemos a certeza absoluta que não se tratavam de terríveis coincidências, mas que ela teria efetivamente participado da morte deles", afirma o delegado. >
"Seria impossível uma pessoa estar presente em tantos casos de óbito sem que ela tivesse culpa naquelas mortes", continua.>
"Tínhamos a certeza de que se tratava de uma pessoa que estava matando. E isso se tornou, na verdade, uma luta contra o tempo. Tínhamos um tempo escasso, pois sabíamos que ela poderia voltar a matar.">
Em julho, a Polícia Civil pediu à Justiça a prisão temporária de Ana Paula e uma operação de busca e apreensão em sua casa. >
No local, os agentes encontraram um frasco de terbufós, um composto químico altamente tóxico usado na agricultura e frequentemente associado a envenenamentos.>
"Conseguimos efetivamente confirmar o envolvimento dela em todos os três crimes, não só nos três crimes, mas também, por meio de extrações dos celulares apreendidos, conseguimos identificar um quarto crime.">
O quarto crime citado pela polícia ocorreu no Rio de Janeiro. A vítima, Neil Corrêa da Silva, de 65 anos, pai de uma amiga de Ana Paula, morreu em 26 de abril, após comer uma feijoada preparada pela investigada.>
Segundo o inquérito, mensagens de áudio e texto recuperadas dos celulares mostram que Ana Paula teria recebido ajuda de sua irmã gêmea, Roberta Veloso Fernandes.>
Nas conversas, elas falavam dos assassinatos por "código": chamavam de "TCC", sigla normalmente usada para se referir aos trabalhos de conclusão de curso de uma faculdade. >
As mensagens indicavam planejamento e até a sugestão de que Ana Paula começasse a cobrar pelos TCCs, no mínimo, R$ 4 mil e em dinheiro vivo. >
A Polícia Civil indiciou Ana Paula por quatro homicídios qualificados, que são considerados mais graves por envolverem maior crueldade — pelas mortes de Marcelo Hari Fonseca, Maria Aparecida Rodrigues, Neil Corrêa da Silva e Hayder Mhazres.>
O relatório da polícia afirma que Ana Paula "apresenta-se como uma criminosa contumaz, (...) com alto grau de frieza", e que sua liberdade representaria "ameaça concreta à ordem pública".>
Por isso, sua prisão temporária foi convertida em preventiva. A investigação também apura a possível participação da irmã gêmea de Ana Paula e de Michelle Corrêa da Silva, filha de Neil, suspeita de ser mandante da morte do pai.>
"A Ana Paula é uma serial killer", diz o delegado. >
"É uma pessoa que é bastante fria com relação às mortes. Ela realmente não demonstra nenhum tipo de arrependimento e ela é uma pessoa muito manipuladora.">
Mas o advogado Almir Sobral, que defende as irmãs, afirma que Ana Paula não tem o perfil de uma assassina em série.>
"O serial killer, segundo estudos, planeja, analisa e existe uma logística e a execução é bem manipulada. Ana Paula não tem inteligência para ser uma serial killer.">
A defesa elogiou o trabalho da Polícia Civil, mas afirmou que conduz uma investigação paralela e está preocupada com a forma como o caso tem sido divulgado na imprensa.>
"Começamos a apuração porque existem muitas ocorrências e muitas testemunhas dizendo coisas que não procedem. Os fatos não são exatamente como estão sendo apresentados. Há distorções que precisam ser analisadas no decorrer do processo", afirmou.>
Segundo ele, as provas ainda estão em fase de conclusão, e por isso não se pode "crucificar" as irmãs antes do fim das perícias.>
"Os corpos ainda estão sendo exumados. Só depois disso será possível confirmar se houve ou não ingestão de veneno", argumentou.>
Sobre a irmã de Ana Paula, o advogado nega qualquer envolvimento nos crimes.>
"Ela jamais conheceu o senhor Neil, nunca falou com Michelle e nem teve contato com nenhuma das vítimas. Estão tentando vincular a Roberta a esse homicídio apenas porque ela trocava WhatsApp e ligações telefônicas com a irmã", disse.>
Em depoimento à Polícia Civil, Ana Paula confessou ter matado Marcelo Hari Fonseca e Neil Corrêa da Silva, mas negou envolvimento nas mortes de Hayder Mhazres e Maria Aparecida Rodrigues.>
Sobral relativiza as declarações de Ana Paula dadas à polícia e não considera suas falas como uma confissão formal. "A defesa, tecnicamente, não encara isso como uma confissão.">
Mas ele reconhece que a cliente pode ter envolvimento nos casos.>
"Eu não digo que ela é inocente dos quatro casos. Também não digo que ela participou ativamente desses quatro casos. Talvez tenha mais pessoas envolvidas. São fatos que tento apurar.">
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta