Publicado em 27 de janeiro de 2025 às 14:45
Mary Anne MacLeod tinha apenas US$ 50 dólares (cerca de US$ 950 hoje) no bolso quando desembarcou em Nova York, em 11 de maio de 1930.>
A mulher que anos mais tarde se tornaria mãe do magnata Donald Trump — que acaba de se tornar presidente dos Estados Unidos pela segunda vez — entrou no país legalmente, após ter deixado sua terra natal, a Escócia.>
Mas, diferentemente da versão difundida de que ela viajou primeiro como turista, e depois voltou para se casar com o construtor Fred Trump — filho de imigrantes alemães e um dos solteiros mais cobiçados de Nova York —, os documentos alfandegários indicam que ela pretendia ficar no país desde o início.>
Seu nome aparece nos registros de imigração da época digitalizados pela Fundação Estátua da Liberdade – Ellis Island, que preserva os dados de mais de 51 milhões de viajantes que chegaram aos Estados Unidos entre 1892 e 1957 via Ellis Island e o porto de Nova York.>
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De acordo com estes documentos, MacLeod embarcou em 2 de maio de 1930 no porto de Glasgow com destino aos Estados Unidos, onde chegou nove dias depois a bordo do navio Transilvania.>
"Ela veio com um visto de imigrante para ter residência permanente", afirmou Barry Moreno, historiador do Museu Nacional da Imigração de Ellis Island, à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, após analisar o registro de passageiros do navio.>
Seu visto #26698 foi emitido em Glasgow em 17 de fevereiro de 1930, apenas três meses antes da viagem.>
O documento alfandegário afirma que MacLeod não planejava retornar ao seu país de origem, mas pretendia residir permanentemente nos Estados Unidos e obter a cidadania americana.>
"Se desde o momento em que chegou, ela se via morando permanentemente nos Estados Unidos, isso se chama imigrar. Não há dúvida disso", disse à BBC News Mundo a escritora Gwenda Blair, autora do livro The Trumps: Three Generations of Builders and a Presidential Candidate ("Os Trump: três gerações de construtores e um candidato presidencial", em tradução livre).>
A imprensa americana destaca que Trump — o quarto dos cinco filhos de Mary Anne — sempre alegou que a sua mãe viajou inicialmente para o país como turista, e não com a intenção de residir lá.>
Para alguns, esta é uma distinção importante, dada a retórica contra a imigração —ilegal e até mesmo legal — que caracteriza o discurso do presidente.>
Uma de suas primeiras medidas ao assumir seu segundo mandato foi assinar ordens executivas para decretar "estado de emergência" na fronteira com o México — e limitar o direito de adquirir automaticamente a cidadania americana por nascimento, algo que é protegido pela Constituição (razão pela qual os especialistas acreditam que vai ser difícil de reverter).>
Natural de Tong, um vilarejo na Ilha de Lewis, no norte da Escócia, a mãe de Trump estava seguindo, aos 18 anos, os passos de três de suas irmãs que já estavam nos EUA: Christina, Mary Joan e Catherine.>
As autoridades registraram o nome e o endereço de Catherine em Astoria (Queens) como os dados da pessoa que a receberia em Nova York.>
No campo ocupação ou profissão, o documento alfandegário registra MacLeod como "doméstica".>
"Doméstica pode significar várias coisas: uma pessoa que trabalha em casa; alguém que trabalha em uma casa de família, cozinhando e limpando para outras pessoas; ou alguém que trabalha no serviço doméstico de uma casa como empregada doméstica", explicou Moreno.>
Também neste aspecto, MacLeod parecia estar seguindo os passos de sua irmã Mary Joan, que trabalhava com serviços domésticos quando conheceu seu futuro marido, Victor Pauley.>
Seja qual for o significado que tenha dado à sua definição de "doméstica", o fato é que MacLeod a usou novamente em setembro de 1934, quando entrou no porto de Nova York pela segunda vez, vindo da Escócia.>
O documento alfandegário desta segunda viagem, desta vez a bordo do navio Cameronia, revela outros aspectos relevantes dos seus primeiros anos em território americano.>
Em primeiro lugar, que ela permaneceu no país continuamente desde sua chegada em maio de 1930 até junho de 1934 — e que fez de Nova York seu local de residência permanente.>
Moreno observa que, antes de viajar para a Escócia, MacLeod solicitou uma autorização para entrar novamente nos EUA, o que teria facilitado os trâmites alfandegários durante sua segunda entrada.>
"Ela vinha de uma família muito pobre. Houve uma grande emigração do vilarejo de onde ela veio porque, no fim da Primeira Guerra Mundial, a maioria dos homens do vilarejo foi morta quando um navio que os trazia de volta afundou", disse à BBC News Mundo Michael D'Antonio, autor do livro Never Enough: Donald Trump and the Pursuit of Success ("Nunca é suficiente: Donald Trump e a busca pelo sucesso", em tradução livre).>
"Foi uma grande tragédia. Muitas mulheres decidiram emigrar quando viram que não teriam com quem casar. Foram para o Canadá e para os Estados Unidos", acrescentou.>
D'Antonio também atribui a emigração a motivos econômicos, uma vez que muitos agricultores da Ilha de Lewis perderam suas terras, e tiveram que se mudar.>
"Eles eram muito pobres porque não podiam mais cultivar suas próprias plantações", ele explicou.>
Mas, a julgar pelos documentos de viagem de MacLeod a bordo do Transilvania, Moreno acredita que sua situação financeira não era totalmente precária na época.>
"Ela tinha dinheiro suficiente para pagar pela segunda classe, viajando em uma cabine compartilhada com outra mulher, e evitando a terceira classe. Ela obviamente tinha algum dinheiro, não era pobre, mas veio como imigrante", disse o historiador à BBC News Mundo.>
O genealogista Bill Lawson, que rastreou a árvore genealógica de Mary Anne MacLeod até o início do século 19, afirma que seu pai, Malcolm, administrava uma agência dos correios e uma pequena loja em seus últimos anos de vida, e que financeiramente, a família teria uma situação um pouco melhor do que a média do município.>
Lawson destaca que ela "pertencia a uma família muito numerosa, com nove irmãos", e que na ilha "não havia muitas perspectivas para os jovens".>
"O que mais se poderia fazer?", ele questiona.>
"Hoje em dia, você pode pensar em ir para o continente — mas, naquela época, a maioria das pessoas ia para o Canadá. Era muito mais fácil ganhar a vida nos Estados Unidos, e muita gente tinha parentes lá.">
Os descendentes dos imigrantes que chegaram aos Estados Unidos por Nova York durante as últimas décadas do século 19 e as primeiras décadas do século 20 equivalem a quase metade da população do país, segundo o site da Fundação Estátua da Liberdade – Ellis Island.>
No entanto, embora os EUA tenham sido historicamente abertos à imigração, quando MacLeod emigrou de sua terra natal, a Escócia, havia algumas restrições à entrada de estrangeiros.>
"Naquela época, foram atribuídas cotas para admitir apenas um número limitado de imigrantes de cada país. Entre 1921 e 1955, havia uma cota limitada de imigrantes do Reino Unido. Como escocesa, ela se enquadrava nela", explica Moreno.>
O historiador afirmou que MacLeod também teve que solicitar um visto para obter autorização para imigração.>
Nas fichas de controle de passageiros dos navios, chamadas Manifestos, todos os dados de cada passageiro eram registrados, incluindo suas características pessoais (cor dos olhos, cabelo, raça, etc.).>
Cada passageiro precisava ter pelo menos US$ 50 — e provar que possuía a quantia.>
Esta foi a quantia exata que Macleod levou consigo em cada uma de suas duas viagens.>
"Se você tivesse menos de US$ 50, havia dúvidas se conseguiria sobreviver nos EUA enquanto arrumava um emprego, ou se conseguiria se encontrar com um membro da família que pudesse acolhê-lo", explicou Moreno.>
A mãe de Trump se tornou cidadã americana em 1942.>
Em seu livro A Arte da Negociação, Donald Trump se refere a ela como uma "dona de casa muito tradicional que tinha plena consciência do mundo além dela".>
O magnata descreve uma cena em que sua mãe está absorta assistindo à coroação da rainha Elizabeth 2ª pela televisão.>
"Estava totalmente fascinada pela pompa e circunstância, por toda a ideia de realeza e glamour", ele escreveu.>
D'Antonio se refere a MacLeod como uma mulher muito espirituosa, inteligente e ambiciosa.>
"Isso foi o que Trump me contou sobre ela, que era muito competitiva e tão ambiciosa quanto seu pai. A única coisa é que não acho que ela pudesse expressar isso da mesma forma porque era mulher. Naquela época, era difícil para as mulheres terem uma carreira, e serem tão ambiciosas quanto podem ser hoje", afirmou.>
MacLeod parece ter encontrado na caridade o lugar para deixar sua marca no mundo.>
Após sua morte em agosto de 2000, aos 88 anos, o jornal americano The New York Times publicou um obituário descrevendo-a como "filantropa".>
O obituário acrescenta que a família Trump também contribuiu para o Exército da Salvação e para o grupo de escoteiros Boy Scouts of America, entre outras organizações.>
"Um pavilhão do Jamaica Hospital Medical Center leva seu nome. Eles também doaram edifícios para a National Kidney Foundation de Nova York/ Nova Jersey", acrescenta.>
Nada mal para uma imigrante que chegou aos EUA, aos 18 anos, com US$ 50 no bolso.>
*Esta reportagem foi publicada originalmente pela BBC News Brasil em 2016, e atualizada após a posse de Donald Trump em 2025.>
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