Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 17:44
"Dinheiro não cai do céu.">
Existe no mundo hoje um grupo pequeno, mas em expansão, que contesta essa expressão popular: os caçadores de meteoritos, pessoas que percorrem o planeta em busca de pedras vindas do espaço.>
Além do evidente interesse científico, surgiu nos últimos anos um mercado lucrativo em torno das rochas extraterrestres.>
A disposição de colecionadores particulares em pagar bastante dinheiro por um pedaço de material espacial tem atraído pessoas como Roberto Vargas, um americano filho de porto-riquenhos, que em 2021 largou o emprego para se dedicar à busca de meteoritos ao redor do mundo.>
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"Assim que algo cai, é hora de sair a campo", disse Vargas ao The Documentary Podcast, do Serviço Mundial da BBC.>
A trajetória de Vargas como caçador de meteoritos começou por curiosidade.>
"Por algum motivo, eu achava que uma pessoa comum não podia possuir meteoritos. Então, quando segurei um nas mãos, fiquei extremamente empolgado", explicou. A partir daí, ele passou a colecioná-los.>
No entanto, em 2019, ao saber que um meteorito havia caído na Costa Rica, decidiu ir atrás dele.>
"Não consegui encontrar, mas consegui comprar muitos", contou.>
Então, ele decidiu colocá-los à venda para bancar parte da aventura, e o resultado superou todas as suas expectativas.>
"Na primeira viagem à Costa Rica, voltei numa sexta-feira e, na segunda, já tinha vendido meteoritos e ganhado mais de US$ 40.000 (cerca de R$ 200 mil). Então, foi uma experiência que mudou a minha vida", afirmou.>
Alguns anos depois, Vargas deixou o emprego como terapeuta na área de saúde mental, no qual ganhava entre US$ 50.000 e US$ 60.000 por ano (aproximadamente entre R$ 250 mil e R$ 300 mil), para se dedicar exclusivamente a rastrear rochas espaciais que chegam à Terra.>
Mas o trabalho complexo de encontrar fragmentos de rochas vindas do espaço não faria sentido sem pessoas como Darryl Pitt, fotógrafo musical que se tornou comerciante de meteoritos.>
"Eu estava no Newport Folk Festival e alguém me disse: 'Vamos a um show de rock'. Eu não sabia que era literalmente um show de pedras (rock, em inglês), de gemas e minerais; achei que fosse algo musical", contou Pitt, que se interessou por rochas espaciais ainda na infância, quando viu a cratera deixada por um meteorito que caiu no Arizona (EUA) há milhares de anos.>
"Fomos ao evento e havia um sujeito vendendo um pedaço de meteorito da cratera do Arizona, o mesmo lugar que visitei quando criança. Eu comprei, e foi assim que tudo começou", relatou.>
"Eu queria compartilhar minha fascinação com o mundo, mas também queria ganhar dinheiro. E percebi que o mais importante era apresentá-los ao mundo dos leilões", acrescentou.>
Na década de 1990, ele organizou o primeiro leilão de meteoritos. Desde então, os preços só aumentaram, em grande parte devido ao crescente número de colecionadores.>
Por que o interesse nesses fragmentos de rocha? E como se define seu valor? Antes de responder a essas perguntas, vale esclarecer o que exatamente está sendo vendido.>
"Um meteorito é uma rocha que chegou à superfície da Terra", explicou a professora Sarah Russell, do Museu de História Natural de Londres (Reino Unido), à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).>
A especialista lembrou que, antes disso, enquanto cruzam a atmosfera como "bolas de fogo brilhantes", essas rochas são chamadas de meteoros.>
"Um meteorito (...) pode vir de qualquer lugar. Acreditamos que a maioria venha de asteroides, mas alguns vêm da Lua, outros de Marte, e há ainda aqueles cuja origem desconhecemos. Mas todos são rochas do espaço", afirmou Russell.>
Fatores como o tamanho da rocha, se é um fragmento inteiro, se colidiu com algum objeto artificial, a raridade de sua composição, sua classificação e sua procedência influenciam na definição do valor.>
"É possível comprar um meteorito por apenas 20 ou 30 centavos de dólar o grama" (cerca de R$ 1 a R$ 1,50), afirmou Pitt, que alertou, no entanto, para a existência de muitas falsificações em sites como o eBay.>
Por peças incomuns, no entanto, podem ser pagos milhões de dólares. Foi o caso de um meteorito marciano de 24 quilos, vendido por US$ 4,3 milhões (cerca de R$ 21,5 milhões) pela casa de leilões Sotheby's, em Nova York (Estados Unidos), em julho passado.>
Mas como distinguir um meteorito de uma rocha comum?>
"Quando um meteorito atravessa a atmosfera, sua parte externa derrete e forma uma fina crosta milimétrica chamada crosta de fusão, que é muito singular", explicou Russell.>
Além disso, segundo a especialista, eles também podem ser mais pesados do que uma rocha terrestre. Ainda assim, é necessário testá-las para determinar sua composição química.>
Existem três tipos de meteoritos: de pedra, metálicos (de ferro) ou uma combinação dos dois, detalhou Russell.>
O caso do meteorito vendido em Nova York gerou um debate sobre esse tipo de transação.>
A rocha foi encontrada no Níger (África Ocidental) em novembro de 2023 por um caçador anônimo. Depois que a venda veio a público, autoridades do país africano e acadêmicos passaram a questionar a legalidade da transação.>
"Precisamos aguardar as orientações dadas aos diferentes ministérios para esclarecer esse assunto e saber como o meteorito saiu do país, quem o retirou e se sua extração foi autorizada. Quem concedeu a autorização? Só quando tivermos todos esses detalhes poderemos fazer um julgamento", disse o professor Idi Umuru Amadou, diretor do Departamento de Arqueologia da Universidade Abdu Mouni (Níger), à BBC News Mundo.>
O Níger não possui uma legislação específica sobre objetos extraterrestres, mas conta com normas relativas a minerais e bens patrimoniais.>
"Normalmente, objetos como esse, bens culturais que deixam o país, precisam estar acompanhados de uma autorização administrativa, dependendo da região a que pertencem. É preciso solicitá-la e, uma vez concedida, o objeto pode sair legalmente do país. Caso contrário, configura roubo ou saque", alertou o especialista.>
O leilão do meteorito marciano encontrado no Níger e a controvérsia que se seguiu chamaram atenção para a comercialização de rochas espaciais e para a questão de quem é seu proprietário quando elas caem na Terra.>
As regras variam muito de um país para outro, reconheceu a professora Russell.>
"Por exemplo, na Austrália não é permitida a exportação de meteoritos, e há leis e políticas muito rígidas, enquanto no Reino Unido não existem leis específicas sobre o tema", explicou.>
Mas não existem apenas caçadores interessados em localizar meteoritos para vendê-los a colecionadores e ganhar dinheiro. Há também quem busque garantir que esses objetos cheguem a instituições científicas.>
Um desses grupos está na América Latina e é formado por mulheres. São as Meteoríticas, uma organização de cientistas brasileiras que não hesitam em viajar para desertos, cidades ou florestas quando recebem informação sobre um impacto.>
"Deixamos o que estamos fazendo e partimos em busca desse novo meteorito. Porque ser as primeiras faz diferença", disse a meteorologista Amanda Tosi, uma das integrantes das Meteoríticas, à BBC News Mundo.>
A especialista não condena a comercialização das rochas espaciais, mas defende que ela seja regulamentada.>
"Não queremos proibir a compra e a venda, porque quando há comércio em torno dos meteoritos, as pessoas se sentem estimuladas a procurá-los, e acabam encontrando exemplares importantes", argumentou.>
"Se for proibido, teremos menos material para estudar. Mas precisamos de um equilíbrio para proteger o meteorito como patrimônio cultural e científico e garantir que haja amostras suficientes para pesquisa. É por isso que precisamos de uma lei", acrescentou.>
No entanto, as normas nem sempre são suficientes. Um exemplo é a Argentina que, apesar de contar com legislação sobre o assunto, tem visto nos últimos anos seu vasto patrimônio de meteoritos se tornar alvo de contrabandistas.>
Nesse país sul-americano fica o Campo del Cielo, um dos maiores campos de meteoritos do mundo, localizado a cerca de 1.000 quilômetros a noroeste de Buenos Aires (Capital da Argentina).>
Russell se manifestou em termos semelhantes.>
"Quando são encontradas amostras realmente únicas, elas podem nos abrir uma porta para uma parte do sistema solar que ainda não conseguimos explorar. E, se não tivermos a oportunidade de obter essa rocha, não poderemos aprender tanto sobre o espaço ao nosso redor, o que tem impacto, por exemplo, no planejamento de futuras missões espaciais e na indústria espacial como um todo", explicou.>
"Diante do grande interesse por meteoritos também no setor privado, os preços disparam e, às vezes, fica mais difícil para museus e outras instituições científicas adquiri-los, especialmente os mais valiosos", acrescentou.>
Vargas, por sua vez, defendeu seu trabalho e negou ser um pirata.>
"Sim, temos motivação econômica, mas também científica. Queremos que essas rochas estejam nas mãos de cientistas, e que sejam protegidas, cuidadas e estudadas", afirmou.>
*Esta versão escrita de The Documentary Podcast, do Serviço Mundial da BBC, foi redigida por Juan Francisco Alonso.>
*Clique aqui para ouvir o programa em inglês.>
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