Publicado em 6 de janeiro de 2025 às 18:44
A Justiça Federal determinou que a Polícia Federal abrisse investigação contra um reservista israelense que fazia turismo no Brasil, um homem de 21 anos serviu as Forças de Defesa de Israel (IDF) na Faixa de Gaza. >
Em nota, o Ministério de Relações Exteriores israelense afirmou ter ajudado o ex-soldado a deixar o Brasil em segurança em um voo comercial.>
A decisão judicial, do final de dezembro de 2024, atendeu ao pedido de advogados brasileiros contratados pela Fundação Hind Rajab (HRF). A organização internacional pró-Palestina, com sede na Bélgica, se define como uma entidade focada em "acabar com a impunidade israelense".>
Desde que foi fundada, no ano passado, a HRF tem se dedicado à abertura de ações legais contra soldados israelenses que acusam de violência contra palestinos e crimes de guerra. Mas segundo a própria entidade, essa é a primeira vez que um Estado signitário do tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI) toma ações semelhantes após um caso ser protocolado em seu território.>
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Em nota, a organização classificou a decisão da Justiça brasileira como "um marco na busca global por justiça e responsabilidade". "Este é um momento histórico", disse Abou Jahjah, presidente da HRF, segundo o comunicado.>
Em Israel, porém, o desenrolar do caso gerou controvérsias e muitas críticas. >
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Em carta ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o ministro de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel, Amichai Chikli, classificou a HRF como "apoiadora descarada" do terrorismo.>
Segundo o político israelense, investigações conduzidas pela pasta que chefia mostram que os líderes da organização manifestaram apoio em diversas ocasiões ao Hezbollah, ao Hamas e a outros grupos que, nas suas palavras, "buscam a destruição de Israel e o assassinato de israelenses".>
Chikli afirmou ainda que, com a decisão, a Justiça brasileira e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apoiam "indivíduos com ações extremistas", em uma ação que representa uma "vergonha para o governo brasileiro".>
O caso também provocou reação do Parlamento israelense. Segundo o jornal local Haaretz, a decisão no Brasil instaurou "pânico" em Israel.>
Após as notícias sobre o reservista que passava férias no Brasil, o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Parlamento de Israel, Yuli Edelstein, anunciou que uma reunião seria realizada na Casa nesta segunda-feira (6/1) sobre a proteção dos soldados contra processos no exterior.>
Segundo a agência AP, o Ministério das Relações Exteriores de Israel também teria alertado os israelenses contra postagens nas mídias sociais sobre seu serviço militar, para prevenir novas ações judiciais semelhantes à protocolada no Brasil.>
Na representação criminal apresentada à Justiça brasileira, os advogados que representam a HRF no país acusam o reservista das IDF alvo do caso de prática de crimes de guerra.>
Segundo a organização, o ex-soldado teria participado de demolições massivas de residências civis em Gaza, em meio a uma campanha sistemática "de destruição", "de maneira sorridente e debochada" documentado a própria participação no cometimento dos crimes por meio de suas redes sociais.>
Os representantes legais da HRF pediam, na representação original, a decretação de prisão provisória, apreensão de passaporte e busca, apreensão e perícia de dispositivos eletrônicos do reservista.>
Em resposta, a juíza federal Raquel Soares Charelli determinou a abertura de uma investigação pela PF. A prisão preventiva ou apreensão do passaporte não foram determinadas em um primeiro momento.>
A BBC News Brasil procurou a Polícia Federal e a Justiça do Distrito Federal em busca de mais atualizações sobre o processo e a abertura oficial da investigação, mas não obteve resposta.>
Maira Pinheiro, uma das advogadas que representam a HRF no caso no Brasil, lamentou o que classifica como "uma ação da diplomacia israelense" para retirar o reservista das Forças de Defesa de Israel do Brasil antes da instauração de uma investigação formal.>
Afirmou, porém, esperar que o processo continue correndo na Justiça brasileira, apesar de o cidadão israelense alvo das acusações não estar mais no país.>
Após a saída do reservista do Brasil, a advogada protocolou nova petição em que reitera o pedido de decretação de prisão provisória, bem como requer a consequente inclusão do investigado na lista vermelha da Interpol.>
Pinheiro também explicou à BBC News Brasil que, com o término do recesso de final de ano do Poder Judiciário brasileiro nesta segunda, o caso será avaliado pelo juiz mais competente, já que até agora foi avaliado por magistrados que estavam de plantão.>
Segundo a advogada, todo o processo tem como base o Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário. O tratado internacional é considerado um marco do Direito Internacional Penal e estabelece, entre outras coisas, jurisdição sobre crimes graves, como genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.>
Na representação criminal, a representante da HRF no Brasil argumenta que, diante do compromisso do Brasil com o estatuto, assim como da "inequívoca previsão de competência da República do Brasil para a persecução de crimes de guerra e contra a humanidade em face de todos aqueles que, ainda que os tenham praticado fora dos limites territoriais nacionais, adentram o espaço de jurisdição brasileira", o país teria o dever de impedir e reprimir atos dessa natureza.>
No Brasil, o caso começou a tramitar na Bahia, onde o reservista estaria passando férias. No entanto, a juíza plantonista da comarca de Salvador, após parecer do MPF, enviou o caso para Brasília com base no Artigo 88 do Código de Processo Penal.>
O artigo estabelece que, para crimes cometidos fora do território brasileiro, a competência é da capital do Estado onde o acusado residiu por último. Se o acusado nunca residiu no Brasil, a competência é do juízo da capital do país.>
A Fundação Hind Rajab tem como um de seus objetivos documentar crimes de guerra contra os palestinos após o início da campanha militar israelense em resposta ao letal ataque de comandos terroristas em Israel em 7 de outubro de 2023.>
Seu nome é uma homenagem à menina palestina Hind Rajab, de 6 anos, que morreu em janeiro de 2024 na Cidade de Gaza.>
Em novembro, a fundação HRF pediu ao Tribunal Penal Internacional que emitisse mandados de prisão contra aproximadamente mil soldados das IDF listados em um documento protocolados no tribunal.>
A organização alegou ter coletado 8 mil peças de evidência da participação dos militares em um bloqueio em Gaza e na destruição de infraestrutura da região, além de ocupação de casas civis, saques e ataques a civis.>
Essas evidências são colhidas por meio de monitoramento das redes sociais dos próprios soldados, acompanhamento de notícias e relatos de jornalistas e lideranças em Gaza e cruzamento de dados por meio de geolocalização.>
As provas são então usadas pela organização para basear ações legais contra militares que estão temporariamente ou permanentemente no exterior.>
Segundo a própria HRF, já foram abertos casos semelhantes em diversos países, como Argentina, Chile, França, Holanda, Chipre, Tailândia e outros.>
Segundo o portal de notícias israelense Ynet, o Exército já identificou cerca de 30 processos criminais contra seus membros. Pelo menos oito soldados tiveram de deixar os países imediatamente devido a investigações.>
Esse mesmo método foi utilizado no caso do reservista que estava de férias no Brasil. Evidências que a organização afirma ter coletado sobre suas ações em Gaza, antes de viajar para o exterior, fazem parte da representação criminal enviada à Justiça brasileira.>
As provas apresentadas, segundo a própria HRF, incluem filmagens, dados de geolocalização e fotografias mostrando o suspeito pessoalmente plantando explosivos e participando da destruição de bairros inteiros. >
"Esses materiais provam, sem sombra de dúvida, o envolvimento direto do suspeito nesses atos hediondos", disse a organização em nota.>
A HRF também afirma ter sido por meio do monitoramento de redes sociais que conseguiu identificar que o reservista passava férias na Bahia.>
A advogada Maira Pinheiro afirma ainda que, nesse caso em especial, uma das famílias que supostamente foi vítima das ações do soldado em Gaza deu à equipe jurídica da HRF autorização para entrar na Justiça em seu nome.>
A família teria tido sua casa destruída pelas ações do batalhão de qual o israelense fazia parte, segundo a HRF.>
Segundo a imprensa israelense, o governo local tem alertado seus cidadãos sobre publicações feitas nas redes sociais sobre o serviço militar. "Elementos anti-israelenses podem explorar essas publicações para iniciar processos judiciais infundados contra eles", teria afirmado o governo em nota.>
E enquanto um debate sobre o tema foi marcado para acontecer no Parlamento, líder da oposição israelense, Yair Lapid, culpou a liderança de Israel pelo possível processo contra soldados no exterior.>
"O fato de um reservista israelense ter sido forçado a fugir do Brasil na calada da noite para evitar a prisão por lutar em Gaza é um enorme fracasso político de um governo irresponsável que simplesmente não sabe como trabalhar", escreveu Lapid em um post no X no domingo.>
O TPI expediu, em novembro, mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Bejamin Netanyahu, e o ex-ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant. Os juízes da corte encontraram "motivos razoáveis" de que eles têm "responsabilidade criminal" por supostos crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante a guerra entre Israel e o Hamas.>
O governo, porém, defende sua abordagem e nega as acusações de que é alvo internacionalmente.>
Em nota, a Embaixada de Israel no Brasil afirmou que todas as operações militares em Gaza são conduzidas em total conformidade com o direito internacional e que Israel está exercendo seu direito à autodefesa após o massacre brutal cometido pelo Hamas em 7 de outubro.>
"Os verdadeiros perpetradores de crimes de guerra são as organizações terroristas, que exploram populações civis como escudos humanos e utilizam hospitais e instalações internacionais como infraestrutura para atos de terrorismo direcionados a cidadãos israelenses.">
A representação no Brasil disse também que o país é alvo de "uso estratégico de artifícios legais".>
"Por mais de duas décadas, uma campanha global tem como alvo Israel e os soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF), utilizando denúncias legais para avançar objetivos políticos", diz o comunicado.>
A Embaixada afirma ainda que a organização responsável pela denúncia contra o reservista no Brasil "está explorando de forma cínica os sistemas legais para fomentar uma narrativa anti-Israel tanto globalmente quanto no Brasil, apesar de saber plenamente que as alegações carecem de qualquer fundamento legal".>
As acusações contra a HRF se baseiam principalmente no histórico controverso do presidente da organização, Dyab Abou Jahjah. O ativista libanês é apontado como apoiador do Hezbollah e do Hamas.>
Segundo o jornal israelense Jerusalem Post, ele teria admitido sua afiliação ao grupo libanês em uma entrevista ao americano The New York Times em 2003.>
Ele também é acusado de publicar nas redes sociais conteúdos que negam o Holocausto e ter comemorado o massacre realizado pelo Hamas no sul de Israel em outubro de 2023.>
Outro nome apontado como parte da liderança da HRF é Karim Hassoun. Segundo organizações pró-Israel, ele também seria um apoiador do Hamas e do Hezbollah.>
Países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e as nações da União Europeia classificam o Hamas como uma organização terrorista. O Hezbollah também é considerado uma organização terrorista por diversos países, incluindo Israel, Estados árabes do Golfo e nações ocidentais.>
A BBC News Brasil procurou a Fundação Hind Rajab diretamente em busca de esclarecimentos sobre as acusações, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.>
Mas segundo a advogada Maira Pinheiro, as declarações de Dyab Abou Jahjah e outros em relação a Israel e suas ações fazem parte de uma reação ao que classifica como "crimes de guerra" e uma campanha de "invasão" dos territórios palestinos conduzida há décadas por parte do governo israelense.>
Questionada sobre a possibilidade de ações semelhantes à protocolada no Brasil serem abertas contra as próprias lideranças da HFR ou de outras organizações palestinas pelos supostos crimes contra Israel de que vêm sendo acusados, a advogada brasileira afirmou que as alegações contra Abou Jahjah e demais figuras do movimento não possuem o mesmo grau de evidência das construídas pela organização pró-Palestina.>
Segundo ela, as ações legais protocoladas pela HFR são elaboradas com um rigor que falta a Israel em suas próprias acusações.>
Ainda de acordo com Pinheiro, Israel não é signatário do Estatuto de Roma, que promove a responsabilização internacional por crimes como genocídio e crimes de guerra.>
Após a divulgação da decisão da Justiça brasileira de pedir a abertura da investigação contra o israelense no Brasil, a advogada Maira Pinheiro relata ter recebido centenas de mensagens agressivas nas redes sociais, contendo inclusive ameaças de morte contra ela e sua filha. Ela também diz que teve informações pessoais divulgadas sem sua autorização.>
As mensagens compartilhadas por Pinheiro com a reportagem foram escritas em diversas línguas e contém insultos de caráter misóginos e sexuais.>
Apesar das ameaças, a advogada afirmou que irá continuar com o seu trabalho.>
Ela encaminhou as informações à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal (MPF) e às instâncias competentes da OAB. Também procurou ajuda do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.>
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