Publicado em 1 de junho de 2025 às 19:39
Os arranha-céus são, para alguns, o símbolo máximo do progresso e da modernidade. Para outros, eles são como uma mancha feia no horizonte.>
Os primeiros edifícios realmente altos de que se tem notícia foram os zigurates de tijolos de barro construídos na Suméria, onde antes ficava a Mesopotâmia e hoje é o sul do Iraque. Eram estruturas religiosas moldadas pela fusão entre a riqueza recém-acumulada e a crença em algo além da existência material. >
Esse desejo de alcançar o céu, enquanto se celebra tanto a fortuna e o poder quanto os deuses, também deu origem às pirâmides do antigo Egito e, milênios depois, às torres das catedrais medievais. >
A Grande Pirâmide de Gizé, concluída em 2540 a.C, reinou soberana, erguendo-se acima de todas as outras edificações, assim como a torre da Catedral de Lincoln, na Inglaterra, finalizada em 1092. >
>
Mas foi no final do século 19, quando as estruturas de aço e os elevadores tornaram possível — e viável — viver e trabalhar a 300 metros de altura, que os arranha-céus começaram a surgir em Chicago e Nova York, nos Estados Unidos. >
E foi também nessa época que se tornou mais evidente outra razão para se construir em grandes alturas: a competência. >
A corrida rumo às nuvens começou nas cidades americanas, mas, com o tempo, outras metrópoles ao redor do mundo as deixaram para trás. >
Hoje, na lista dos 100 edifícios mais altos do planeta, elaborada pelo Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH), o prédio que aparece em primeiro lugar nos Estados Unidos é o World Trade Center, em Nova York. Ele ocupa o sétimo lugar, com 541 metros de altura, e é 287 metros mais baixo que o campeão: o Burj Khalifa, em Dubai. >
Na verdade, os primeiros lugares dessa lista mostram como estados, reinos e emirados do Oriente Médio competem com a China, enquanto outros países, ansiosos por exibir sua nova riqueza, também entraram nesse jogo de números. >
A Europa, no entanto, é uma curiosa exceção. >
Embora seja verdade que no 16º lugar dessa lista apareça o Centro Lakhta, em São Petersburgo — o primeiro edifício europeu a figurar no ranking —, e que bem mais abaixo estejam três prédios em Moscou e um em Istambul, não há nenhum representante da Europa Ocidental. >
E mais: somente sete dos mil prédios mais altos do mundo se encontram na União Europeia. >
O Varso, um edifício comercial no centro de Varsóvia, na Polônia, ostenta o título de arranha-céu ocupado mais alto dessa região, mas ocupa apenas o 179º lugar no ranking global. >
Depois dele vem a Torre Commerzbank, em Frankfurt, na Alemanha, que aparece na 552° posição, apesar dos seus 259 metros.>
Não é que não existam arranha-céus na Europa Ocidental, principalmente se considerarmos que, para ser classificado como um arranha-céu, um prédio precisa ter altura mínima de 100 metros.>
A região até possui alguns prédios que entram na categoria de arranha-céus "altos", com mais de 150 metros, mas são raríssimos os "super altos", que ultrapassam 300 metros, e não existe nenhum classificado como "mega alto", com mais de 600 metros. >
E considerando que é um território rico, com pouco espaço disponível e muita gente — a Alemanha, por exemplo, tem uma densidade populacional maior que a dos Emirados Árabes, que são obcecados por arranha-céus — , era de se esperar que a Europa construísse mais prédios altos. >
Mas não tem sido assim, e não é por falta de conhecimento ou possibilidades. >
Desde o início da corrida rumo ao céu, a Europa já contava com todas as competências necessárias, como demonstraram o francês Gustave Eiffel, em 1889, e o alemão Werner von Siemens, que inventou o primeiro elevador elétrico em 1880. >
Isso se deve a diversos fatores, mas um dos mais cruciais é que é muito mais difícil construir prédios altos na Europa por causa das complexas regulamentações criadas para proteger o patrimônio cultural. >
Pense no exemplo de Atenas. >
Suas construções não podem tampar a vista do Partenon. Estão limitadas a 12 andares, a menos que estejam longe o suficiente para não impedir a visão do templo dedicado à protetora da cidade, Atena, deusa da sabedoria, da estratégia e da justiça. >
De forma semelhante, na região central de Roma, nenhum prédio pode ultrapassar a altura da cúpula da Basílica de São Pedro, caso contrário, corre o risco de enfrentar a ira de Deus, do papa ou, pelo menos, de alguns burocratas da cidade. >
Esse limite de 136 metros de altura foi quebrado em 2012, quando se construiu o arranha-céu "Torre Eurosky", de 155 metros. Mas ele só foi construído por estar fora da área de proibição, no distrito comercial e residencial da Exposição Universal de Roma (EUR).>
Então temos Londres. A capital britânica não é estranha aos arranha-céus. O mais alto, The Shard, ocupa o 195º lugar no ranking global, com seus 306 metros de altura.>
Mas, apesar de Londres ter vários arranha-céus, não é tão fácil construi-los. Isso se deve, em grande parte, a uma lei de 1938, feita para proteger a Catedral de Saint Paul — ou, pelo menos, para garantir a vista do prédio, que já foi o mais alto da cidade, com 111 metros.>
Há oito corredores visuais protegidos que cruzam Londres, e todos eles devem preservar uma vista da catedral. Um obstáculo complicado de se contornar para quem sonha em quebrar recordes de altura. >
Com o tempo, alguns edifícios mais altos conseguiram surgir na Europa.>
Mas, com frequência, eles são controversos e mal vistos. Poucos conseguem mais odiados do que a famosa estrutura alta de Paris. >
E não, não é a Torre Eiffel, mas a Torre Montparnasse, com seus 210 metros. >
Construída em 1973, ela foi tão rejeitada que uma nova lei foi rapidamente aprovada para limitar a 37 metros a construção de novos prédios no centro de Paris.>
Somente no subúrbio do distrito comercial de La Défense se construíram edifícios altos depois disso, ainda assim, não tão altos quanto em outras partes do mundo. >
Essa é uma tendência na Europa: os arranha-céus, via de regra, ficam nos arredores da cidade.>
Até mesmo o Centro Lakhta, em São Petersburgo — sede da empresa estatal de gás Gazprom —, que poderia ser motivo de orgulho por ser o arranha-céu mais alto da Europa, enfrentou resistência. >
A cidade foi construída por ordem de Pedro, o Grande, no século 18, para que fosse um "antídoto contra Moscou" e sua "janela para a Europa".>
E ela permaneceu protegida por um decreto que proibia edifícios mais altos que o Palácio de Inverno — até a construção desse arranha-céu.>
Durante muito tempo, a silhueta da cidade era marcada por três torres: a Catedral de São Pedro e Paulo, o Almirantado e a torre do Castelo de São Miguel.>
A chegada do Centro Lakhta rompeu com esse famoso panorama. >
Organizações públicas e moradores da cidade tentaram impedir sua construção. A Unesco ameaçou retirar da cidade o status de Patrimônio Mundial da Humanidade.>
A indignação foi tão grande que forçou a mudança da localização da torre para uma área mais afastada, nos arredores da cidade. Ainda assim, muitos ativistas veem essa conquista como uma derrota. >
Sem dúvida, há outras razões, além do patrimônio cultural e da regulamentação rígida, que diferenciam os horizontes europeus de outras partes do mundo.>
A geografia particular de certas regiões da Europa também tem influência. Dada à sua latitude norte, os arranha-céus fazem mais sombra e, consequentemente, deixam menos luz para quem está embaixo. >
Em Gotemburgo, na Suécia, por exemplo, os 245 metros de altura do Karlatornet projetam uma sombra no meio da tarde quase tão longa quanto a projetada pelos 828 metros do Burj Khalifa, edifício mais alto do mundo. >
E isso importa muito em uma região que recebe, em média, pouco mais de cinco horas de luz do sol por dia ao longo do ano. >
Para alguns, a ausência de arranha-céus também pode ser explicada pela falta de necessidade: os arranha-céus são símbolo de status, que servem para dar visibilidade às cidades onde foram construídos. >
Nem Paris, nem Roma, nem Atenas e nem Praga precisam de um edifício alto para ter um lugar no mapa cultural da humanidade. >
Já para outros, isso mostra que o Velho Continente seu deu por vencido, e não consegue competir com lugares mais jovens e modernos. >
A questão é que, até agora, a Europa tem resistido, em grande parte, à tentação de construir prédios cada vez mais altos. >
E que há quem defenda que, diante da beleza de sua arquitetura histórica, que não tampa a vista do céu, tomara que continue assim. >
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta