Publicado em 7 de janeiro de 2025 às 19:44
Aviso: Esta história contém detalhes angustiantes.>
Pouco antes do Ano-Novo, Shatha al-Sabbagh, de 21 anos, estava comprando chocolates para as crianças de sua família em uma loja em Jenin, na Cisjordânia ocupada.>
A estudante de jornalismo, descrita como "destemida" e determinada a expor o sofrimento dos palestinos, estava acompanhada pela mãe, dois sobrinhos pequenos e outro parente.>
"Ela estava rindo e dizendo que íamos passar a noite inteira acordadas hoje", lembra a mãe.>
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Então, Shatha foi baleada na cabeça.>
Para sua mãe, Umm al-Motassem, a dor ainda é insuportável. Ela pausa para recuperar o fôlego antes de falar.>
"Os olhos de Shatha estavam bem abertos. Parecia que ela estava me encarando enquanto estava deitada de costas, com sangue jorrando de sua cabeça.">
"Comecei a gritar: 'Parem de atirar! Minha filha está morta. Minha filha está morta.'">
Mas os disparos continuaram por cerca de 10 minutos. Shatha morreu em uma poça de seu próprio sangue.>
A família aponta como responsáveis por sua morte as forças de segurança da Autoridade Palestina (AP), afirmando que a área onde vivem é controlada pela AP.>
"Não poderia ter sido ninguém além da AP... porque eles têm uma presença tão forte em nosso bairro que ninguém mais poderia entrar ou sair.">
No entanto, a AP culpa "foras da lei" – termo usado para descrever membros do Batalhão de Jenin, composto por combatentes de grupos armados como a Jihad Islâmica Palestina (PIJ) e o Hamas.>
A Autoridade Palestina (AP) exerce um autogoverno limitado na Cisjordânia, ocupada por Israel.>
No mês passado, lançou uma grande operação de segurança no campo de refugiados em Jenin, visando grupos armados baseados no local, que eles consideram uma ameaça à sua autoridade. Quase quatro semanas depois, a operação ainda continua.>
O Batalhão de Jenin é acusado de explodir um carro e realizar outras "atividades ilegais".>
"Confiscamos um grande número de armas e materiais explosivos", afirma o general de brigada da AP Anwar Rajab.>
"O objetivo é limpar o campo dos dispositivos explosivos que foram espalhados por diferentes ruas e becos... Esses fora da lei ultrapassaram todos os limites e espalharam o caos.">
O general Rajab também acusa o Irã de apoiar e financiar os grupos armados na região.>
O Batalhão de Jenin nega qualquer ligação com o Irã. Em um vídeo recente postado nas redes sociais, o porta-voz Nour al-Bitar afirmou que a AP está tentando "demonizá-los" e "manchar sua imagem", acrescentando que os combatentes não entregarão suas armas.>
"Para a AP e o presidente Mahmoud Abbas, por que chegamos a este ponto?" questionou, segurando estilhaços que, segundo ele, eram de um foguete disparado contra o campo pelas forças de segurança.>
A Autoridade Palestina (AP), liderada pelo presidente Mahmoud Abbas, já era impopular entre os palestinos insatisfeitos com sua rejeição à luta armada e sua coordenação de segurança com Israel.>
Essa insatisfação cresceu ainda mais com a repressão contra os grupos armados no campo de Jenin, marcada por uma ferocidade e duração sem precedentes.>
Israel considera esses grupos como terroristas, mas muitos moradores de Jenin os veem como uma forma de resistência à ocupação.>
"Esses 'fora da lei' que a AP menciona são os jovens que nos defendem quando o exército israelense invade nosso campo", afirma Umm al-Motassem.>
Segundo o Ministério da Saúde palestino, pelo menos 14 pessoas morreram durante a repressão, incluindo um adolescente de 14 anos.>
Agora, muitos moradores de Jenin dizem temer a AP tanto quanto temem as incursões militares de Israel. A morte de Shatha al-Sabbagh só intensificou esse desprezo.>
Antes de ser morta, Shatha compartilhou várias postagens nas redes sociais mostrando a destruição causada pela operação da AP em Jenin, assim como as incursões israelenses no campo no ano passado.>
Outras postagens mostravam fotos de jovens armados mortos nos confrontos, incluindo o irmão dela.>
Sua morte foi condenada pelo Hamas, que identificou o irmão de Shatha como membro da ala armada do grupo, as Brigadas Izzedine al-Qassam. O grupo descreveu seu "assassinato... a sangue frio" como parte de uma "política opressiva direcionada ao campo de Jenin, que se tornou um símbolo de resistência e firmeza".>
Mustafa Barghouti, líder do partido político Iniciativa Nacional Palestina, vê os combates em Jenin como uma consequência das divisões entre as principais facções palestinas — o Fatah, que domina a AP, e o Hamas, que governa Gaza desde 2007.>
"A última coisa de que os palestinos precisam é ver palestinos atirando uns nos outros enquanto Israel oprime a todos", diz ele.>
Dentro do campo, os moradores dizem que a vida cotidiana parou completamente.>
O fornecimento de água e eletricidade foi cortado, e as famílias enfrentam a falta de alimentos, o frio intenso e tiroteios incessantes.>
Os moradores que conversaram conosco pediram para ter seus nomes alterados, temendo represálias da Autoridade Palestina (AP).>
"As coisas estão péssimas aqui. Não conseguimos nos mover livremente no campo", diz Mohamed.>
"Todas as padarias, restaurantes e lojas estão fechados. O restaurante onde trabalho abre por um dia e fecha por dez. Quando abre, ninguém aparece.>
"Precisamos de leite para as crianças, precisamos de pão. Algumas pessoas nem conseguem abrir as portas por causa do tiroteio constante.">
O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) pediu uma investigação sobre o que descreveu como violações de direitos humanos pelas forças da AP.>
O general Anwar Rajab afirmou que alguns dos "fora da lei" que haviam "sequestrado" o campo de Jenin foram presos e que outros, com processos pendentes, seriam levados à justiça.>
Mas Mohamed descreve a operação da AP — com inocentes presos no fogo cruzado — como "punição coletiva".>
"Se eles querem perseguir fora da lei, isso não significa que devem punir o campo inteiro. Queremos nossas vidas de volta.">
Até mesmo sair para buscar comida ou água é arriscado, diz Sadaf, de 20 anos.>
"Quando saímos, fazemos nossas últimas orações. Nos preparamos mentalmente para não voltar.>
"Está muito frio. Tivemos que tirar as portas de casa para usá-las como lenha, só para nos aquecer.">
A BBC ouviu relatos semelhantes de quatro moradores do campo.>
Minha conversa com Sadaf é interrompida pelo som de tiros. Não está claro de onde vêm ou quem está atirando. O som começa e para várias vezes.>
"Talvez sejam tiros de aviso", sugere ela, explicando que isso às vezes acontece quando as forças da AP trocam de turno.>
Sadaf continua descrevendo o campo, com "lixo enchendo as ruas e quase invadindo as casas". Mais tiros podem ser ouvidos.>
A mãe de Sadaf se junta à conversa. "Ouça isso... Alguém consegue dormir com esse barulho ao fundo?>
"Agora dormimos em turnos. Temos medo de que invadam nossas casas. Temos tanto medo desta operação quanto das incursões dos soldados israelenses.">
Os moradores dizem que as forças de segurança atingiram deliberadamente as redes elétricas e os geradores, deixando o campo na escuridão total.>
A AP, por sua vez, culpa novamente os "fora da lei" e afirma ter levado trabalhadores para consertar a rede elétrica.>
Os grupos armados querem "usar o sofrimento do povo para pressionar a Autoridade Palestina (AP) a encerrar a operação", afirma o general Anwar Rajab. Ele garante que a operação de segurança continuará até que seus objetivos sejam alcançados.>
Segundo Rajab, o objetivo da AP é estabelecer controle sobre o campo de Jenin e garantir segurança e estabilidade. Ele acredita que retirar o controle dos grupos armados eliminaria a justificativa de Israel para atacar o campo.>
No final de agosto, o exército israelense realizou uma grande operação de nove dias, chamada de "contra-terrorismo", em várias cidades do norte da Cisjordânia, incluindo Jenin e seu campo de refugiados, causando destruição generalizada.>
De acordo com o Ministério da Saúde palestino, pelo menos 36 palestinos foram mortos, sendo 21 deles da província de Jenin.>
Analistas afirmam que a AP tenta reafirmar sua autoridade na Cisjordânia e demonstrar aos Estados Unidos que é capaz de assumir um papel no futuro governo de Gaza.>
"Qual seria o problema nisso?" pergunta o general Rajab.>
"Gaza faz parte do estado palestino. Gaza e Cisjordânia não são entidades separadas. Não existe um estado palestino sem Gaza. O presidente [Mahmoud Abbas] já disse isso, e essa é nossa estratégia.">
No entanto, Mustafa Barghouti considera essa abordagem uma "ilusão". "Basta ouvir o que [Benjamin] Netanyahu diz", acrescenta.>
Segundo a visão do primeiro-ministro israelense para Gaza após a guerra, Israel controlaria indefinidamente a segurança, e palestinos "sem vínculos com grupos hostis a Israel" – o que excluiria todos os principais partidos políticos palestinos atuais – administrariam o território.>
Os Estados Unidos, maior aliado de Israel, desejam que a AP governe Gaza após a guerra. Contudo, Netanyahu já descartou qualquer papel pós-guerra para a AP, mesmo com o apoio internacional.>
Para os moradores do campo de Jenin, a violência e as perdas continuam implacáveis.>
"A AP diz que está aqui para nossa segurança. Onde está essa segurança quando minha filha foi morta? Onde está a segurança com os tiros sem parar?" clama Umm al-Motassem.>
"Eles podem ir atrás dos 'fora da lei', mas por que minha filha teve que morrer? A justiça será feita quando eu souber quem matou minha filha", diz ela.>
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