Publicado em 26 de maio de 2025 às 14:39
O influenciador digital Agenor Tupinambá, de 25 anos, ganhou a atenção do país, em 2023, quando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) decidiu apreender uma capivara criada por ele como pet, a Filó.>
A apreensão aconteceu à época porque, segundo o instituto, o animal estaria sendo exibido indevidamente nas redes sociais e criado em condições inadequadas.>
Para o Ibama, ele "adquiriu seguidores expondo sistematicamente a fauna silvestre em seus perfis de forma irregular, sem licença ambiental para a atividade.">
Tupinambá abriu um processo em que requereu a guarda da capivara, e ganhou. Filó continua com ele até hoje.>
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O juiz disse, na decisão, que o animal "vive em perfeita e respeitosa simbiose com a floresta" e que "não é a Filó que mora na casa de Agenor, é o autor (Agenor) que vive na floresta.">
Advogados do influenciador apresentaram a tese de que ele "jamais buscou a fama", que "seus seguidores foram chegando aos poucos" e que a explosão de seguidores teria ocorrido depois de um vídeo viral com Filó, "gerando o efeito natural de ganhos de seguidores e engajamentos.">
O caso catapultou Agenor para além das próprias redes sociais: deu entrevistas a programas de TV e chegou até a ter sua vida amorosa retratada em um texto na revista Caras.>
Houve até mesmo a apresentação de um projeto de lei no ano passado, na Câmara dos Deputados, batizado com seu nome, que descriminaliza a posse e criação de animais silvestres não ameaçados de extinção. O projeto aguarda votação na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.>
Passados dois anos desde o episódio, Agenor Tupinambá alcançou a marca de 1,7 milhão de seguidores no Instagram e outros 1,8 milhão no TikTok, mais do que o dobro do número que tinha sido anotado na multa lavrada pelo Ibama, em 2023.>
Quem visita a página dele hoje verá mais do que fotos com a capivara ou de sua vida privada.>
Tupinambá trancou o curso de graduação em agronomia, se mudou para um sítio no interior do Amazonas e passou a trabalhar somente com internet. Levou Filó junto.>
O influenciador diz que faz hoje publicidade de empresas locais e também que assinou contrato anual com um site de apostas.>
Tupinambá contou à BBC News Brasil que recebeu algumas críticas depois de ter assinado o contrato (a entrevista pode ser lida aqui).>
Ao lado da publicidade mais recente está outra foto, também destacada no feed, de Tupinambá e Filó, com o título "#tbt para matar a saudade de vcs". Ele afirma, no entanto, que não faz qualquer uso da capivara diretamente nos anúncios. >
"Nunca ganhei nada em cima dela, do que eu postava com ela. Depois, meses depois que tudo aconteceu, foi aí que comecei a trabalhar com a internet", disse.>
O desfecho do caso da capivara Filó virou uma "mensagem equivocada" para o a sociedade e com repercussão até hoje nas redes sociais, nas palavras de um servidor do Ibama.>
A cada nova apreensão de animal silvestre divulgada nas redes são centenas de comentários negativos recebidos.>
São situações que envolvem, em geral, outros influenciadores digitais, que divulgam imagens de animais criados como pets, de forma considerada inadequada pelas autoridades.>
Segundo a instituição, muitos lucram com essa exposição indevida.>
Um levantamento feito pela BBC News Brasil identificou ao menos 175 autos de infração do Ibama que citam nomes de redes sociais na descrição da multa e a exploração da imagem de animais silvestres. Metade foi lavrada nos últimos cinco anos.>
Um dispositivo legal de 2008 respalda as ações do órgão: segundo o decreto, é infração ambiental "explorar ou fazer uso comercial de imagem de animal silvestre mantido irregularmente em cativeiro ou em situação de abuso ou maus-tratos", o que pode levar a multas de até R$ 500 mil. >
Para Bruno Campos Ramos, agente ambiental federal e chefe-substituto do Núcleo de Fiscalização da Fauna da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, as redes sociais se tornaram uma nova fonte de lucro para fomentar o tráfico de animais.>
"Quando algum desses influenciadores que tem animal silvestres faz sucesso, a gente até vê a alegria dos traficantes. É como se um artista estivesse divulgando um tênis, um carro. As pessoas assistem e querem ter um também", diz.>
Ele lembrou de um episódio, também de repercussão nacional, em que a modelo e apresentadora Nicole Bahls, que tem quase 30 milhões de seguidores no Instagram, teve filhotes de macaco-prego apreendidos pelo Ibama depois de tê-los exibido nas redes sociais.>
As autoridades descobriram, à época, que os documentos que comprovariam a legalidade dos animais eram falsos. O caso desencadeou depois uma operação sobre tráfico de animais silvestres no Rio.>
"É uma cadeia em que várias pessoas ganham dinheiro. Tem o advogado, que entra na Justiça nas situações em que apreendemos os animais para conseguir devolução. Tem o influenciador, que ganha repercussão na internet e depois começa com patrocínio de bet [aposta] e monetização de views e curtidas", diz.>
"Naquela época nós apreendemos muitos primatas. Ela [a modelo] teve a consciência de ir às redes sociais e falar que o Ibama fazia um trabalho excelente, coisa que nem sempre todo mundo faz.">
Bahls chegou a dizer, em entrevista à TV Globo, que "não tinha consciência" de que o documento era falsificado. >
"A maior lição que eu tive sobre animal silvestre, eu acho que mesmo sendo legalizado, não é legal. Porque incentiva e causa morte e muita dor no meio desses animais", disse.>
Ramos, do Ibama, avalia que há uma incompreensão da sociedade sobre a ação do instituto. >
"Recebemos uma crítica muito exacerbada. As pessoas acham que entendem do assunto. Esses não são animais para serem criados como pet.">
Outro exemplo do cabo de guerra entre o Ibama e parte da opinião pública aconteceu em abril deste ano, quando a instituição apreendeu uma jaguatirica no interior do Pará, apelidada de Pituca.>
O próprio Ibama divulgou vídeo no Instagram sobre o caso.>
Com música ao fundo, uma porta-voz da instituição, Juliana Junqueira, diz que o animal tinha deficiência nutricional crônica, que a pelagem estava sem brilho e com lesões.>
"A pessoa que se apossou do animal o exibia nas redes sociais como se tudo estivesse bem, mas a realidade era outra", escreveu o Ibama na publicação.>
"Isso é maus tratos! Isso é tortura! Não curta histórias de animais silvestres nas redes. Atrás de um vídeo bonitinho existe uma história triste de maus-tratos", diz a instituição.>
Em resposta, um dos primeiros comentários em destaque era de que "em momento algum" o animal era maltratado e que a jaguatirica "vivia solta e feliz com a sua dona".>
Outra resposta em letras maiúsculas reafirma que o animal "vivia livre na fazenda, sumia nas matas e voltava quando queria. Agora ela está definhando em uma jaula no Ibama. Quem é que está causando maus tratos?", escreveu a usuária.>
A jaguatirica chegou a um Centro de Triagem de Animais Silvestres, em abril, com o objetivo de, quando possível, ser reintroduzida à natureza "de forma segura", segundo o Ibama.>
Os comentários negativos foram além das redes sociais. A BBC News Brasil teve acesso a uma ameaça por escrito, enviada a servidores do Ibama no Pará.>
Um servidor contou à reportagem, sob condição de anonimato, que após a repercussão do caso nas redes houve uma "onda contínua de repúdio às ações do Ibama" e "ameaças de agressão física", inclusive nas páginas pessoais dos servidores.>
"As pessoas têm relação tão grande com esses influencers que se acham amigos dessas pessoas. É um negócio calçado na emoção, não na razão", disse.>
Ele disse que o órgão encaminhou as ameaças para investigação da Polícia Federal. >
A jaguatirica estava em posse de Luciene Candido, que se apresenta nas redes sociais como Luh da Roça. Ela tem mais de 200 mil seguidores no Instagram e quase 500 mil no Facebook.>
Pituca era exibida em vídeos ao lado de outros animais e bebendo em uma mamadeira. Algumas publicações chegaram a quase 1 milhão de visualizações.>
Em um dos vídeos publicados antes da apreensão, a influenciadora alegou que o animal podia se movimentar como quisesse na fazenda em que vive e que, caso fosse solta na natureza, não sobreviveria.>
"Pessoal fica marcando autoridade nos meus vídeos, realmente eu não entendo. Ela não está sendo maltratada, não está passando fome, não vive em apartamento", disse.>
"Acho que o desejo deles [que denunciam] é autoridade vir, recolher ela, levar para um cativeiro e aí depois de um certo tempo, 'ah, ela treinou, está pronta para ir para o habitat dela'. Aí chega no habitat dela simplesmente ela vai e morre. Possibilidade dela viver aqui em casa é de 20 anos. Lá no habitat dela, é 10. Quem fica questionando, criticando, nem sabe disso.">
O analista ambiental do Ibama Roberto Cabral diz que há uma incompreensão sobre o que acontece após o resgate dos animais. >
"Os centros de triagem [para onde os animais vão depois de apreendidos] não são o destino final do animal. É lá que eles serão recuperados, onde se faz uma reabilitação. É como se fosse um hospital. Transitório, para preparar o animal para viver em liberdade.">
A jaguatirica foi encaminhada ao Centro de Triagem de Animais Silvestres, o Cetas. O instituto diz que o animal tinha problemas na pelagem e parasitas, "com destaque para infestação por bicho-de-pé nas patas" e "perda dos caninos do lado esquerdo.">
Ela admitiu, em um vídeo após a apreensão, saber que não tinha autorização para ficar com o animal.>
"Estou agoniada, estou nervosa, estou triste. Infelizmente para quem estava torcendo contra, marcando as autoridades para vir busca a Pituca, vieram", lamentou ela em uma publicação após a apreensão. >
"Tá certo que eu não tenho autorização, mas eu salvei a vida dela. Eu não fui na natureza caçar ela pra levar pra casa.">
Candido também passou a divulgar uma série de vídeos críticos à apreensão, inclusive com uso de inteligência artificial, com ilustrações de autoridades prendendo o animal em uma jaula.>
A reportagem fez diversas tentativas de entrevista com Luciene Candido por suas redes sociais, mas não obteve resposta. O espaço segue à disposição.>
A Meta informou, em nota, que não permite "conteúdos que coordenem, ameacem, apoiem ou admitam atos que causem danos físicos contra animais, e removemos tais conteúdos quando tomamos conhecimento deles em nossas plataformas.">
Disse ainda: "Estamos sempre aprimorando esforços para manter as nossas plataformas seguras e também incentivamos as pessoas a denunciarem conteúdos e contas que acreditem violar nossas políticas através das ferramentas disponíveis dentro dos próprios aplicativos".>
Um artigo científico publicado em 2023 na revista Biological Conservation analisou o fenômeno crescente do uso de animais silvestres nas redes sociais - e o consequente lucro para os criadores de conteúdo.>
A pesquisa foi publicada em 2023 e assinada por Antônio F. Carvalho, Igor O. Morais e Thamyrys B. Souza.>
Foram analisados cerca de 400 vídeos no Youtube, de 39 países. Os números mostram o grande interesse por esse tipo de conteúdo: somados, os vídeos tiveram quase 1 bilhão de visualizações e 8,5 milhões de curtidas. >
Ao menos 114 vídeos foram monetizados por 155 anunciantes, e a média de lucro foi de US$ 10 mil dólares (cerca de R$ 56 mil). Crianças participaram de 61 produções. >
Entre os vídeos identificados havia exemplos de crueldade explícita com animais. >
No caso do Brasil, no entanto, os maus-tratos aparecem de forma mais 'velada', avalia o especialista em combate ao tráfico de animais silvestres da Wildlife Conservation Society (WCS) Brasil, Antonio Carvalho. >
"Vimos muitos vídeos de animais na fila de matadouro e gente que comemora isso. No Brasil o que viraliza mais são vídeos de animais fofinhos, que aparentemente não demonstram algum tipo de crueldade. O caso da capivara Filó e da jaguatirica são as cerejas do bolo do que o brasileiro gosta de ver.">
Para o especialista, o primeiro dano causado por esse tipo de conteúdo é o incentivo ao tráfico de animais silvestres. "Se o influencer está ficando famoso, indo para a televisão, quem assiste pensa em fazer a mesma coisa. Consequententemente, muitos outros animais começam a ser buscados, para atrair engajamento e entrar nesse círculo vicioso.">
Embora não haja um sofrimento evidente nesses vídeos virais com animais silvestres criados como pets, ele avalia que há outros danos não mostrados. >
"No caso da jaguatirica, que vimos recentemente, a questão nutricional estava muito abalada. Isso é recorrente. O animal, quando não está em vida livre, quando não está naquele nicho em que a espécie está adaptada, tem todo o sistema imunológico modificado. Quantidade de hormônios, de stress, tudo fica mais elevado.">
Carvalho diz que a crítica recorrente ao Ibama acontece porque, à primeira vista, parece que estão tirando um animal doméstico de quem está cuidando, algo distante da realidade. "Os servidores, via de regra, dão a vida para resgatar esses animais.">
O YouTube, em nota, disse que as diretrizes da comunidade "proíbem estritamente vídeos com maus-tratos a animais." >
"É importante ressaltar que vídeos que violam essas diretrizes não são elegíveis para monetização. Se identificarmos uma violação, o vídeo é removido e o canal pode sofrer penalidades, incluindo a desativação da monetização. Investimos continuamente em tecnologia e equipes para aplicar essas políticas globalmente. Encorajamos nossa comunidade a denunciar qualquer conteúdo suspeito, e todas as denúncias são analisadas", diz a plataforma.>
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